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Eu não reconheci a voz que me chamava, eu nunca havia nem escutado voz parecida, tinha um sotaque estranho. Senti-me envergonhado por estar de cueca e por ter chamado o Marvin de amor. Eu me levantei e fiquei de pé em frente ao homem alto, com um corpo aparentemente normal. Ele era loiro e tinha olhos castanhos claros, barba rala e loira também, ele lembrava alguém que eu não sabia quem era ainda. Olhei para o Marvin esperando que ele me apresentasse, mas ele deu de ombros.
- Sim, eu sou o Daros, você é...?
- Eu preciso conversar a sós com você – disse novamente com um sotaque estranho, agora parecia que ele era estrangeiro.
- Eu te conheço ao menos?
- Meu nome é Jacob e eu sou o seu irmão, eu acho que sim...
Eu fiquei olhando para ele por um tempo, quase pedi para ele repetir. A pessoa que ele lembrava era o meu pai! Não sei quanto tempo passei encarando ele, eu não acreditei mesmo, o que eu lembrava era de um garotinho de 3 anos loiro correndo pela casa, enquanto meus pais o mimavam eu estava na rua brincando com o meu amigo, o Gui. Ele me olhava com a mesma intensidade, olhei de relance para o Marvin que também estava com cara de surpresa.
- Como? – perguntei com a mão ainda no queixo.
- Sou eu, Daros! O teu irmão Jacob, o que foi junto com os pais ingratos para outro país, o que nunca deu notícias, o que não sabia que você existia! O que acabou de perder a mãe! – ele disse e entrou em pranto, eu corri para abraça-lo.
Eram muitas informações para digerir, o primeiro ponto é que ele era mesmo o meu irmão, eu não pensei que algum dia voltaria a ver qualquer pessoa da minha família, eu tinha alguns tios, porém não sabia se eles tinham consciência que eu ainda existia. Segundo pontos é que ele não sabia que tinha um irmão, eu nunca entendi porque meus pais me odiavam tanto, não sabia o porquê de eles esconderem do meu irmão que eu existia. E o terceiro ponto... minha mãe morreu!
De repente eu também já estava chorando enquanto o abraçava, ele soluçava no meu ombro e eu no dele. Ficamos por algum tempo assim, quando nos sentamos no sofá o Marvin estava com dois copos de água com açúcar em mãos.
- Tomem, se não funcionar temos pinga também... – eu sorri para ele limpando as lágrimas, ele era um bom amigo.
- Pinga? – perguntou o meu irmão ainda limpando o rosto.
- Sim, cachaça... Oh shit, é... Bebida alcoólica entende?
- Hahaha entendi... – disse Jacob ainda confuso.
- Como você abre a porta assim para um estranho? – perguntei para o Marvin.
- Aah, não achei que ele tinha cara de ladrão e ele foi tão educado que eu estranhei. Porque não estou acostumado com educação, NÃO É? – ele mandou essa indireta para mim e nós rimos.
- Jacob esse é o Marvin, meu melhor amigo. Marvin, este é meu irmão Jake, isso é realmente estranho... – disse coçando a cabeça, ele sorriu para mim – Eu vou me vestir e já desço.
Eu coloquei uma bermuda jeans e uma regata folgada, depois que eu desci eu comecei a conversar sério com ele, o Marvin havia sentado no outro sofá enquanto conversávamos. Ele me disse que no exterior ele sempre teve tudo de melhor e que conversava mais em inglês do que em português com os nossos pais por isso a dificuldade com o português. Ele me contou que sua infância havia sido boa, que ele nunca teve do que se queixar dos nossos pais, mas eles pareciam sempre preocupados com algo, ele já havia escutado meu nome muitas vezes nas discussões deles. Ele disse que perguntou algumas vezes, mas eles desconversavam.
- É eu existo... Como você descobriu?
- Quando a mamãe morreu... Ela deixou uma carta nas mãos do papai. Ele não teve coragem de me contar e deixou a carta na geladeira... Viajou e não disse para onde, então não faço a menor ideia de onde ele esteja.
