O Casarão - Parte 24 (Conclusão)

Um conto erótico de Whirled
Categoria: Homossexual
Contém 4907 palavras
Data: 19/08/2014 10:32:22
Assuntos: Amor, Gay, Homossexual, Sexo

Era curioso pensar essa situação. Há algum tempo, Pedro não estranharia essa reação do pai, ou até mesmo esperasse menos compreensão e mais acusações. Mas talvez, de fato, fosse pior receber um abraço solidário, mas que contrariasse a dignidade do abraçado. Afinal, não era uma demonstração de carinho que trazia conforto. Pedro se sentiu um pouco nauseado naquele instante e torcia para que os segundos passassem e seu pai finalmente o largasse. Quando isso aconteceu, Pedro continuou de cabeça baixa e com um semblante de tristeza muito perceptível. Ele sem dúvida havia se transformado em outra pessoa, pois quase nunca antes poderiam ser percebidas as mudanças de humor em sua face. Já Silveira ainda se desmanchava em lágrimas e culpa. O pobre pai levou a mão ao rosto e suas lágrimas irritavam bastante o filho. Quando Silveira finalmente encarou Pedro, o viu desolado, o que fez cessar seu choro imediatamente.

- Por que essa cara, Pedro?

- Não... nada...

Silveira não entendia aquela tristeza, pois era claramente diferente de qualquer sentimento próprio para aquele momento. Ele então parou de se preocupar com suas emoções e se ocupou com as sensações do filho.

- Como nada? Que cara é essa? Nunca te vi desse jeito...

Ele se aproximou novamente do filho, pousou suas mãos nos ombros dele e tentou decifrar seus pensamentos. Pedro, por sua vez, queria fugir do pai e esquecer que tinha ouvido aquela frase.

- Não, pai, deixa pra lá... – disse virando o rosto.

- Pedro, eu quero saber. Sou seu pai. Quero saber! – insistiu com firmeza.

- A culpa de eu ser assim não é sua...

- É, é sim. Eu errei com você, com sua educação. Não deveria ter sido tão duro...

- Pai, o senhor não. Eu posso entender que o Breno seja o idiota que é, mas o senhor não, por favor, não faça isso comigo, por favor, pai, por favor... – confessou aos prantos.

As lágrimas de Pedro caíram com tanta rapidez e sua voz embargou de uma forma que atingiu o peito de Silveira como uma fina e longa agulha. Não pôde ele reagir de outra forma senão abraçando o filho instantaneamente. Ele teve medo do que Pedro estava pensando. “Tadinho, está com medo!”.

- Pedro, você não precisa ter medo. Eu estou aqui, sua mãe e sua irmã... Nós estamos aqui e vamos te ajudar a superar isso.

Pedro se afastou do pai e se zangou mais ainda.

- Eu não vou superar isso, pai. Eu sou assim e o senhor vai ter que aceitar. Não é culpa sua se eu sou gay, talvez eu sempre tenha sido, mas nunca soube... Mas o senhor...

- Pedro, do que você está falando?

- Do seu pensamento errado sobre quem eu sou ou sobre quem eu decidi ser...

- Pedro... – Silveira coçou a cabeça. – Eu ainda não entendi. Você acha que eu estou falando de que?

- O senhor disse que a culpa de eu ser gay é sua, mas não...

- Pedro, Pedro... Calma... Você entendeu tudo errado!

Silveira voltou a coçar a cabeça e caminhou um pouco sobre a grama. Deu as costas para o filho e se sentou em um banco de metal que ali havia. O céu já não era o mesmo de horas atrás. A lua estava cheia e iluminava a tudo sem que precisasse do auxílio de nenhuma lâmpada elétrica. Parecia que a chuva apenas tinha lavado a face da lua, para que esta surgisse ainda mais esclarecedora. De fato ela precisava iluminar certas mentes. Pedro caminhou até o pai, porém continuou de pé diante dele, com uma testa franzida, ávido por palavras.

- Você entendeu tudo errado, Pedro. Eu nunca disse que a culpa de você ser gay é minha. Na verdade eu estou dizendo o contrário. A culpa de você não ser gay é minha.

