— Enzo, por favor, me conta — insistiu Kátia pela malíssima vez. Ela colocou na cabeça que enquanto esperávamos Harry voltar do supermercado, eu teria que contar porque demorei tanto para ir até sua casa. Segundo ela: um rapaz tinha haver com isso. De certo modo ela estava certa, mas eu não iria contar que mataram esse rapaz, e depois seus assassinos também morreram.
— O nome dele era Bernardo — disse finalmente cedendo. Era o mais sensato a se fazer.
— Ra! — exclamou ela com um sorriso vitorioso nos lábios. — Eu sabia. Agora me conta como ele era. Bom de cama?
— Pelo amor de Deus, Kátia! — disse me levantando do sofá e indo até a cozinha. Precisava de um pouco de água.
— Ah qual é Enzo, vai-me dizer que foi aquele amor de velho. Que acontece sem nenhuma pegação… — Kátia falava em um tom de voz que mostrava estar pronta para se interromper com qualquer correção minha, como não fiz, ela continuou com os olhos arregalados. — Não acredito! Você se apaixonou pelo cara sem ao menos saber o tamanho da piroca dele.
Nesse momento a água que estava em minha boca, saiu e molhou tudo o que estava a minha frente. Logo depois me engasguei.
— Não precisa ver a “piroca” de um cara para se apaixonar por ele — disse com dificuldade para respirar.
— Pelo menos ele era bonito? — indagou uma Kátia. Que não desistia nunca. Ela estava atrás de mim batendo nas minhas costas.
— Ele era lindo. Tinha um sorriso fofo. Sabe quando a pessoa sorri só para você. Aquele sorriso me fazia sentir… especial. Nunca o vi sem blusa, mas nem precisava, por cima da sua camisa dava para ver os músculos. E não eram poucos. Mas fora ter um corpo legal, eu gostava do jeito que ele falava comigo. Vou parecer idiota, eu mal o vi, mas o pouco já foi o suficiente — me peguei suspirando lentamente.
— E o que aconteceu com ele?
Antes que eu pudesse inventar uma desculpa, houve uma batida na porta. Kátia correu para ver. Eu achei que era Harry, mas era apenas o carteiro. Quando ela voltou, eu disse: — Achei que era o Harry — tentando mudar de assunto.
— Aquele é mais lerdo que minha vida. Você não o viu na cama, demora meio ano para gozar, mas quando goza vale apena esperar — disse Kátia olhando os papeis em sua mão.
— Ta, eu não queria saber disso — falei colocando o copo no lugar.
— Ai Enzo. Eu sei que adora um pau. E ia adorar o do Harry, é meio grosso, e tem a cabecinha… — sai da cozinha fingindo não ouvir nenhuma palavra de Kátia. Ela correu atrás de mim. — Tá certo, sem comentários sobre o pau do Harry.
— Acho bom.
***
Depois que Harry chegou, saímos os três para almoçar. Não queria muito, por um motivo: estava chovendo e fazendo muito frio. Mas Kátia me fez usar as roupas de Harry e me arrastou até o outro lado da rua, onde ficava o restaurante.
***
Na segunda de manhã, acordei debaixo de várias cobertas. Levantei-me enrolando uma no meu corpo e fui até a janela. A cidade lá embaixo estava coberta com uma grossa camada de neve. O céu estava nublado, é claro, com nuvens cinzentas. Ao longe eu ia a fumaça saindo das fabricas. Eu sempre adorei o inverno, a neve deixa tudo tão… branco. E branco, é minha cor favorita.
— O café está na mesa — disse Harry se aproximando atrás de mim. Ou eu estava viajando muito longe, ou ele sabia andar como um gato, pois não ouvi som algum.
— Acho que estou sem fome — disse olhando uma última vez para a janela.
— Somos dois — disse Harry se sentando na beira da cama. Ele também estava olhando pela janela. — É nosso primeiro inverno longe das nossas famílias — continuou ele, em um tom meio que… triste.
— Porque veio embora? Quero dizer, todos nós tivemos um motivo para sair de casa. Qual o seu motivo? — perguntei me sentando ao lado de Harry. Ele olhou em meu rosto, não estava nem sério nem alegre. Apenas distante da realidade.
— Falar sobre o passado não o trás de volta — respondeu ele.
— Ah vá. Conta-me logo — insisti, dando uma de Kátia curiosa.
— Não gosto de falar sobre aquilo — Harry se levantou. — Sei que não vai desistir. E vai querer saber o porquê eu vim embora. E sei também que vai perguntar isso a Kátia, mas poupe seu tempo. Ela também não sabe — nesse momento pareceu que um sorriso formou-se no rosto de Harry, mas foi tão rápido que não tive tempo de ter certeza.
— Não custa tentar — disse deixando a coberta sobre a cama. Vesti meu casaco e fui até a sala. Quando cheguei, Kátia estava deitada no sofá, com Harry em cima do seu corpo. Ambos estavam vendo algum seriado na TV.
