Olá, leitores e escritores do CdC!
Primeiro, apenas um comentário meu dos comentários de vocês: algumas pessoas eventualmente acertam o que ocorrerá no meu enredo, mas quero que saibam, desde já, que nada na minha história muda baseado nos comentários dos leitores (salvo exceções especiais). Não que eu desvalorize a opinião de vocês, mas sim porque se eu mudar o percurso da minha história, que já tem um esqueleto montado, eu vou me perder e, eventualmente, chegar a um beco sem saída, o que culmina numa história abandonada. Felizmente, o fim já está decidido, então espero que gostem mesmo se não ocorrer aquilo que vocês esperam que aconteça.
Cintiacenteno, realmente, o Hector tem uma ligação muito peculiar com Victor, e chegamos finalmente a um ponto onde essa ligação tem seu clímax! Espero que goste!
Irish, tudo é possível! Vou tentar causar o máximo de espanto em vocês, e espero que eu não tropece belamente e quebre minha cara no chão nessa tentativa, hahaha!
FabioStatz, muito obrigado, fico feliz que pense dessa maneira.
Obrigado pelo voto e comentário, menina7.
Chele, espero causar mais disso em você. Obrigado pelo voto e comentário.
Ru/Ruanito, obrigado pelo comentário e pelo voto.
Henrique, por mais que eu fique feliz por você se envolver tanto, fico triste que esteja triste. Mas olha, melhor acabar de forma plausível do que não acabar ou acabar de forma improvisada, não é?
Espero que gostem tanto desse capítulo quanto eu gostei, boa leitura!
Contato: contistacronico@hotmail.com
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<VACINA>
DOIS DIAS DEPOIS (NOITE DE QUARTA FEIRA)
Eu e Eduardo nos sentamos em duas poltronas na sala do cinema. O filme começaria em cinco minutos. Eduardo havia me convidado para irmos a um cinema com programação mais cult. Eu não conhecia aquele filme, nem o diretor, nem os atores, mas Eduardo jurava que era bom e gostaria que eu o visse com ele.
_Quer dizer que o Hector “realmente” vai aonde você vai... – disse Eduardo parecendo um pouco decepcionado.
Olhei para trás, lá estava Hector, três fileiras atrás da nossa. Eduardo e eu saíamos pela primeira vez, e pelo jeito, ele havia achado que o negócio com o Hector não era tão sério.
_Não precisa se sentir incomodado. – eu disse dando um tapinha reconfortante no braço de Eduardo – Eu e Hector sempre fomos assim. Eu até me sinto... sei lá... incompleto se ele não estiver por perto.
_Uau, era para isso ser reconfortante? – disse Eduardo com um tom sarcástico.
Eu ri.
_No fim das contas, eu sou quase como você, Eduardo. Tenho poucos amigos, não me relaciono com facilidade, talvez por razões diferentes das suas. O fato é que Eduardo é meu maior e melhor amigo. Mais do que isso... um irmão. – eu disse olhando para o telão vazio.
Eduardo olhou-me em silêncio, parecendo observar atentamente a minha forma de falar de Hector. Ele passou um braço em volta dos meus ombros, aproximando nossos corpos. Ele deu um leve beijo na minha bochecha enquanto eu olhava ainda para frente. Virei meu rosto para ele e vi um sorriso lindo.
_Mas você quebrou a minha barreira – ele disse e deu-me um beijo lento e carinhoso – então eu posso tentar quebrar a sua.
Ele me deu um selinho em seguida. Encarei-o com um sorriso misturado com estranheza. Pensei em qual barreira minha ele se referia. Eu ia perguntar, mas as luzes se apagaram.
_O filme vai começar. – disse Eduardo intrigado.
Apenas esqueci tudo e foquei no momento.
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Estávamos eu e Eduardo dentro de seu carro voltando para casa. Percebi ele olhando para o retrovisor enquanto segurava o volante com as duas mãos. Dei um sorriso ao perceber o quanto ele dirigia de forma diferente da de Hector. Meu segurança era um total desleixado ao dirigir, mas o fazia com maestria que apenas um profissional poderia ter.
_Se fosse outra situação, eu estaria com medo. – disse Eduardo.
Olhei para o retrovisor, eu via o Mercedes de Hector atrás de nós. Dei um risinho.
_O Hector pode ser meu irmão, mas esse é o trabalho dele.
Eduardo encostou o carro em frente ao meu prédio e desligou-o. Virou-se para mim.
_Então eu quero você, mas o Hector vem de brinde? – ele perguntou com um sorriso debochado.
_Você não precisa fazer “isso” com ele... – eu disse investindo contra ele e dando-lhe um beijo quente.