Obviamente o discurso de Silveira não pararia por ai. Pedro então se viu numa situação confusa, mas decidiu permanecer calado, esperando pela continuação do pai. Ao que tudo indicava, Silveira tinha algo sério para assumir, invertendo as posições naquele diálogo. Silveira levou as mãos mais uma vez ao rosto e tentou recuperar o fôlego para finalmente revelar ao filho o que sentia sobre aquele momento.

- Quando eu disse que a culpa de você ser assim é minha, eu quis dizer que a culpa de você ser quieto, calado, inexpressivo... Esse medo que você tem das pessoas e de se relacionar com elas... A culpa de você ser assim é minha.

- O que você tem a ver com isso?

- Você não se lembra, não é? – perguntou Silveira o olhando nos olhos.

Aquela pergunta o tocou fundo. Pedro não sabia o que viria depois, mas bastou ouvir aquela frase que sua respiração ficou ofegante, seu peito se expandiu. Ao mesmo tempo em que suava, sentia pequenos arrepios no pescoço e nas costas. Ele não sabia porquê aquilo causava tais reações. Temeu, então, pelas palavras que viriam.

- Lembra do Guguinha, o seu primo? Vocês tinham oito anos...

- Lembro, mas o que aconteceu?

- Não lembra? Você e o Guga?

- Não... Lembro que brincávamos muito juntos, mas depois... Eu não lembro porquê não nos vimos mais.

- Você não lembra quando vocês estavam no meu quarto? Vocês estavam brincando de beijar na boca, de língua. Vocês estavam abraçados... Duas pequenas crianças. Vocês estavam se divertindo, vocês riam e se beijavam. Naquele momento eu vi algo grotesco, inimaginável. Ainda mais quando descobrimos que vocês sempre brincavam daquilo...

- Eu não me lembro disso!

- Não se lembra de como eu briguei com vocês? Dos tapas que eu te dei?

- Você me bateu? – perguntou surpreso.

- Bati... – confessou voltando às lágrimas. – Eu não soube como lidar com aquilo.

- Não, não estou te recriminando não. Eu quero entender o que houve.

- Mas eu estou. Eu não poderia ter feito aquilo. Você era só uma criança. Um bebê, praticamente.

- O que mais você fez?

- Eu gritei com vocês dois e puxei você pelo braço. Eu estava com muita raiva e arrastei você pela casa. Na sala, eu sentei no sofá e pus você na minha frente. Gritei com você olhando nos seus olhos e te apontei o dedo várias vezes. Você nem estava entendendo nada. Você era uma criança... Me perdoe, Pedro, me perdoe!

Aos poucos algumas coisas começavam a fazer sentido para Pedro. Seu coração se acalmava, mas sua cabeça fervilhava com a história. Realmente muitos erros haviam sido cometidos e as consequência foram as piores possíveis.

- Foi por isso que o Gustavo se matou?

- Sim, sim, sim, sim... Como eu me arrependo... Me perdoe, Pedro, me perdoe, por favor. Eu não queria isso, nem eu, nem o seu tio...

- Pai, se acalme, eu não estou culpando você de nada.

- Mas eu estou, porque eu sei que sou culpado!

- Pai, você não é culpado. Se fosse, eu teria me matado também. Quem causou as dores do Gustavo foi o tio Flávio, que perpetuou as reclamações. Você não fez isso comigo.

- Mas eu te impedi, naquele momento que briguei com você, de se descobrir, de viver sua vida. Você se tornou uma criança fria e inexpressiva e levou isso adiante. Você sempre teve poucos amigos... A culpa é minha!

- Tudo passa, pai.

- Mas o Guguinha...

- O Gustavo não foi sua culpa. Não era sua responsabilidade.

- Não é isso. Ele... Ele deixou um bilhete pra você.

- Pra mim?

- Não foi bem pra você, mas sobre você. Ele disse que te amava e pedia desculpas por ter te prejudicado... O que fizemos?

