No Dia dos Pais de 2011, faríamos um churrasco num sítio de meu pai, para meu pai(avô da Anna), e meu cunhado (pai dela). Eu não tinha filhos mas queria ir, afinal, era meu pai. Fui sozinho, antes de todo mundo, logo depois foram chegando os outros convidados.
"Anna está agindo ridiculamente nos ultimos dias, André. Mata aulas, socou um rapaz no nariz, vive fugindo de casa pra ir não sei onde com não sei quem, não dorme durante à noite e agora está saindo com dois rapazes diferentes. Acredita que nem é mais virgem? Por Deus, onde eu errei na educação dessa garota?!", dizia minha irmã, reprovando os comportamentos de Anna. No sítio, veio no carro de um rapaz novo, aliás dois. Passaram bastante tempo conversando e rindo. Anna cumprimentou o avô e por incrível que pareça, me cumprimentou também. Tentei puxar assunto mas ela me cortou, normal. Voltou para seus amigos, ou amantes, que me olhavam e davam risadas.
Sentei com meu pai e alguns dos convidados para comer um pouco e beber. O dia estava quente e as pessoas ali conversavam e riam. Meu pai, com seus 67 anos, adorava a compania dos filhos e netos. Vivia me perguntando quando eu lhe daria algum. Anna tinha seus traços, puxou seus olhos verdes e as "setas" que se formavam nos cantos de sua boca, sempre que sorria. Já os cabelos ruivos e as sardas, vieram da mãe de seu pai, que tinha cabelos castanhos. Anna deu uma sorte grande.
Eu, na época, tinhakg. Meus cabelos eram incrivelmente negros, e olhos mel. Branquelo.
Anna se aproximou e sentou-se ao lado do meu pai, que a reprovava, dizendo que sua mãe estava ficando louca com suas atitudes e que lhe traria para morar no sítio caso se comportasse melhor. No fim da festa, Anna acabou discutindo com a mãe, pouco discretamente, Anna optou por ir embora. E foi.
A pior parte de se envolver com algum familiar é que, querendo ou não, você vai acabar participando de coisas assim alguma vez.
Anna passou a semana fora, fugiu novamente.
Ela apareceu na minha loja, quase duas semanas depois, umas 17h da tarde. Me ajudou em levar os cachorros ao canil, e partimos para meu apartamento. Sentou no sofá enquanto eu peguei o telefone e disquei o número de sua mãe. "Me deixa ficar aqui?", ela perguntou, finalmente. "Não precisamos ter relações, nem nada. Deixa eu ficar aqui, como parentes normais". Permiti que ficasse em casa se quando fosse embora, fosse direto para sua casa.
Achei que minha sobrinha-e-ex-namorada estava ficando louca por conta de tudo o que estava acontecendo.
Naquela noite, Anna dormiu no meu quarto, e eu acabei dormindo no sofá. Pela manhã, Anna preparou nosso café enquanto eu arrumava as coisas na sala. Pediu para ir ficar comigo na loja, mas sua mãe poderia aparecer e eu ficaria encrencado. Emily, minha irmã, realmente apareceu. Reclamou de Anna por um tempo, disse que trocou as fechaduras das portas e não a aceitaria mais em sua casa. Por fim, comprou comida pro gato.
Ela (Anna) novamente me ajudou em fechar a loja. Pedimos uma pizza e comemos. Foi a mesma coisa, eu no sofá e ela na cama. E a mesma rotina no outro dia. Mas durante a noite as coisas mudaram de rumo. Ficamos na sala, assistindo à alguma série, Anna que nunca teve senso de espaço, estava completamente afastada de mim. Anna colocou um colchão no chão da sala e trocamos de lugar. Era bom poder dormir confortavelmente de novo. Anna continuou assistindo tv, enquanto eu pegava no sono. Acordei pela manhã e Anna estava deitada ao meu lado, no meu colchão, me abraçando. Fizemos amor naquela manhã, antes que ela fosse embora. Recolhemos o colchão na sala e arrumamos a bagunça.
Achei que não a veria mais, mas ela acabou voltando pra casa durante a noite e fizemos amor novamente, na minha cama. Ela dormiu por cima de mim. Mas acabou indo embora novamente pela manhã. Não a vi mais.
Ela sumiu por 4 meses, até que dia 1 de dezembro, seu aniversário, recebi um email seu. Seus amigos, os da festa, também chegaram a receber seu email (eu só soube depois). Anna escreveu algumas coisas e no email anexou um vídeo de 15 segundos, também da nossa ultima noite, onde ela se movimentava lentamente em meu colo, com os dedos entrelaçados aos meus. Usava um esmalte cinza. No fim do vídeo sussurrou um "Eu te amo, André". Um pedido de desculpas e um "Eu te amo" também constavam no email.
Uma semana depois, Emily me ligou pela manhã, choviscava na rua. Emily chorava na linha enquanto eu dirigia até sua casa. Fui atendido por ela quando bati na porta. Alguns carros estavam estacionados na entrada da casa. Emily me abraçou, ainda chorava. Vi meu cunhado, os amigos de Anna, seu irmão, o gato da casa.. estavam juntos na sala.
Anna havia tirado a própria vida um dia antes. Encontraram seu corpo no sítio de meu pai, ela se afogou no lago, deixando apenas uma carta pedindo desculpas à todos.
"Posso falar com você um segundo?", um de seus amigos perguntou, ele estava no churrasco. No sítio. Conversamos um pouco, disse que Anna falava de mim para eles e que se não fosse por ela, eles não estariam juntos, os dois caras da festa. Caique e Renan eram gays.
No velório de Anna eles estavam juntos, abraçados. Eu havia comprado uma flor branca para o momento. Emily chorava, sendo consolada por meu cunhado. Um cara passou mal com tudo aquilo e teve de sair um pouco, tomar ar, no caso, era eu.
Deixei a flor com Renan e voltei pro carro. Podia sentir o cheiro dela quando me sentei. "Ela se foi..", eu pensei.
"André?", senti uma mão bater na minha cara, com bastante força. Abri os olhos.
Anna estava deitada do meu lado, pedindo para que voltássemos para a festa de aniversário da mãe.
Anna e eu ainda estamos juntos. Quase noivos, na verdade. Apesar das ameaças constantes de ir embora, ainda estamos juntos.