- Bem-vindo ao clube, irmãozinho – disse coçando a minha barba e continuei – Como... A mamãe? – disse sem coragem para continuar a pergunta.
- Ela desenvolveu um câncer gástrico... Foi inesperado, pode ter sido por genética ou algo do gênero... Ela também não quis se cuidar, bom, você conheceu a mamãe, orgulhosa sempre, dizia que sairia fácil dessa, mas ela nem tentou... – disse ainda lagrimando um pouco.
- Agora eu tenho você e você me tem, irmãozinho! – disse abraçando-o com um braço.
- Eu não sei muito bem como vai ser minha vida, ele vendeu a nossa casa do Canadá e deixou uma passagem para vir para cá juntou com a carta. Eu não sei como será minha vida aqui, nem tenho onde vou ficar, terminei meu curso esse ano, eu não tenho experiência, não domino o português. I’m fucked up! – disse apoiando a cabeça nas mãos.
- Só avisando que eu entendo inglês e que não vou deixar você falando palavrões por aí, não! E como não sabe onde vai ficar? Essa casa é sua também, somos irmãos! E trabalho você consegue um logo, logo. Enquanto não conseguir eu irei nos sustentar... Era bem solitário viver aqui mesmo.
- Cara, você é o irmão que caiu do céu, literalmente – disse rindo e me abraçando.
Eu fiquei feliz de verdade, ninguém entende como a minha vida foi solitário, quanto eu me cobro e me sinto culpado por tudo que acontece em minha volta. Agora eu seria, de certa forma, obrigado a continuar na empresa, não poderia me dar o luxo de me demitir, tinha meu irmão para cuidar até ele conseguir um salário bom.
Nós pedimos pizza para jantar, estava uma conversa muito legal, ele me contava sobre ele. Ele já estava com 24 anos, havia acabado de se formar em física, tinha uma namorada, mas teve que largar porque não havia outra opção, disse que tentaria que tudo desse certo, se conseguisse voltaria por ela. Eu sentia tristeza nas palavras dele, o que mais poderia esperar? Ele morava no Canadá onde tinha tudo e veio forçadamente para o Brasil por causa de um pai egoísta, eu estaria mais arrasado ainda.
Nós estávamos conversando ainda quando a campainha tocou novamente, eu pedi para o Marvin atender a porta porque eu estava com as mãos sujas por estar comendo pizza com mãos, um ogro.
- Tudo eu nessa casa – disse o Marvin se levantando e indo até a porta.
Rimos dele e continuamos a comer, o Jake dizia que quase não conseguiu encontrar a casa e que o taxista o enganou, eu ria dele quando o Marvin voltou para a sala dizendo que era para mim.
- Claro que é para mim, a casa é minha, senhor Einstein.
- Ingrato! Se sabia que era pra ti por que não foi atender de uma vez?
- Porque eu gosto de ter escravo hahaha. Quem é na porta?
- Começa com Boy e termina com Magia – disse sorrindo.
Eu fui até a cozinha lavei as mãos rapidamente e segui até a porta. O Guilherme estava encostado na porta do carro, ele olhava para o céu com as mãos no bolso, todo lindo com camisa social. Eu fui em direção a ele.
- Boa noite... – eu disse e ele me olhou com cara de raiva, mas ele estava muito fofo, eu segurei o riso.
- Noite... Vamos colocar as cartas na mesa? – disse cruzando os braços, ele estava extremamente sexy.
- Tudo que você quiser... Resolver – eu estava sem jeito, ele estava com um jeitão marrento, eu estava com vontade de agarrá-lo lá mesmo.
- Tu começa? – disse erguendo uma sobrancelha, e que homem era aquele?
- Tudo bem... Eu não quero te tirar da sua família, sinto que toda hora vou estragar a sua felicidade. Eu não quero que você perca tudo o que conquistou. Você tem tudo, eu sou só o diabinho e me sinto mal por isso – ele olhava para os seus pés – Não sei por que você continua vindo, eu não te entendo. Eu te fiz tão mal... – ele me olhou me estudando – Você pode pôr as suas cartas agora.