Pedro parecia descobrir a sua vida inteira naquele momento. Era sem dúvida uma revelação impactante, que não poderia se deixar esquecer e que, com certeza, auxiliou muitas das escolhas que Pedro tinha feito, mesmo sem querer ou entender, durante toda a sua existência. Silveira, por sua vez, não conseguia imaginar como um simples ato de minutos pôde desencadear uma série de acontecimentos trágicos. Até aquele momento, aquele homem se responsabilizava por todas as tristezas que havia acontecido em sua família, no que se referia àquele assunto. Pedro, ao saber do bilhete do primo, sentiu uma leve fraqueza em suas pernas e se sentou ao lado do pai.

- Foi por isso que vocês fizeram as pazes, você e o tio?

- Seu tio me deu uma lição de compaixão que eu jamais vou esquecer em toda a minha vida.

Silveira se virou um pouco para o filho e segurou suas mãos.

- No dia do velório do Guguinha, ele me chamou na capela e me disse... Não, ele me pediu que eu não cometesse o mesmo erro. Me disse que eu deixasse você ser quem você era. Eu disse ao seu tio que não teria problemas, depois de tudo o que passamos, que você fosse gay, mas disse também que, mesmo assim, você não era. Ele me chamou a atenção. Ele disse “como o Pedro não é gay? Você acha que ele é do jeito que é à toa? Se ele não fosse, não teria reagido tão mau desde aquele dia que você brigou com ele”. Foi ai que eu percebi que seu tio poderia estar certo. Essas coisas entre crianças são comuns, mas você não teria sido tão afetado pelos gritos se você não fosse gay. Se você não fosse... se não fosse, teria esquecido aquela bronca e continuaria brincando como uma criança normal, mas não. Você sentia que havia algo diferente e foi naquele momento que você descobriu que essa sua diferença era algo errado.

Não havia mais nada para ser revelado. Pedro agora era homem de verdade e já poderia se considerar dono de sua vida. Ele precisava se conhecer melhor, mas não poderia imaginar que desconhecesse tantas coisas assim sobre si mesmo e sobre sua família. Finalmente as lágrimas retornaram, mas de forma sutil. De frente para o pai, segurando as suas mãos, ele continuou o diálogo.

- Por isso você se tornou tão amável nesses últimos anos. Tão compreensivo e ao mesmo tempo tão enérgico contra a minha quietude.

- Sim...

- Por isso você se apegou tanto ao Igor.

- Sim... Eu... Eu reconheço nele a força que faltava...

- Em mim.

- Não. A força que faltava em Guguinha.

- Por isso você sempre se referiu ao Gustavo como Guga ou Guguinha...

- Ele não conseguiu ser Grande como o Igor, mesmo que ambos tivessem tido o mesmo pai.

- Então os seus gritos me salvaram, pai.

- Como? – perguntou surpreso.

- Seus gritos me anestesiaram, me paralisaram. Talvez se eu tivesse dado continuidade a minha vida como o Gustavo deu... Talvez eu não me aceitasse, talvez eu me rebelasse. Talvez eu não estivesse aqui hoje também.

- O que você quer dizer?

- Por bem, ou por mal, eu me assumi na hora certa, no momento que tinha que ser.

- Pedro... Eu...

- Eu também te amo, pai.

Estava selado o entendimento entre Silveira e Pedro. Nunca aqueles dois estiveram tão próximos um do outro. O abraço entre pai e filho finalizou a história mal contada que já durava muitos anos.

- Você também é Grande, meu filho!

Pedro tomou banho e finalmente pôde se desfazer das sujeiras daquela noite. Assim como a lua, ele precisava se lavar com água corrente, para que suas qualidades, ou melhor, a verdade esclarecida viesse à tona. Muitas coisas mudariam dali por diante, embora outros hábitos persistissem em se manter, como as andanças de cueca que Pedro fazia pela casa. Herança dos costumes do pai. Na cama, já deitado e atacado pelo sono, Igor esperava ansioso pelo retorno de Pedro, que abriu a porta do quarto com uma expressão de cansaço e com os ombros murchos. Quando ele surgiu, Igor respirou fundo.

- Será que eu posso me deitar com meu namorado?

- Depende. Você tem namorado?

- Acho que sim. Só não sei se ele sabe.

Pedro se deitou ao lado de Igor, puxando um pouco do cobertor para si e o abraçou por trás. No ouvido dele, Pedro cochichou algumas palavras.

- Sua profecia estava certa: meu pai me chamou de Grande!

