Aproximei-me com vagar e hesitação. Contudo, antes de qualquer coisa, antes que a própria história possa prosseguir, tenho a obrigação de apresentar e caracterizar os amigos do discutível círculo de amizades do Pedro: a Bruna é uma jovem ruiva e rechonchuda, o rosto sempre zangado e com palavrões quase sempre se hospedando em sua boca; a Rafaela é uma amiga mais íntima da Bruna, mas seus hábitos e ações são menos exagerados e demonstra não estar sempre no cio como a amiga; o Gerson é um senhor lá para as bandas dos seus 50 anos, um bom contador de histórias, admito, no entanto sempre com piadas toscas na ponta da língua e detentor de comentários um tanto preconceituosos.
Quando assentei-me ao lado do Pedro, o assunto que estava em vigor eram os dentes caninos dele. A Bruna tirava chacota, comparando-o com um animal. Sinceramente, achei daquela conversa tão imatura e infante que, de imediato, fechei o semblante. O Pedro deu suas gargalhadas estrepitosas e também a alfinetou, dizendo que se os pelos da boceta dela também eram da mesma cor do cabelo. Meu semblante, que já estava fechado, comprimiu-se ainda mais, revelando todo meu asco e desinteresse por aquela conversa. Tosca, por certo sendo a melhor das definições.
– Quando você me comer vai saber a cor.
– Olha que eu como, heim...
– Come nada – a Rafaela logo entremeou-se. – O Pedro é uma bichona.
Fiquei curioso e perguntei a ela:
– Por que tá dizendo isso?
– Uai, porque não é normal um homem dessa idade fazer faculdade de letras. Isso é uma bichona, Felipe.
– Quando eu te comer vai mudar de opinião – o Pedro argumentou.
Como o Pedro, que demonstrou via internet ser um cara culto, maduro e bom de papo, deixava-se render àquela vulgaridade, abarcando tal sordidez e trivialidade? Na boa, tenho a certeza de que tanto o Gerson quanto a Rafaela, sobretudo a Bruna, perceberam minha abnegação concernente àqueles assuntos. O Pedro riu como um palerma. O Gerson teceu algum comentário malicioso com relação ao dito e, decerto, toda a faculdade pôde ouvir o que estava em pauta naquela mesa onde eu estava assentado. Por acinte, mudei de assunto assim que vi que a Bruna segurava um panfleto de uma fábrica de massas mineira.
– Legal o panfleto, Ana – eu disse, publicando no meu rosto um sorriso sincero. – Fiz um período de publicidade e tive que visitar a fábrica da Ramacrisna para fazer um trabalho.
A Ana sorriu e achou bacana a ideia. Já o Gerson...
– Você foi lá só pra comer macarrão?
E tão logo disse, começou a rir como um tolo. O problema é que sua risada arrastou o riso dos demais. Não entendi, embora tentasse compreender, inquirindo um motivo concreto, com algum embasamento, que provocasse aquela graça desmedida. Mas não o encontrei.
– Você é sempre patético assim na sua casa, Gerson? Bom, se é assim aqui com pessoas que não conhece, fico imaginando dentro da sua casa, que é o seu meio natural.
Não sei se eu fiz a ação mais sensata em dar tal resposta. Lembro que o Pedro cutucou-me, simbolizando que eu não devia ter dito isso. A Bruna e a Rafaela se entreolharam e o Gerson, é claro, ficou desconcertado. Todavia foda-se a prudência, não preciso dela. Estando certo ou não, não me arrependo do que fiz. Levantei e imediatamente fui para a sala de aula, mas em passos lentos para não demonstrar o mínimo de aborrecimento, dando as costas àquele grupinho que eu passaria a evitar.
Na sala de metodologia do trabalho científico também regia a balbúrdia. Como eu já disse em um capítulo anterior, tínhamos aquela matéria em comum com a turma de administração. Saco. A pior turma da faculdade! Mas alguns amigos meus, que estudam em outras instituições, inclusive o Guilherme, já me asseguraram que este curso é apinhado de pessoas quase sempre com o mesmo perfil, aparentemente interessadas nesta pândega ruidosa que se transmuta a aula. Enfim, sinto condolência, uma vez que se essas figuras soubessem como está o mercado de trabalho para quem forma em administração....
