1.957
I
Sentado no sofá-cama rangente,as mãos apoiando o rosto,cotovelos nos joelhos,eu olhava,o peito opresso,imerso em apreensão,a porta que uma hora atrás ele fechou atrás de si,sem bater.
Lentamente o sol de final de tarde ,movia o desenho de invernal sol débil que era o recorte da ampla janela,no chão de taco sem brilho.Apenas uma hora e já era como se fosse muito tempo,como se para sempre."Só alguns dias.Precisam de mim,você sabe",ele me dissera,enchendo a mochila com as roupas em melhor estado."E se forem retê-lo por lá?Confia tanto neles a ponto de desacreditar disso?",eu interpelei-o,mais aflito do que gostaria de parecer."Reinaldo,eles não me enrolam!Acha que ainda sou um moleque de quinze anos?",disparou ele,irritado."É a minha mãe,caramba."Ante esse argumento,me calei.
A gata saltou a janela,pulando direto para o sofá,o pêlo repleto de poeira e ciscos.Esfregou-se em mim mas eu fitava-a sem ver.Pensava naquela tempestade que se abateu sobre nossas vidas há um ano,lançando-nos nessa casinhola da rua quieta,de gente pobre e cansada,de quem eu desconfiava a cada hora,mesmo sem nenhum motivo evidente.
Aquela tormenta,de tão cruel,quase me tirou dele.E quando chegamos a esta rua barrenta,arborizada,num dos muitos lados humildes da capital,eu ainda trazia feridas pelo corpo e o tórax enfaixado.Apesar disso raras vezes senti uma alegria tão grande quando enfim adentrei nesse "dois cômodos" coladinho ao muro duma chácara,tresandando a mofo,trapos sujos,urina de rato e madeira úmida.O sofá empoeirado,enegrecido pelo uso,recebeu meu corpo fatigado assim que entramos.Logo atrás a proprietária-uma quarentona grisalha,rechonchuda,o vestido manchado de óleo e fuligem-comentou com o meu rapaz que eu "não parecia bem".
-Sofreu um acidente,há um mês-respondeu ele,sem pestanejar,reparando ainda em torno da casa sujíssima-Um atropelamento.Mas já está bem melhor.
-Estimo que sare-a mulher me olhou sem interesse-Então são irmãos?A vida na capital não é o paraíso que apregoam lá para o interior.
-Nós sabemos-eu disse respirando fundo,com um pouco de dor.
Afinal ela se foi,arrancando um maravilhoso sorriso da boca dele.Colocou num prego ao canto da porta o suéter preto e veio para o meu lado,sujando a camisa no estofado imundo,me sugando todo o ar num beijo prolongado,lento,generoso
a saliva limpa e fluida dele.Se apartou de mim,escorando a cabeça no espaldar do móvel,ruborizado,mordendo o lábio e fechando os olhos como se sonhasse.
-Finalmente,um pouco de paz para nós-sussurrou.
Era injusto e nem precisaria olhar de muito perto para perceber.Dezoito anos,nós dois,exilados de casa como assass,como canalhas.Deus nunca ouvira nenhuma prece minha,mas talvez a dele...
"Que lhe ouça,Fernando,que lhe ouça".
•
•
•
Bem,depois de vários bon exemplos de contos por aqui,hoje debuto no site com esta singelíssima historia que espero que gostem,é claro.O titulo é nada mais que uma das musicas mais fofas da Legião Urbana(e como tenho problemas com titulos de textos,veio a calhar).Totalmente ficticia a historia,não me imspirei em pessoas vivas ou mortas para isso e achei bacana contar algo de uma época em que a homossexualidade era ainda mais rechaçada do que hoje.Desde já perdoem quaisquer erros(apanhando aqui do corretor),leiam e manifestem suas opiniões sinceras.
-Finalmente,um pouco de paz para
nós-sussurrour perto para perassassinos,como canalhas.Deus não me ouvira