Pedro parecia entender tudo o que havia se passado em sua vida nas últimas semanas. Seus medos, seus desejos, suas alegrias e tristezas, seus sentimentos... Tudo parecia conectado e compreensível. Apenas uma coisa o perturbava agora: Gustavo, seu primo. Mas seu corpo estava tão cansado, que não houve tempo, naquela noite, para refletir sobre isso. Abraçado a Igor, ele sabia que tudo seria diferente. Teria que enfrentar novas situações, mas também sorriria para novas emoções. As luzes estavam apagadas naquele quarto, mas havia uma janela que quase alcançava o teto, iluminando o cômodo com a luz do jardim. Eles olhavam para o verde do gramado enquanto se abraçavam, pela primeira vez, como namorados. Pedro, atrás de Igor, cochichava próximo ao ouvido do amado.

- Você nem vai acreditar. Meu pai já sabia que eu... Já sabia de mim.

- Eu acredito. Ele não é a primeira pessoa que me diz que você é gay.

- Não? Quem mais disse?

- Bem, vejamos... Rafa, minha mãe, minha avó...

- Tudo isso?

- Três pessoas, não exagere!

- Já é muita gente. O que eles disseram?

- Isso importa?

- Claro que importa!

- Por quê? Você não é mesmo gay?

- É... Sou, mas é que... É estranho isso.

- Você ainda se ofende em ser chamado de gay, não é?

- Acho que sim... Não gosto.

- Então vamos aproveitar que estou morto de cansado e vamos fingir que você não disse isso?

- Não, agora eu quero saber. O que eles disseram?

- Ai, Pedro, está tarde, estou muito cansado. Quase morri afogado em lama...

- Vai, Igor, me conta, por favor!

Igor respirou fundo e abriu os olhos, já Pedro largou a cintura do namorado e se afastou um pouco, deixando que ele se virasse, para que se olhassem nos olhos. Não perceberam, mas estavam felizes simplesmente por isso: por poder compartilhar, de fato, um da intimidade do outro. Estavam na cama e se sentiam como um casal, algo impensável dias atrás, não tanto pela resistência de Pedro, mas pelas desavenças que os desuniam.

- O que você quer que eu conte?

- O que o Rafa disse a você? Vocês têm tipo um sensor que identifica isso, não é?

- Vocês? Você quer dizer nós gays?

- É.

- É, nós temos. Alguns têm. Talvez você também tenha.

- Quando ele disse isso?

- No dia da festa na piscina. Acho que foi ele quem disse...

- E você, o que disse?

- Que não achava que você era...

- Mas você sabia...

- Sabia, claro. Mas só porque tínhamos transado na van. Senão... Eu sou péssimo, não tenho radar pra gays.

- E sua avó?

- Ai, foi tão engraçado... – Igor riu um pouco.

- O que tem de engraçado?

- Minha avó, já de idade, percebendo as coisas. Amo aquela velha!

- Ta, mas o que ela disse?

- Quando chegamos, ela disse que você era meu namorado. Ai eu disse que não, ai ela disse “ele é só o cara que dorme com você”, ou uma coisa assim... Imagina minha avó tirando piadinha...

- Ou seja, todo mundo já comenta.

- E daí? Você não é gay mesmo?

- Sou, mas isso significa que eu dou pinta.

- E se der? Eu dou e você está aqui na cama comigo.

- Eu sei, mas... Sei lá...

- Pedro, deixa eu te pedir uma coisa muito séria?

- O que? Não, não, eu sei o que você vai dizer, eu sei que eu estou errado em pensar assim, mas é que eu não me vejo como...

- Não, Pedro, o que eu vou te pedir é que você me deixe dormir. Por favor, pode ser?

- Pode.

- Obrigado!

- Beijo de boa noite?

- Beijo de boa noite!