- Eu também não entendo, eu amo o Thiago, amo a minha família, amo o meu filho, mas eu... Eu também te amo – ele comprimiu os lábios olhando nos meus olhos – Eu vou resolver logo...
- Você já me disse isso, umas cem vezes... – disse entortando a boca.
- Exagerado... – sorriu levemente triste para mim.
- Era apenas isso, Gui?
- Não. – ele disse e fechou um pouco mais o rosto – Queria entender por que toda vez que eu chego aqui esse seu “amigo” – disse fazendo aspas com as mãos – que tem intimidade de saber sua bebida favorita e qual a chave da sua porta principal está seminu. Eu estou com vontade de bater nele, bater em ti, bater em todo mundo – ele estava de novo com cara de raiva.
Eu não consegui segurar o riso, ele virou com muita raiva caminhando até a porta do carro. Antes de ele chegar à porta eu puxei seu corpo contra o meu, ele estava todo colado em mim, eu dei beijos na sua nuca e ele ficava sussurrando para eu parar, eu continuei beijando, até sentir um aperto no meu pau. Uma puta dor! Ele havia apertado com mão cheia. Eu estava me retorcendo encostado no carro enquanto ele dizia algo que eu não conseguia escutar. Minha nossa! Eu estava pagando por todos os meus pecados! Vi que ele entrou no carro e disse que era para ele esperar.
- Vai. Se... – eu botei minha mão na boca dele, tive que me jogar por cima dele, o deitando nos bancos da frente.
- Minha Nossa, nunca mais faz isso... – suspirei enquanto tirava a mão da boca dele – Sério.
- Sai, Daros – disse me empurrando devagar do carro.
- Me escuta, Gui. Ele é meu amigo sim, o lance da chave foi para te fazer ciúmes, ele me contou depois... Eu... Eu posso provar. Vem! – disse estendendo a mão para ele.
Ele analisou, e pegou na minha mão depois de um tempo murmurando que ele queria me bater de novo. Eu o levei até a porta de casa e disse que ele poderia fazer as honras, ele abriu a porta e suspirou olhando para mim com cara de aborrecido. Nós entramos e o Marvin estava conversando com o Jake na sala, quando entramos eles estavam rindo. Eles nos olharam.
- Guilherme, você já conhece meu AMIGO Marvin, agora pode conhecer meu irmão Jake.
- Minha nossa, eu me lembro dele, loirinho assistindo desenho naquele sofá antigo, é um prazer te rever – disse apertando a mão dele.
- Desculpe por não me lembrar de você... – disse o Jake olhando para ele.
- Ele não lembrava nem de mim, não se sinta triste por isso – eu disse para o Gui.
- Como? – perguntou o Gui.
Eu expliquei tudo para ele com a ajuda do Jake, o Marvin fazia alguns comentários engraçados, o Guilherme até riu de alguns, o que foi bom para amenizar o clima entre eles. Não falamos muito do canalha que meu pai havia sido, nem da loucura da minha mãe ter aceitado as condições, o que foi ótimo para mim e para o Jake. Nós conversamos o resto da noite. Certo momento o Jake comete uma gafe.
- Então Guilherme, você faz mágica? – nós três olhamos para ele igual a menina do exorcista.
- Eu? Mágica? De onde tu tirou isso? – perguntou o Gui confuso como todos nós.
- Os meninos... Eles falaram que você era o boy magia.
Ficou silêncio e quando eu e o Marvin trocamos olhares começamos a ri exageradamente alto. O Gui balançou a cabeça e ruborizou com as mãos no rosto, o Jake estava perdido tentando entender ainda. Nós dissemos que explicaríamos depois e ele deu de ombros.
Quando já era por volta das 10 horas o Guilherme caiu na real e pegou seu celular rapidamente. Ele olhou por alguns segundo e levantou dizendo que deveria ir embora, ele falou “tenho que ir, eu tenho que ir, eu tenho que ir” parecia desesperado, mas conseguiu se despedir de todos e eu o acompanhei até o seu carro.
