- Mãe, eu vou embora! Eu já disse, você sabe que eu vou embora. Assim que janeiro terminar...
E ela sabia disso. Com apenas 14 anos de idade, eu estava todo empertigado na minha autodeterminação, decidido a deixar tudo para trás: minha mãe, meu pai, meus irmãos, minha família, minha casa, minha cidade. Tudo por uma nova oportunidade que se abria em minha vida.
Eu havia sido selecionado para cursar o Ensino Médio no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa, o Coluni, uma escola referência e tradicionalmente o melhor colégio público do país. Aquilo era uma grande conquista e orgulho para a minha família, a maior parte dos alunos do Coluni já saía de lá com uma vaga garantida em uma universidade federal, o que não era tão "fácil" como é nos dias de hoje.
O problema é que o colégio ficava na cidade de Viçosa, há uns 300km da minha cidade natal, e eu só tinha 14 anos. Meus pais, principalmente a minha mãe, estava receosa de deixar eu ir morar sozinho numa cidade universitária, devido a todos os riscos que isso podia implicar. Eles não podiam me acompanhar, meu pai tinha a loja, minha mãe havia fechado a escola de dança e aberto um salão de beleza, e ainda tinham outros dois filhos mais novos para criar.
Eu não queria deixar a minha mãe, eu não queria deixar a minha família. Mas eu também não estava ali pra brincadeira, eu tinha que trilhar a minha vida, eu realmente precisava ir andando dali, eu podia ouvir algo me chamando, e sentia todo o peso do mundo nas minhas costas.
Eu sabia que eu iria embora, eu realmente precisava deixar tudo aquilo para trás. Não queria mais continuar ali, brigando com o meu pai todas as semanas, aguentando a importunação da família da minha mãe nas nossas vidas (duas tias, irmãs da minha mãe, tinham vindo morar na nossa casa e minha avó e o outro tio não saíam de lá, o que deixava a todos nervosos e estressados), não suportava mais a escola, os professores, os colegas que me perturbavam tanto. E eu nem tinha amigos mais.
Eu era muito leal à minha mãe e sabia que nunca conseguiria deixá-la, sentia-me muito bem tendo ela ao meu lado, e era meio como uma deserção o que eu estava fazendo. Mas eu sabia que somente daquela forma eu iria crescer de verdade e que, acontecesse o que acontecesse, eu sempre podia contar com ela durante todos os dias da minha vida.
Somente hoje, quando eu olho pra trás, eu percebo que realmente foram bons todos aqueles dias com a minha família, e que eles me fizeram particularmente feliz. Mas eu tinha que ir embora! Algo me chamava...
E então eu fui, com 14 anos, três malas nas mãos, chegando no chuvoso verão da cidade de Viçosa. Encontrei vaga para morar numa casa próxima ao colégio, para dividir com mais três pessoas. Depois que minha mãe deu uma boa inspecionada na casa e na cara dos meus futuros colegas, ela permitiu que eu ficasse ali.
Era uma casa desconjuntada de dois quartos, uma pequena sala, cozinha/copa mal iluminadas, um banheiro minúsculo e úmido, e uma varanda grande de ardósia na frente da casa, onde aconteciam muitos churrascos e resenhas, com uma área de serviços ao fundo, separada.
Todo o pessoal da casa estudava no Coluni e era mais velho do que eu. Eu dividia o quarto com um cara chamado Renan, carioca, moreno bonito, gente boa, gostava de conversar, mas raramente me dava atenção quando estávamos fora de casa. Minhas outras colegas era uma paulista chamada Emanuela, a mais velha e a "mãe" da casa, uma garota baixinha e gordinha, mas muito bonita, do sorriso lindo e de uma bondade infinita. Tinha também a Maria Eduarda, mineira de Mariana, que o tanto que podia ser simpática e agradável era também nervosa e grossa, dependendo apenas da ocasião.
E essa mudança foi o fator determinante em toda a minha vida, mas mesmo assim, até hoje, eu ainda escuto algo me chamando de volta para casa...
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Antes de tudo, gostaria de agradecer a todos que estão votando, comentando e lendo o conto. Vi que os acessos têm sido altos e espero estar contribuindo em algo ao relatar trechos importantes da minha vida à vocês.
Quanto às perguntas que têm sido feitas nos comentários, acho que é hora de responder a algumas. Primeiramente, necessário especificar que o relato se passa a partir da segunda metade dos anos 90, naquela época em que Pearl Jam e R.E.M. eram coisas sagradas para mim.
Outra coisa importante é dizer que os homens sempre foram encapetados, tarados e assediadores, independente da época na história. rs
Por último, infelizmente não moro mais em Viçosa, saí de lá faz uns bons anos, mas nada impede que tenhamos um bom bate papo! rs
Um grande abraço a todos!