Mesmo se estivesse com muita disposição, Igor já não via necessidade em confrontar Pedro. Sabia que o pior já tinha se passado, pois o mais difícil é aceitar a si próprio: trunfo já alcançado. Até porque, as atitudes de Igor, que contrariavam os pensamentos de Pedro, desconstruiriam a sua homofobia. Igor já tinha o que desejava, a companhia dele, o resto poderia ser conquistado. O casal acordou tarde aquele dia, afinal precisavam recobrar as energias. Pedro foi o primeiro. Sentiu suas pernas abertas e soltas. A brisa do inicio de tarde refrescava suas virilhas e, em outros tempos, aquilo seria algo muito agradável. Não mais! Ao perceber que o quadril de Igor se desprendia do seu, ele acordou.

Esfregou os olhos com as mãos e se estirou na cama. Sentiu seu corpo se encher de energia e, aos poucos, voltou a raciocinar. Olhou para o lado e viu o namorado, que ainda dormia, encolhido no canto da cama. Pedro se aproximou e o beijou no rosto. Enquanto o olhava, sorria e se perguntava “Por que eu não vi isso antes?”. Ele se levantou da cama e seguiu para o banheiro, onde escovou os dentes. Nesse ínterim, Igor acordou e continuou deitado, pensando no que seria de seu pai agora. Isso implicaria diretamente em sua vida. Igor pensou em si próprio e em como se viraria a partir daquele momento. Pedro então chegou ao quarto e logo se dirigiu para o guarda roupa, dando as costas para Igor.

- Quando você vai deixar eu tocar a sua bunda?

Pedro se virou para o namorado e sorriu.

- O que?

- Você tem um bumbum tão bonito.

- Igor, não começa...

- Mas eu só estou falando... Não posso achar o corpo do meu namorado bonito?

- Pode, mas logo a bunda?

- Você não gosta da minha? Por que eu não posso gostar da sua?

- Você sabe porquê.

Pedro se aproximou da cama e sentou. Enquanto vestia a camisa, Igor o observava ainda deitado. Já vestido, Igor continuou a conversa.

- Então eu nunca vou poder ser ativo também?

- Mas você... ? Igor vá com calma.

- Eu estou só provocando, claro. Mas não pense que você vai fugir de mim. Uma hora ou outra você vai ter que ceder.

- Por quê? Você não pode gostar só de uma coisa e eu de outra?

- Não.

- Por que não?

- Porque não é assim que funciona. Não me veja como um diferente de você. Eu sou homem também, não esqueça disso... Ai, Pedro não me faça essa cara...

- Eu deixo você pegar, se quiser. Mas só isso, só pegar. Nada de enfiar dedo ou coisa pior.

- Coisa pior? – Igor riu. – Tipo o meu pinto?

- Tipo isso.

- Ok, vou me contentar com isso. Por enquanto!

Pedro se deitou na cama, com o tronco encostado na cabeceira. Igor se aproximou e apoiou sua cabeça no peito dele, enquanto era abraçado e recebia um cafuné. Eles se silenciaram e pareciam não pensar em nada, ao mesmo tempo em que sentiam que temiam a mesma coisa. Olhavam para a porta do quarto e imaginavam o que aconteceria quando eles finalmente saíssem dali juntos.

- Cadê todo mundo?

- Não sei, eu não vi ninguém quando fui ao banheiro.

- Não procurou por eles?

- Não.

- Será que seu pai saiu?

- Não sei...

- Eu queria ligar pra minha mãe.

- Quer que eu traga o telefone?

- Quero.

Antes de Pedro sair do quarto, batem na porta e em seguida Melissa entra. Senta-se ao lado dos meninos com um sorriso no rosto. Melissa se vira para Igor e o abraça também.

- Só uma pessoa poderia fazer isso. O seu namorado. Só não sabíamos quem ele poderia ser. Ai, sério, estou muito desapontada com vocês. Eu imaginava esse dia de outra forma. Eu achava que vocês começariam a ter um casinho e depois teriam que contar para alguém, para que essa pessoa desse cobertura. Mas não, tinha que vir um ladrão safado e estragar tudo!

- E onde está os dois?

- Na cozinha. Eu já estava vindo aqui chamar vocês pra almoçar. Ainda bem que vocês já acordaram.

- Eles esperam por mim?