- Desculpa sair quase correndo, tu sabe como é a minha vida... – disse já abrindo a porta do seu carro. Ele se sentou no banco do motorista com as pernas ainda fora do carro, eu me coloquei entre elas.
- Sei... E fico triste por ser o errado, mas parece que esse é meu papel para a vida toda – disse colocando minhas mãos em seu rosto.
- Talvez não... – ele disse e me beijou.
Ele colocou seus braços em volta do meu pescoço e eu o abracei. Depois de alguns poucos minutos ele disse que tinha mesmo que ir e eu deixei. Quando voltei para casa o Marvin ficou me zoando e o Jake continuava sem entender muito bem. Ainda teríamos que conversar mais.
Arrumei o quarto de hospedes junto com o eles, o quarto passaria a ser só do Jake, ele arrumaria do jeito que quisesse com passar dos dias. Ele me agradeceu novamente. Nós nos despedimos do Marvin e ele foi embora. Eu fui me deitar, pois ainda trabalharia.
Quando acordei fui fazer a rotina, banho, roupa, checada. Desci para tomar o meu café da manhã que eu mesmo fazia. Descendo as escadas eu escutei barulho de vozes. Fui caminhando devagar me preparando para abater as pessoas, quando cheguei à sala o Jake estava sentado assistindo televisão. Eu peguei um susto, foi só quando eu me lembrei de tudo que havia acontecido. Ele começou a ri.
- Acordou mesmo, irmão? – perguntou indo até mim e colocando a mão no meu ombro rindo.
- Eu esqueci completamente haha acho que estou velho mesmo... – eu disse enquanto caminhávamos para a cozinha.
- Está jovem ainda... O fuso horário não me deixou dormir quase nada, a vantagem é que eu fiz o café da manhã – disse mostrando a mesa recheada de coisas.
- Pelo visto você andou fazendo muita coisa, obrigado, maninho – disse e passei o braço em seus ombros e baguncei os seus cabelos.
Nós nos sentamos e ele disse que comeria novamente, nós conversamos sobre ele ir atrás de um emprego, ele disse que quanto antes melhor, ele era professor de física. Eu o aconselhei a procurar escolas particulares, dei nomes e endereço de algumas. Após esse assunto acabar eu notei que ele me olhava e desviava o olhar quando eu o olhava.
- O que foi? – perguntei o encarando.
- É... – ele coçava a cabeça – Eu notei ontem, que... Você tem intimidades com aqueles rapazes...
- Sim... – eu disse franzindo o cenho – O que mais?
- Eu fiquei na duvida se você era... Bom, gay.
- Sou – disse e olhei para ele, ficamos nos encarando em silêncio, ele respondeu com um “aah” coçando a cabeça novamente – Era só isso?
- Sim... – disse se recostando na cadeira.
- Ta beleza. Vou trabalhar... – eu me levantei e ele fez sinal de joia para mim e se virou voltando para a sala.
Eu fiquei confuso com essa atitude dele, mas talvez fosse coisa demais para ele digerir. Fui para o trabalho e ocorreu tudo normalmente.
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Oláááá, fofos. Mais uma parte. Eu me enrolei tanto querendo curtir a copa, ficando bêbado com os meus amigos (Cadu ainda estava uma fera comigo) que não continuei escrevendo, só postando os que já estavam escritos há mais de um mês. Então, se eu passar a não postar diariamente, esse é o motivo.
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O novo personagem, Jacob: http://imgur.com/NVsDeSZ
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Obrigado a todos que leem, acompanham, comentam. Acho uma graça os comentários de vocês, não me recordo agora, mas lembro de alguém que comentou sobre o Daros ter um filho e tudo estava igual hahahaha. Concordo, pensei na possibilidade, mas minha nossa, o conto se estenderia mais ainda. Continuaremos e veremos o desenrolar da coisa. Desculpem-me os erros. Até a próxima.
Abraços a todos!