Capítulo 8
Anna pulou uma cerca de arame farpado, se alojou próximo ao riacho, em uma árvore com o caule grosso. Encostou na árvore, pegou um saquinho de chips e a garafa de água, comendo seu jantar.
Abriu o saco de dormir, entrou dentro dele, a noite estava muito gelada. Lembrava do beijo em Rafaela, isso a mantia aquecida e um tanto excitada, embora quisesse se masturbar, não iria fazer no saco apertado. Acabou dormindo sem se dar conta, acordando no dia seguinte com lambidas no rosto.
Um filhote de cachorro a lambia, logo atrás a mãe de raça desconhecida vinha até eles. Achando que eles estavam com fome rasgou o saco de pão, dando um pedaço para cada. Comeram, balançando o rabo, foram beber água no rio, voltando para brincar com Anna.
- Meus amiguinhos, me chamo Anna. A menina Anna veio de uma família rica, vocês comeriam "até explodir" na casa da minha mãe. Iriam ser bem tratados, Victoria gosta de animais. Criaturas lindas, leais, principalmente porque não falam. É ela que diz assim e não eu.
Começou a chover, os três correram para debaixo da ponte.
- Se chover demais o rio vai subir e vamos sair daqui à nado. Sabem nadar? Devem saber, todo animal já vem com instinto de sobrevivência. Ai meu Deus, será que eu vou acabar meus dias louca, morando na rua e falando sozinha? Não! Não! Vou pedir novamente a emancipação, vou cuidar da minha herança e tudo bem. É, é isso!
A chuva não cessava, trinta minutos direto, forte, a água caindo. O volume de água do rio subiu, a correnteza alcança o joelho de Anna, a assustando. Com os animais no colo, as mochilas, a força da água a empurrando, estava muito difícil manter o equilíbrio e sua posição debaixo da ponte. Viu uma casa alguns metros abaixo, um homem na janela a observava, porém nada fazia para ajudar.
- Vamos pedir abrigo para aquele moço. Fiquem tranquilos, vamos sair dessa amiguinhos.
Andou até o meio do rio onde havia umas pedras acima da água, deixou os cachorros em cima dela, eles pulam de pedra em pedra até chegar do outro lado, no gramado. Uma pisada em falso ao trocar de pé Anna torceu o tornozelo direito, a água a carregou para a lagoa.
Rafaela estava passando por uma ponte e viu uma pessoa sendo carregada pela forte correnteza, estacionou a caminhonete quando reparou que se tratava de Anna. Correu para ajudar, pulou na lagoa de roupa e sapato, nadando até Anna, ela boiava apoiada por uma barricada de madeira.
Osvaldo viu uma moça chegando em sua casa com outra nos braços, dois cachorros acompanhando. Abriu a porta e os deixou entrar, pôs mais lenha no fogão à lenha, água na chaleira para banhar a moça desacordada.
- Deita ela na cama, tira a roupa e cubra com a coberta. A água pra banha a moça tá esquentano, perai que já eu vorto.
Osvaldo montou o cavalo e foi buscar a "curandeira da mata".
Rafaela não maldou o ato de despir Anna, a preocupação era cuidar para que ela não tivesse uma pneumonia.
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Victoria sentiu uma pontada no peito, impressão de que algo ruim aconteceu. Saiu da delegacia arrasada, ainda não tinham notícias de sua filha.
No hospital conversou com o médico, a cirurgia foi um sucesso, Dyoxe estava em coma induzido. O estado dele é de risco, o coma induzido é uma forma de se recuperar sem esgotar a vitalidade do corpo.
- Anna, minha filha... O quê aconteceu com você?
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Anna acordou deitada em uma cama que não era a sua, vestindo uma camisola folgada, um forte cheiro de ervas em uma caneca ao lado da cama em uma mesinha. A mulher falando em língua estranha oferecia para ela a caneca, insinuando para ela beber.
Uma índia profetizando rezas a assustou, pegou a caneca e fingiu beber, somente o cheiro a deixava com tontura. Ouviu uma descarga de privada, tinha alguém no banheiro, suspeitou que fosse um homem e que iriam lhe fazer mal, cobriu o rosto e rezou para ficar bem.
- Anna?
"Estou mal, estou até fantasiando ouvir a voz de Rafaela".- Anna, sou eu, a Rafaela. Como vc está?
- Rafaela! - A abraçou. - Como você veio parar aqui? E eu?
- Boa pergunta... Como você veio parar aqui? Essa propriedade é do meu chefe.
- Ham, nós podemos conversar à sós?
- Vou levar a curandeira na casa dela, fiquem a vontade, se precisar me ligue dona Rafaela, vou dar uma passadinha depois na venda do Seo Antonho. Com licença. - Fez um aceno com o chapéu, depois saiu.
Estavam à sós, Anna olhou bem nos olhos de Rafaela, diminuiu a distância entre elas, unindo as bocas. As mãos de Anna ganhou ousadia no corpo de Rafaela, apesar do prazer Rafaela a afastou, levantando da cama.
- Você tem que parar de me agarrar.
- Você bem que estava gostando, rsrs. Qual o problema? Eu não sou mulher para você?
- Você é uma adolescente, hetero, que quer uma experiência apenas e depois saí fora. Sem contar que sua vida está um caos. Sua mãe deve estar louca te procurando, tenho que entrar em contato com ela e dizer que você está bem.
- Não! Não quero que minha mãe saiba aonde eu estou, por isso eu fugi.
- Dyoxe ainda está vivo, em coma induzido, creio eu que ter o marido entre a vida e a morte já é um problema grande, não posso deixar sua mãe ainda mais angustiada com seu sumiço.
- Dyoxe tentou me estuprar, bendita a hora que essa pessoa o atacou. Seja "ela" quem for eu agradeço, ainda está tudo no lugar comigo.
- Me poupe, argh! Não sei o que fazer... Já acham que fui eu que ataquei o Dyoxe, se te manter aqui escondida vão achar que você foi sequestrada por mim.
- Minha mãe tentou fazer eu desistir da queixa, eu suspeito,que o Dyoxe matou o meu pai. Coloquei câmeras na casa, ouvi umas conversas, mas não posso provar nada. Não quero voltar para o colégio interno militar, muito menos ficar trancada naquela casa com minha mãe, eu sei que corro risco de morte. Você não tem motivos para me ajudar, eu te entendo perfeitamente, só peço para que espere eu melhorar um pouco, irei embora e será como se eu nunca tivesse estado aqui, como se eu nunca tivesse cruzado seu caminho.
- Porquê eu deveria confiar em você? Quem me garante que você e Dyoxe não são aliados? Ou que foi você que o machucou?
- Eu odeio o Dyoxe, mas não ainda ao ponto de querer matá-lo. A não ser que eu descubra que é verdade que ele matou meu pai, ai eu vou matar ele vagarosamente, olhando nos olhos dele, apreciando cada expressão de dor.
- Preciso fazer uma ligação. - Saiu do quarto. - Alô, é a Rafa, tenho um trabalho pra você.