Todos esperavam por Pedro há muito tempo. Por isso ele se sentiu idiota. Naquele momento ele pôde perceber que durante anos havia se inserido em um casulo rígido e que todos do lado de fora o conheciam. Era como se Pedro durante todo esse tempo agisse erradamente e todos soubessem, mas ninguém tinha coragem de lhe mostrar o caminho correto. E se esse dia nunca chegasse? E se Igor nunca fosse morar com ele no casarão? Quanto tempo mais seria necessário para que Pedro se revelasse para si mesmo? Não havia como não se sentir traído, embora as razões dessa omissão fossem projetadas em boas intenções.

- Vão na frente, eu vou ao banheiro.

- Então vamos, cunhado!

Melissa segurou a mão de Igor e o levou para a cozinha. Lá, o ex-garoto se sentiu um pouco acuado, pois a situação havia mudado. Silveira e Paula estavam sentados a mesa e pareciam cochichar quando os dois chegaram. Igor olhou para o tio e se sentiu como o responsável por tudo aquilo. Mas ainda não estava claro se essa responsabilidade era algo bom ou ruim. Silveira percebeu que aquele não era o mesmo Igor sorridente, então se esforçou em parecer mais acessível para o sobrinho.

- Sente-se aqui do meu lado, Igor!

Ele se dirigiu até a cadeira e se sentou.

- Não sei se digo bom dia ou boa tarde. – disse Igor.

- Boa tarde! – respondeu Silveira. – Dormiu bem?

- Sim.

- E o braço?

- Não dói.

- Eu fiquei preocupado com o seu braço.

- Eu também, mas ele parece melhor. Acho que nada interferiu na minha recuperação.

- E o Pedro?

- O Pedro? – perguntou Igor corado.

- Sim.

- O que tem ele?

- O que tem vocês?

- O que o senhor...

- Não me chame de senhor!

- Ta, mas o que ele tem a ver com o meu braço? – se fazendo de desentendido.

- Com o seu braço eu não sei, mas o que ele tem a ver com o seu coração?

Igor abaixou a cabeça e, com a mão esquerda, esfregou um dos olhos.

- Eu posso tomar um copo de suco?

- Claro! – respondeu Paula, que logo o serviu.

- Tio, eu não sei o que o senhor quer de mim.

- Quero que pare, por favor, de me chamar de senhor. Me diga o que há entre você e o Pedro.

- A gente se gosta.

- Você gosta dele?

- Gosto.

- Eu nunca pensei que você pudesse gostar dele. Talvez ele gostasse de você, mas não achei que o contrário fosse possível.

- Eu achei que você tivesse nos colocado no casarão juntos justamente por isso.

- Não. Eu realmente sugeri que vocês fossem pra lá para proteger o casarão.

- Não acredito!

- E por quê eu mentiria?

- Não sei... Mas não me parece uma ideia desinteressada essa de nos pôr juntos, sabendo que nos odiávamos.

- Eu não sabia que se odiavam. Soube depois.

- E agora?

- E agora... Bem, vocês estão ai.

- E você não se importa?

- Prefiro ver vocês felizes. Não acha que isso é mais importante?

- Você já parou pra pensar em tudo o que pode acontecer daqui pra frente? Tudo bem seu filho ser gay?

- Se estiver para ele... Eu vi uma pessoa muito querida provocar a própria morte por causa disso. Me fez repensar algumas coisas.

Igor voltou a abaixar a cabeça e tomou um gole do suco. Ele ainda parecia constrangido. Para ele, não parecia possível que algo com o qual ele estava acostumado a imaginar como uma situação complicada se resolvesse assim tão facilmente.

- Você tem medo de mim, Igor?

- Um pouco.

- Mas por quê?

- Não sei. Parece fácil demais.

- Hoje pode ser, mas eu demorei anos para chegar a esse ponto. Foi mais fácil aceitar.

- Às vezes o caminho mais fácil não é o melhor! – provocou Igor.

- Mas na maioria das vezes somos nós que complicamos as coisas. Não acha?

- Então... Eu sou o namorado do seu filho e pra você tudo bem?

- Está tudo bem pra vocês? – Igor baixou a cabeça. – Está tudo bem pra você?

As lágrimas foram inevitáveis. Uma gota caiu dentro do copo de Igor. Ele parecia não acreditar que a felicidade era possível, mesmo que durante a sua vida toda essas alegrias lhe fossem negadas. Silveira entendeu que Igor se sentia aliviado por conseguir ser aceito e passou a mão em seu ombro.