Ficamos um minuto ali, com nossas línguas acariciando-se. Ao separarmos nossos lábios, Eduardo olhou para mim com um sorriso divertido.
_Ah, não se preocupe, “isso” você sozinho já faz muito bem.
Eu dei uma risada.
_Eu vou subir, então. – dando um último selinho e dirigindo minha mão à porta do carro.
Eduardo repentinamente segurou minha mão e disse:
_Vic, desculpe por parecer ciumento ou sei lá... Eu nem sei porque eu tô me comportando assim. – seu rosto mostrava uma certa dificuldade para dizer aquilo que queria, um certo constrangimento – Você me derrubou completamente, Vic. Eu não sei o que você fez, mas se o objetivo era me amarrar, você conseguiu.
Eu corei um pouco e me lembrei do primeiro dia que falei com Eduardo. Não fazia tanto tempo. Lembrei de ter achado que Eduardo era uma pessoa impossível de se conquistar. Eu via aquilo em seu rosto. Eu via sua distância de tudo. Pensar naquilo e ver o momento atual era triunfante. Eu pensava no que ele poderia gostar em mim ao ponto de passar por cima das suas convicções.
_Admito que, quando eu te conheci, não imaginei que chegaríamos à forma como estamos agora. – eu disse, também apresentando constrangimento (incrível como falar dos seus pensamentos é constrangedor, não?) – Eu quero você, Eduardo, não se preocupe com outra coisa.
Ele aproximou-se de mim e me abraçou com força. Sentia sua barba roçar na minha bochecha. Sua boca estava próxima do meu ouvido.
_Eu quero você... exclusivamente. – ele disse baixinho.
Naquele momento, percebi que eu estava realmente apaixonado. Tendo Eduardo para mim daquela maneira fazia com que minha guarda baixasse, minhas habilidades fossem embora, meu pensamento focasse somente em nós dois. Uma negligência perigosa, mas inevitável. Toda aquela fraqueza foi resumida em uma só frase:
_E você terá. – eu disse sentindo o calor do seu abraço.
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APROXIMADAMENTE UMA SEMANA DEPOIS (QUINTA-FEIRA)
A semana de provas se foi com uma rapidez estrondosa, o que eu atribuía ao fato de aquela ter sido uma semana cheia de acontecimentos peculiares. Leonardo hospitalizado por ter me defendido, o primeiro beijo com Eduardo e nossos momentos juntos. As provas foram fáceis, como era esperado. Aline havia voltado ao seu estado normal (não tão descabelada, destrambelhada, desesperada e outros “des”), e claro que ela já sabia do meu novo relacionamento com Eduardo.
Quanto ao Eduardo, nós estávamos indo bem. Havíamos ido ao cinema na quarta, comemos em um restaurante italiano na sexta, ele havia ido ao meu apartamento para assistirmos filme e até jogamos vídeo game. Hector, obviamente, sempre estava onde estávamos, menos no caso das visitas de Eduardo ao apartamento, nas quais Hector ficava em seu quarto para nos dar certa privacidade. Não, eu e Eduardo não havíamos feito sexo ainda. Aquilo era novidade para mim: uma relação que não começava com uma transa. Visto que minha relação com Oliver sempre foi, de certa forma, superficial, e minha relação com Gustavo nem sequer durou uma semana, era lógico da minha parte esperar algo duradouro com Eduardo. Quando eu pensava nisso, porém, eu me via como uma garota adolescente apaixonada e insensata.
A questão com André Platto não foi resolvida, mas minha fúria foi anestesiada pela presença cada vez mais frequente de Eduardo na minha vida. O fato de eu não ter visto André desde a minha conversa com Leonardo no hospital também ajudou a enfraquecer minha determinação de arrancar com as mãos o coração daquele homofóbico nojento.
Era uma quinta feira e eu, Hector e Aline saímos de uma aula prática de anatomia às cinco da tarde. Saímos do laboratório para uma das passarelas que conectavam os vários prédios do campus da ESOM. Em volta, muitas árvores graciosamente podadas davam ao campus um ar natural e agradável, junto com a grama verdejante que mais parecia um lençol verde ondulante. Normalmente havia vários alunos deitados e sentados nos campos gramados, mas nuvens pesadas estavam visíveis no céu.
_Droga, agora eu tenho que correr pro pensionato, ou eu vou pegar chuva. – disse Aline.
_Se quiser, eu e o Hector podemos te levar. – eu disse.
_Pode deixar, Vic. Você não ia encontrar o Eduardo hoje?
_Ele devia estar aqui... – eu comecei a dizer até sentir um abraço por trás e um beijo na lateral do meu pescoço junto com o roçar da barba que eu bem conhecia – Ah, encontrei.