Com o transcorrer da aula recebemos um trabalho, o qual fiz parceria com a Sara. Ela é uma mulher formidável, fugindo da caricatura do desinteresse que era minha turma. Corretora de vendas, formada em psicologia e com conhecimentos adquiridos em um curso que fizera sobre história da arte, não demorou para que nos tornássemos o mais próximo de amigos. Por intermédio dela conheci a Regina e não demorou para que eu também conhecesse o Renato. Não digo que eles são meus amigos, dado que sobrelevo a amizade como algo além de afinidades e regada a boas conversas. Amizade, por sem dúvidas, é algo muito mais do que isso. De qualquer forma isto é uma opinião minha, manifestada por mim, o que não veio a impedir que eu também gostasse, de verdade, dos meus novos colegas.
(Foi por consequência da Sara que adquiri o interesse em psicologia e comecei a ler as obras do Freud para tentar entender mais acerca do realismo/modernismo e, por conseguinte, a mente humana.)
Após o intervalo seria aula de francês. E assim que a aula de francês terminou, encontrei-me com a Fernanda, a qual também já informei em um capítulo anterior que volto em sua companhia para casa. Moramos relativamente pertos, portanto a mesma, ao saber da proximidade do meu bairro, perguntou se eu não gostaria de voltar com ela em troca do dinheiro que eu gastava com a passagem de ônibus. Aceitei sem pestanejar, obviamente; seria loucura não aceitar, tendo em vista que estudava no período da noite e chegar em casa mais cedo é uma ideia mais aprazível do que um ônibus lotado.
Em casa, conversei com o Matheus sobre os nossos dias e blá, blá, blá. Ele, como sempre, reclamou do trabalho e da sua encarregada, que em sua não tão humilde opinião era a pior mulher do mundo. Ele disse que não aguentava mais trabalhar e que não via a hora de ser mandado em bora para que recebesse um bom acerto. Sempre quando ele adentra nesse assunto eu coloco algumas imposições, na maioria das vezes interligadas ao fato de que se ele for mandado em bora não haverá garantia de conseguir um emprego melhor, e também que se ele resolvesse voltar a estudar os seus suplícios findariam. Felizmente, naquela noite consegui fazer germinar na cabeça do meu namorado o projeto de procurar um supletivo e terminar o ensino médio para que, no final do ano, procurasse por um curso técnico.
Eu, por minha vez, contei a respeito do meu dia na faculdade, não deixando de relatar o ocorrido entre eu e o Gerson. O Matheus, sempre sensato, disse que eu não devia ter feito isso e que não era uma boa ideia criar inimizades em um ambiente que ficaria por, pelo menos, quatro anos. Não concedi tamanha atenção, logo mudando de assunto e culpando a falta de sexo frequente que havia entre nós. A bem da verdade é que eu precisava transar, mas não apenas transar, fazer sexo com amor. O safado riu, começou as putarias e me propôs irmos em um motel no dia seguinte, tão logo terminada minha faculdade. Aceitei de súbito, fechando a noite com o romantismo de uma punheta gostosa por telefone.
E no outro dia, logo pela manhã, acesso meu perfil do Facebook e, repentinamente, a caixa de mensagem alerta, indicando que o Pedro me dava um “oi” seguido por um “bom dia”. Ficamos vagueando assuntos até que ele me perguntou o porquê daquela minha atitude agressiva. Desviei do foco na tentativa de esquecer do ocorrido, mas com o intuito de também esquadrinhá-lo e conhecer o quebra-cabeças que ele era.
– Pedro, por que perto dos seus amigos você fica um idiota?
– Como assim, Lipe?
– Não fuja do assunto. E não me chame de Lipe – cortei do seu alcance uma desnecessária intimidade.
– Certo, Felipe. Mas ainda não estou entendendo o que você quer dizer.
– É fácil! A menos que você tenha perca de memória recente – o cortei novamente –, é só se lembrar da sua compostura e modo como age quando está reunido com seus amigos.
– Pera, você está dando piti atoa...
– Não estou dando piti. Você não me conhece, cara. Você é um babaca.
– Não acho que eu seja um babaca, mas adoraria te conhecer melhor.
E foi a vez dele me cortar e me deixar levemente, estou dizendo levemente, sem reação. Todavia um leve suspirar não seria capaz de acalmar o conceito de um idiota que eu tinha para com ele.
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Hei, galeria bonita! Agradeço encarecidamente a todos aqueles que estão acompanhando e comentando. Sério, a parte que eu mais gosto são os comentários, fico feliz d+++, porque é por razão deles que eu sei que estão gostando e que eu não estou desperdiçando meu tempo. Bom, para aqueles que leem e não comentam por pura preguiça, fica a dica: vou pegar vocês na saída tá, fiquem espertos!
Ps: Não sei quando posto a próxima parte. Até mais ver!