- Não foi fácil pra mim, Grande, mas depois eu pensei que também não fosse fácil para o Pedro. As coisas se tornaram mais fáceis pra mim, pois é muito mais fácil julgar.

Pedro surgiu na cozinha e todos o olharam. O rapaz se espantou com aqueles olhos, pois todos lacrimejavam. Igor foi o primeiro a voltar-se para onde estava. Baixou a cabeça novamente e continuou tomando o suco.

- Sente ai, meu filho. Vamos comer! – disse Paula.

Ele puxou a cadeira ao lado de Igor e, por cima da cabeça dele, Pedro olhou para o pai, que chorava e sorria.

- Há muito tempo eu esperava por esse momento.

- Vamos comer?

Enquanto o almoço acontecia, Pedro finalmente pôde se sentir parte de uma família. Não era mais um estranho, nem mesmo para si próprio. A sensação de calma lhe invadia, mas recebia aquilo com muita cautela. Assim como Igor, era incomum que todos naquela mesa aceitassem sua condição assim tão rápido, mesmo que, em teoria, já soubessem dela. Em compensação, tinha coragem em seus pulmões para arriscar ser quem era. Sem dúvida um sentimento novo. A diferença agora, percebida por todos, é que Pedro havia se tornado um ser sociável, pertencente a algo, parte integrante de uma família.

E ao mesmo tempo em que tudo tinha mudado, nada mudou. Pedro ainda era o mesmo. Isso o fazia ficar confortável e perder, aos poucos, o medo da mudança. Ele percebia que não precisaria abandonar velhos hábitos, ou passar a adotar novas atitudes, para seguir sendo quem era. Sua cor preferida ainda era o verde e seu quarto ainda tinha o mesmo cheiro de lar. O mundo não havia mudado! Mas o quarto não era mais sinônimo de reclusão, mas sim de retorno a si mesmo.

Quanto a Igor, pouco havia se alterado, afinal seu desejo maior era nunca mais ter que lutar por algo que lhe era de direito. Era depositar sua segurança em outra pessoa. E que sorte! Pedro era exatamente alguém com esse perfil protetor. Ainda assim, parecia inacerditável alcançar a felicidade de maneira tão fácil, quando isso nunca lhe pareceu acessível. Embora soubesse que o mundo inteiro estava errado, a ideia de um homossexual feliz surgia mais como uma lenda que como uma realidade. E, convivendo com a realidade que escolheu desde sempre, a de se aceitar como era, Igor já se preparava para simplesmente viver dignamente, com ou sem felicidade. Não sabia ele que a tal felicidade poderia estar a menos de trinta centímetros de seu braço: bastava esticá-lo, pegar a jarra e despejá-la em seu copo!

- ...então eles disseram que o outro pedreiro, que também estava envolvido, demorou muito para chegar. Por isso que o primeiro pedreiro, o que ameaçou vocês, demorou tanto para sair do casarão. Enquanto ele esperava o outro, ele aproveitou pra levar mais coisas.

- E como eles iriam entrar no casarão com uma caminhonete? Só se eles arrombassem o portão. – disse Pedro.

- Eles devem ter feito cópia da chave. Não sei, Pedro, mas tudo indicou que a intenção era de fato roubar os pisos.

- Mas pra quê? Que utilidade eles teriam? – questionou Igor.

- Eles já tinham um comprador. Uma loja de material de construção, mas eles não soltaram o nome da loja.

- Tio, você nunca pensou em vender os pisos pra essas lojas antes?

- Pensei, até tentei. Mas eles pagam muito mal, não vale a pena. O jeito vai ser assumir o prejuízo ou arrumar quem os compre.

- Por que não mudamos esse assunto indigesto e conversamos sobre outra coisa? – interrompeu Paula.

- Como o que?

- Como o nome do hotel, que até hoje não decidimos como vai ser.

Todos na mesa riram da sugestão, pois há muito que o nome do hotel havia provocado discussões calorosas no seio daquela família. Apenas Igor não riu e não entendeu a tentativa de reanimar aquele almoço.