_E aí, pessoal. – disse um sorridente Eduardo abraçado a mim por trás.
_Nossa, vocês são tão bonitinhos juntos. – disse uma admirada Aline – Seus olhos combinam...
Virei minha cabeça para o lado, e encontrei os olhos cor de mel de Eduardo. Contrastavam bem com os meus olhos cinzentos. Eduardo deu-me um selinho. Percebi que poderíamos estar parecendo dois apaixonados extremos. Olhei ao redor, alguns colegas da minha turma de medicina olhavam para nós com estranheza. O pessoal da medicina sempre foi o mais conservador. Não aceitavam tão facilmente as diferenças.
_O namoradinho do Voldi... – disse uma voz máscula atrás de nós.
A voz era de André Platto, que andava pela passarela junto com seus dois amigos também homofóbicos, provavelmente estavam vindo do prédio da medicina, que ficava ao lado do laboratório de anatomia. Notei que Rafael não estava com eles, ou seja, havia ficado ao lado de Leonardo. Ele tinha um sorrisinho perigoso nos lábios. Eu, Aline, Hector e Eduardo o encaramos enquanto ele passava por nós. André olhou fixamente para Eduardo, e o que eu vi em seu rosto foi pura ameaça. Meu estômago se revirou.
É claro, como eu podia ter negligenciado aquele fato tão óbvio. André me odiava, e odiaria qualquer pessoa que estivesse ao meu lado. Hector estava a salvo porque... bom... era o Hector. André provavelmente não bateria em Aline. Leonardo foi espancado só por ter contrariado André ao meu favor. E Eduardo... ele não tinha um Hector, como eu, ou seja...
Ele seria o próximo.
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Expliquei a situação para Eduardo, mas ele não parecia preocupado. Que droga, homens sempre tentam parecer fortes, nunca mostram abalos, e aquilo estava me irritando. Com muita insistência, consegui fazer Eduardo aceitar que eu e Hector o acompanhássemos com nosso carro até seu apartamento. Eduardo tinha seu próprio carro, mas ele corria risco ainda assim. Eu não podia deixar nada acontecer com ele. Eu não aguentaria o peso sabendo que era minha culpa.
Do prédio de Eduardo, seguimos para o nosso apartamento. Passei pela porta de entrada para o corredor com passos pesados e rápidos. Hector seguia-me com calma. Fui direto para a cozinha e peguei uma barra de chocolate branco na geladeira. Comi enquanto eu andava de um lado para o outro. Hector escorou-se no balcão da cozinha com os braços cruzados e ficou me observando por um momento.
Na minha mente, eu pensava em como driblar aquela situação. Havia tantas coisas que eu gostaria de fazer com André que eu nem conseguia raciocinar direito. Eu colocava pedaços do chocolate furiosamente na boca e os mastigava rapidamente.
_Victor... – disse Hector com um tom neutro.
_Agora não, Hector. – eu disse sem parar ou olhar para ele.
_Eu sei que você está planejando muitas coisas agora, mas você precisa ser sensato.
_Eu vou fazer de maneira sensata. – eu disse rapidamente sem querer perder minha linha de raciocínio.
_Você não vai fazer nada. Eu não posso deixar você se colocar em uma situação perigosa assim. Pelo seu pai...
Estaquei nesse momento e encarei Hector. Interrompi a construção da sua frase:
_Meu pai não tem nada a ver com isso. Ele mesmo diz que eu tenho que resolver meus próprios problemas, e é isso que eu estou tentando fazer! – eu disse quase perdendo o controle da voz.
Hector esperou um instante e continuou:
_...e por mim.
Olhei em seus olhos. Eu podia quase sentir sua preocupação. Hector era muito mais do que eu merecia. Desde que Eduardo apareceu, minhas características usuais haviam entrado em desequilíbrio, e a única coisa que poderia me segurar era Hector. Eu estava mais emocional, mais subjetivo, mais confuso. Tanto é que senti aquele ardor na face que precede o choro. Senti meus olhos marejarem. Minha expressão mostrava que eu estava perdido, sem saber o que fazer. O meu tom de voz também, ao dizer:
_Não posso deixar o André machucar o Eduardo, Hector...
Hector permaneceu em silêncio, encarando-me. Eu tentava ao máximo reprimir meus sentimentos, não deixar eles transbordarem. Eu percebia um certo medo em Hector. Ele estava assustado com o meu comportamento. De fato, nem mesmo eu entendia aquilo.
_Você só precisa mandar, Victor. – ele disse com uma calma mortal.
