Era insignificante qualquer palavra a ser usada para descrever o que sentia com a perda do meu pai. Eu apenas tinha seis anos. Lembro-me de como minha mãe havia explicado para mim o que se passara com papai. Após 5 dias sem meu pai retornar para casa, fui até minha mãe, e lhe perguntei onde estava papai e porque ele ainda não tinha voltado para casa. Então tive uma das respostas mais difíceis de ouvir de toda minha vida.
Ela chegou mais perto de mim, ainda sentada no sofá, colocou suas mãos em meus ombros, olhou no fundo daqueles meus olhos de interrogação e de uma criança que ainda não sabia as dores da vida, e me falou entre lágrimas que percorriam seu rosto, que meu pai tinha ido há um lugar muito bonito e distante de nós e que papai do céu iria precisar muito dele, que naquele momento virou um anjo e não poderia mais voltar para casa. Depois de ouvir minha mãe, e prestar atenção em suas palavras, lhe abracei e então disse à ela que ficaria tudo bem. Que eu sabia que meu pai tinha ido realmente para o céu, porque ele havia morrido. Naquela idade não me doeu dizer aquelas palavras à ela, pois de fato eu era apenas uma criança.
Os nove anos que seguiram, principalmente os sete primeiros, foram os mais difíceis de aceitar o fato de que perdera papai tão cedo, tão novo. Os dois seguintes anos, comecei a aceitar o fato que a vida continuara, e minha mãe como sempre fizera, dava-me todo o apoio que precisei para seguir em frente. Desde o falecimento do meu pai, por um infarto fulminante no trabalho, minha mãe nunca deixará me faltar nada, nem escola, nem comida, roupas, lazeres, nada. A admirava por tudo que ela tinha passado comigo, as idas ao psicólogo, as brigas no colégio, e o começo do meu declínio quando me iniciei ao mundo do álcool aos onze anos. Minha mãe era uma heroína. Uma vitoriosa.
Na época que consegui me reerguer estava prestes a completar dezesseis anos, não queria festa, nada do tipo. Queria apenas fazer o que costumava para distrair-me e ver o tempo passar. Naquela tarde de primavera, descendo a rua que me dava a visão mais completa do mar, pude ver o pôr do sol cobrindo o céu com o tom de alaranjado. Bem ali, naquele exato momento, será um dos a guardar em vida. Contemplando tal momento fiz o meu pedido de aniversário. Meu pedido de decima sexta primavera.
A vida seguia mais estonteante para mim. Por algum motivo após completar meus dezesseis anos, me sentia mais viva, acolhida, com quase ou nenhum medo ou receio pela vida, pelo simples fato de viver. Era como se tivera nascido a partir daquele dia. Eram sentimentos novos, que me faziam bem, era como se ... Exatamente. Vivi aqueles sentimentos todos nos seis primeiros anos da minha vida e os deixara cair ao longo do caminho.
Alguns dias depois peguei da garagem a minha segunda maior paixão que me acompanhara nesses anos turbulento, a minha bicicleta. Era um daqueles momentos em que descrevera como, liberdade. Somente e nada mais. A sensação que me era proporcionada nada e nem ninguém jamais havia me proporcionado.
17:28hr. Olhei para o relógio antes de sair de casa. Desci a ladeira como sempre fazia, à frente o sinal da rua Coroação que permitia a passagem de pedestre e ciclistas, como eu. Foi quando me passou um filme em questões de segundos, daqueles momentos que eu guardei ao longo da vida. Tudo isso olhando o carro que desobedecera seu respectivo sinal, e me atingira no cruzamento com a rua Carolina.
17:33hr. Foram necessários apenas cinco minutos, para que minha mãe perdesse mais uma parte de si. Como era duro o fato de deixar ela sozinha. Em menos de dez anos sofrer mais uma grande perda. O fato de simplesmente não ter passado por aquela vida, uma vez que dizem que quem não amou não viveu. Porque meu pai? Porque depois eu? Porque deixar minha mãe só? Me interrogava, no meu subconsciente, naquele mar de escuridão.
No mês de março, haverá uma tradição de confraternização, envolvendo alunos do Excelentíssimo Colégio Fazzolo, fundado por italianos desdeOs alunos confraternizavam a volta as aulas que se iniciara. Antes do encerramento alguns alunos marcaram de se encontrarem nas docas. Como combinado, um grupo composto por rapazes e moças, a maioria casais, mas nem todos.
Era para ser um passeio tranquilo, leve, assim como eu me sentia, até avistar meu futuro, em dois jovens que vinha num carro de cor escura pela rua Carolina. Era inevitável aquele acidente.
Senti algo me abraçando naquele momento em que devaneava em meu subconsciente. Acreditava que podia ser uma pessoa, mas quando na verdade não era ninguém. Não era real. Os mesmos supostos braços que me envolviam, me deram forças para abrir meus olhos mais uma vez. Pude ver que o carro igualmente colidira com um pilar de proteção de concreto. E novamente aquelas mãos e braços milagrosos me ergueram, pondo-me em pé. Consegui caminhar até o carro, quando observei que o rapaz não sobreviveu, visto que seu cinto não estava posto. A menina que lhe acompanhara, repousava sua cabeça no ombro, com vários ferimentos pelo rosto e corpo. Com a única força que me restava gritei por ajuda o mais alto que pude. Quando desmaiei, assim que ouvi o barulho das sirenes.