- Como não sabem o nome do hotel? Eu achei que ele já tivesse muito bem escolhido!

- Claro que não, Igor. Que nome você acha que teria o hotel? – perguntou Pedro aos risos.

- Gente, mas não é óbvio? “O Casarão”!

- Simples assim?

- E por quê não? A ideia é preservar a arquitetura do prédio, fazer com que os hóspedes se sintam em uma casa antiga, como se fossem convidados e não clientes. É como se fosse uma mansão, onde todos se conhecessem e se sentissem familiarizados e blá, blá, blá... “O Casarão”, sinônimo de casa grande.

- Ou seja, tantos anos pra tirar o Pedro do armário e tantos meses pra escolher um nome para o hotel, e a resposta estava bem aqui: Igor, menino sapeca! – brincou Melissa.

- Você gosta do nome, pai? – perguntou Pedro.

- Eu? São vocês dois que devem gostar, não são vocês que vão morar lá quando estiver tudo pronto?

- Morar lá?

- Sim, vocês não querem? Acham muito cedo para morarem juntos?

- Morar junto? Igor e eu?

- Não seria legal?

Seria! De fato, muito cedo para morarem juntos, mas há muito que também já estava tarde. Não havia mais um lar para Igor retornar, sua mãe estava muito bem instalada e satisfeita. Pedro estava prestes a se formar engenheiro civil e também já tinha lhe chegado a hora de partir da casa dos pais. Sim, era cedo para ficarem juntos debaixo do mesmo teto, mas também não tinham percebido tarde que desejavam um ao outro? E nunca estariam só, haveria sempre um hóspede a quem receber e haveria sempre algo para fazer. Pedro e Igor se olharam um instante e transmitiram um para o outro o medo de estragarem tudo o que já haviam conquistado até ali.

- Eu tenho medo disso.

- Eu também, mas, sinceramente, não me vejo mais morando nessa casa.

- Bem, eu nem tenho mais casa!

- Então, nós temos um casarão para cuidar!

E mesmo sendo grande, o casarão se resumiria a um único lugar para aqueles dois.

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Comentários

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Li todo hj e amei. Obrigado pelo conto, magnifico

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Lindo, envolvente, maravilhoso, emocionante... :) :'( ;D =]

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Tipo ja acabou?N creio..Primeira vez q comento mas acompanho desde o comeco simplismente MARAVILHOSO,podia conta + ne rs

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Tipo ja acabou?N creio..Primeira vez q comento mas acompanho desde o comeco simplismente MARAVILHOSO,podia conta + ne rs

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perfeito é sô o que posso dizer ,.que bom que tudo acabou bem.ami cada linha que li dessa linda historia.e que pena que finalizou.vou sentir saudades desses personagen maravilhosos.beijo lindo.

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perfeito posta mais...pra gente saber o que aconteceu com o Breno e os demais personagens...

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O conto foi perfeito, você escreve muito bem, gostaria que você desse uma continuação ao conto se esse foi o capitulo final, acho que tanto eu como os outros leitores esperamos muito pelo momento em que o Pedro e o Igor ficassem juntos, você poderia continuar o conto agora relatando o que aconteceu com a vida deles depois desse momento em que se mudaram para viver no casarão, deixaria muitos leitores felizes e ansiosos tenho certeza, um grande abraço e espero de verdade que você veja minha dica.

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Perfect!!! Espero que não esteja próximo de acabar o conto, eu amo essa historia.

Qro que esse Renato morra, antes sofra bastante, ah eu ainda nao acredito que o bernardo morreu, eu gosstava muito dele, qdo vc flw que o Renato qria voltar pra cuspir no corpo dele, achei que ali vc colocou uma brecha pra que ele estivesse vivo. Adoro seu conto abraço!!! Se puder me add no face ou skype, eu adoro conversa com os autores(se for me add, fala alguma coisa no chat pra mim saber que e vc). Whats::: (85)8929-1690 Face::: https://www.facebook.com/uzumaki.kadu Skype:: brcednc (Eduardo Nascimento)

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Você escreve muito bem. Saboreei cada conto com gostinho de capitulo final de novela. E todo dia vinha conferir se você havia publicado a continuação. Parabéns! E por favor, não pare de escrever =)

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