Continuávamos com os olhos em contato. Eu compreendia tudo, e ele me compreendia. Mas Hector não aceitaria apenas uma afirmação com o olhar. Ele queria palavras. Ele queria que eu estivesse determinado. Só assim ele teria certeza daquilo que deveria fazer. Eu tinha outra escolha? Talvez, se eu pensasse bastante, eu acharia uma solução. Mas eu precisaria de tempo. Um tempo que eu não tinha.
_Então resolva, Hector. – eu ordenei, com um tom apático.
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A chuva começou a cair por volta das 10 da noite. Conseguir achar o sono naquela noite foi sofrido. Possibilidades futuras em que Eduardo era ferido por André apareciam na minha cabeça, e pareciam dançar pelo meu quarto. Relâmpagos surgiam, iluminando meu quarto com uma luminosidade que passava pelas frestas da cortina. No meu crido mudo, havia duas fotos, uma minha e de Hector, sentados com as costas apoiadas numa árvore na mansão, e outra comigo, Hector, meu pai e minha falecida mãe, todos nós de pé, na ocasião da minha festa de doze anos. Aquela luminosidade me permitia ver aquelas imagens como espectros.
Mergulhei num sono tortuoso com o som das gotas de chuva batendo na minha janela. Tive sonhos dos quais não conseguiria me lembrar depois. Daqueles que parecem borrões depois que você acorda. O meu pedido a Hector me atormentou até o momento em que caí no sono.
Abri os olhos, assustado, após um trovão extremamente alto fazer meu quarto tremer. O som foi se esvaindo aos poucos, mas ainda assim poderoso. Esfreguei os olhos e olhei para meu relógio digital no criado mudo: 2:34 da madrugada. Tentei fechar meus olhos para voltar a dormir, mas não conseguia. Os pensamentos voltaram a me atormentar.
Resolvi levantar e comer alguma coisa. Saí do quarto silenciosamente para não acordar Hector. A porta do seu quarto estava fechada. Cheguei à cozinha e acendi a luz. Abri a geladeira e pensei numa coisa que pudesse trazer meu sono de volta. Algo quente. Peguei a caixa de leite, chocolate em pó solúvel, leite condensado e amido de milho. Abri o armário para pegar uma panela, mas ouvi a porta de entrada se abrir. Em uma ação automática, procurei algo para usar como arma. Fui ao porta-facas e peguei uma delas, uma grande e bem amolada. Ouvi passos lentos e molhados no corredor de entrada.
Era Hector. Ele estava completamente encharcado. Seus cabelos negros e curtos gotejavam e os fios molhados e bagunçados caíam sobre sua testa. Ele usava um moletom preto, calças pretas e tênis pretos. Ele estava pálido, supus que era por causa do frio e da água em seu corpo. Seus olhos pareciam estranhamente perturbados. Mas suas mãos... quando eu as vi eu suspirei. Havia marcas nas costas das mãos, no começo dos dedos, a parte com que se dá um soco. Havia sangue seco e hematomas nessa área. Larguei a faca e corri até ele.
_Hector, o quê aconteceu? – eu disse segurando em seu moletom.
Ele não respondeu, apenas olhou para mim com aqueles olhos perdidos. Sua boca estava entreaberta, como se alguma coisa deveria ser dita, mas nada conseguia sair. Ele tremia muito.
_Tire essas roupas, Hector, você precisa de um banho quente!
Eu abaixei o zíper do seu moletom para tirá-lo, mas quando abri o moletom, vi a camiseta branca que Hector usava por baixo. Bom... deveria ser branca. Havia algumas manchas de sangue na região do peitoral e do abdome.
_Hector! – eu quase gritei – Você está ferido!?
Levantei sua camiseta, mas não havia ferimento nenhum em seu peito ou em seu abdome. Hector estava parado, com os braços pendendo ao lado do corpo. Olhei em seus olhos. Eu estava desesperado. Ele estava perdido... Segurei fortemente na gola da camiseta de Hector, como numa súplica.
_Hector... – eu comecei a dizer – De quem é esse sangue?
Hector continuou olhando para mim. Seus braços se moveram, uma de suas mãos foi para a parte de trás da minha cabeça e a outra foi para as minhas costas. Ele me puxou para um abraço contra seu corpo frio. Eu já não sabia o que fazer, então fiquei parado. Ele me puxou de modo que minha cabeça ficasse encostada de lado em seu peito, com minha orelha bem na região do seu coração. No aperto de suas mãos nas minhas costas e na minha nuca, eu sentia desolação completa. O único som que eu ouvia era o das gotas de água caindo no chão e o das batidas lentas do coração de Hector.
_Está resolvido. – ele disse com uma voz que parecia o próprio silêncio.
<Continua>