Qualquer medico estranharia o fato deu ter sobrevivido, ainda mas, com apenas um braço fraturado e uns cortes leves. Mas eu não estranhei. Ao acordar naquela cama de hospital, pude ver o rosto de preocupação e alivio simultaneamente de mamãe. Quando lhe sorri, e ela sorriu de volta me abraçando e fazendo carinho no meu cabelo, como sempre fizera. Assim que minha mãe voltou para casa quando escureceu, pude parar e processar todos aqueles momentos, quando subitamente uma lembrança atravessou todas aquelas memorias para aquele exato momento em que estivera estirada ao chão. Não foi uma pessoa que me abraçou. Foi um anjo que tinha descido à terra dez anos depois de ir para o céu. Foi o meu pedido que fizera descendo aquela ladeira completando meus dezesseis anos. Era meu pai. Mais um momento, mais um motivo para se viver a vida acreditando que aqueles que amamos, jamais vão nos abandonar. Eu sorria comigo mesma, olhando àquele céu cheio de pontinhos brilhantes e povoado por anjos.
Passados três dias após aquela fatalidade, meu deram alta do hospital, só que antes de sair perguntara a enfermeira sobre a menina que estava no carro que me contestou com a cabeça balançando de maneira negativa. Sua resposta atravessou meu coração que me retornou para aqueles sentimentos de quando havia perdido meu pai. Não pelo fato de conhece-la, mas pelos outros que a conheciam e amavam assim como amei e amo meu pai. Tão nova, tão bela, ir de uma maneira tão fugaz, sem sentido. E eu, que estava numa bicicleta e sobrevivi, como me sentia? Feliz, mas triste, com remorso, mas sem culpa, tranquila, mas com raiva, agradecida, mas inconformada. Era assim que eu estava.
Na decima sexta noite após o acidente, consegui ter uma noite de sono amena e tranquila, como se nada daquilo tivesse acontecido. Adormeci. Algumas horas se passaram e senti alguém repousar sobre meu corpo, era Sophia, que virara anjo. Ela ainda continuava com aquele olhar que brilhavam igual duas esmeraldas, seus cabelos lisos e levemente ondulados num tom quase em ruivo. Não era o fato dela ter virado anjo que me impediam de sentir sua pele tocarem minhas costas, podia descreva-la como ao toque de veludo, macio e suave. Fiquei com medo de abrir meus olhos e ela desaparecer, portanto me mantive do jeito que estava. Acordei, sentindo-me bem, aliás, ótima para quem passou por tudo aquilo. E novamente recomecei.
A vida seguia normalmente, exceto por eu todas as noites ter um encontro marcado com Sophia. Fomos progredindo ao longo do tempo. Ela já amanhecia comigo, depois passou a me acompanhar nos sonos que tirava no parque ao lado da minha bicicleta nova. Durante a noite, ela me fazia sorrir com cosquinhas, afagava meus cabelos, o único que ela não conseguia era falar e eu não poder tocá-la. Eu a sentia, mas ela não me sentia. Foi quando tomei a decisão de saber mais sobre ela.
Na manhã seguinte, era um sábado. Coloquei uma roupa, tirei minha bicicleta da garagem e fui até sua casa. Sabia em qual bairro e rua ela morava, mas não sabia o número, então saí a procurar. Logo achei sua casa de número dezesseis. Toquei a campainha e uma senhora que aparentava uns quarenta e poucos anos, abriu a porta, falou o meu nome, e pediu que entrasse. Conversamos muito, mas não toquei no assunto de Sophia estar me visitando todos os dias. Ao longo da conversa uma jovem muito parecida com Sophia desce as escadas. Deduzi que fosse sua irmã, que logo se apresentara como Aurora, um ano mais nova que eu. Após uma conversa à três. Aurora me convidou para ir ao seu quarto, aceitei. Entrando no seu quarto no segundo andar da casa, sentei em sua cama e ela numa cadeira de frente para mim. Em seguida pedi que se pudera me mostrasse fotos e vídeos de Sophia. Ela então pegou o notebook em cima da cama e sentou-se ao meu lado com o aparelho no colo. Vi várias fotos de Sophia com os amigos e familiares, e inúmeros vídeos. Assim pude ouvir pela primeira vez como sua voz era tão bela e notória. Após algumas horas naquela casa, saí de lá, sabendo e conhecendo com quem eu dormira todas as noites.
Logo mais, naquela mesma noite, tive mais um encontro com Sophia em minha cama, nossa cama. Fizemos como todas as noites anteriores, ela fazia carinho em mim, eu falava com ela, mas sempre que tentava ouvi-la ou toca-la, era inútil a tentativa. Por vez apesar de saber que era inútil, lhe desejei uma boa noite, após nosso encontro e em troca ouvi um “lhe acordo pela manhã”. Não acreditei o que ocorrera, aquilo era música para os meus ouvidos. Ouvir sua voz, era tão bom quando ao momento em que descobri que também podia toca-la.
Amanheci, ainda mais feliz que os outros dias, e assim foram se seguindo os encontros com Sophia. Fora isso, cuidava da irmã menor dela no colégio. Observava com quem ela saia, quem eram seus amigos. Nada do que sua irmã mais velha não tenha me pedido. No começo de Maio já no verão, uma noite quente quase insuportável ia sucedendo. Não aguentando mais de calor tirei minha camisa e ficara somente de bermuda. Não demorou muito para Sophia me encontrar naquela situação. Os carinhos começaram os mesmos, mas meu coração de uns pra trás começaram a bater mais rápido com as vindas dela, eu começava a suar, a ficar com uma certa ansiedade. E naquela noite não foi diferente. Além do calor, ela fazia meu sangue ferver dentro de mim deitada em minhas costas, com aquele seu corpo nu. Virei para ela e lhe abracei. Pus tudo a perder abrindo meus olhos naquele dia, até então, nunca os havia abertos. Foi quando petrifiquei ao olhar aquele par de esmeraldas me fitando, Sophia não era somente bonita em fotos ou vídeos, mas pessoalmente também.
Antigo perfil: http://www.casadoscontos.com.br/perfil/162211