— Eu fiz biscoitos — anunciou Kátia. — Ficou uma merda, mas se quiser um pouco de veneno, estão dentro do fogão.
Como nunca comi os biscoitos de Kátia, resolvi provar pelo menos um.
Mas realmente estava uma merda. Não consegui comer nem o pedaço que dei a mordida, o joguei no lixo, junto com o resto do biscoito.
— Não ficou bom — disse voltando até a sala. Sentei-me no outro sofá.
Depois de muitos minutos, alguém bateu na porta. Kátia jogou Harry para o lado e correu para atender.
— Ela está esperando alguém? — perguntou-me Harry.
— Que eu saiba, ninguém — respondi me inclinando para ver quem entrava com Kátia na sala.
Ao lado dela vinha um rapaz. Comecei a fazer uma analise de como ele estava. Vestia um casaco marrom, tudo indicava ser maior que o meu, estava com uma calça jeans azul marinho. Seu rosto era moreno e fino. Na verdade ele todo era moreno. Vi isto quando entregou o casado para Kátia. Seu corpo não parecia ser nenhum modelo sexy, mas também não era desnutrido. Ele era normal. Depois que tirou o gorro da cabeça, seu cabelo se mostrou ser castanho escuro. Por fim, o estranho sacudiu a neve e Kátia o trouxe até nós.
— Harry, se lembra do Breno? — perguntou Kátia olhando para Harry, este fez um movimento afirmativo com a cabeça.
— Então Breno, esse aqui é meu amigo, Enzo. Aquele que eu te falei que chegou no sábado — apertei a mão do tal Breno, olhando para Harry pelo canto do olho. Ele parecia cada vez mais insatisfeito com tudo aquilo
— Harry, você me ajuda a trazer o chocolate quente? — indagou Kátia o puxando pelo braço.
Sem dizer nada, Harry se levantou e entrou na cozinha.
Não tinha certeza, mas estava começando a desconfiar que esse tal Breno não tivesse ido ali visitar Kátia.
— Vai ficar por muito tempo? — perguntou Breno quando ficamos sozinhos.
— Vim para ficar — respondi. Ele começou a me encarar, depois sorriu. Não entendi muito bem, mas retribui o sorriso.
Não tinha o que conversar, mas Breno achou assunto suficiente para continuar a conversar por muitas horas. Quem mais conversava era ele e Kátia. Eu e Harry ficamos apenas olhando e às vezes contando alguma coisa.
Kátia convidou Breno para ficar e almoçar. Nesse momento Harry foi para o quartos Eu o segui.
— É impressão minha, ou você não gosta do Breno. Ele é um cara legal até — disse fechando a porta atrás de mim.
— Não tenho motivos para gostar — disse Harry. Realmente ele estava zangado com alguma coisa. Não iria perguntar mais nada, sai e voltei para a sala.
Mal tive tempo de chegar e Kátia me pediu para levar Breno até o banheiro. Enquanto ela preparava o almoço.
— Por aqui — disse o chamando com um aceno de cabeça. Ele se levantou e me seguiu. Mais uma vez estava com uma sensação estranha, agora estava com a sensação de que ele já conhecia o caminho perfeitamente e que eu não precisava leva-lo para lugar nenhum. Depois de mostrar a porta do banheiro, eu disse: — Ai está —, já estava me virando de costas, quando Breno me puxou pelo braço.
— Espere… — disse ele com a voz um pouco tensa. Breno se aproximou de mim, se aproximou de mais. Seu corpo tocou o meu. Logo depois foram seus lábios que tocaram os meus. Não resisti, apenas o deixei no controle da situação. Ele beijava muito bem, sua língua entrou na minha boca como poucas entraram. Fechei os olhos e o abracei. Roçando seu corpo ao meu.
Senti a mão de Breno fechar-se na minha bunda. A coisa estava começando a esquentar, quando Harry entrou no quarto.
— Que vocês estão fazendo? — perguntou ele nos olhando de longe. “Que estávamos fazendo?” Que pergunta mais idiota, estamos plantando bananeira.
— Eu vim no banheiro — disse Breno se afastando. Depois de sorrir para mim (mais tarde fui saber que Kátia tinha organizado tudo aquilo, e o sorriso que Breno sempre dava, era porque eu havia falado do sorriso de Bernardo), ele saiu do quarto.
Quando ficamos sozinhos. Harry caminhou até onde eu estava.
— Você é louco? Mal conhece o cara e já sai beijando ele, não acredito nisso — falava Harry tentando não gritar.
— E eu lhe devo satisfações de quem eu beijou ou não? — perguntei olhando sério para ele.
— Não importa. Não pode sair beijando ele.
— Se eu não o conhece diria que está com ciúmes, e por que eu não posso beija-lo?
— Por causa disso… — Harry segurou na minha cintura e jogou meu corpo no seu. Logo depois iniciou um beijo lento e sem língua. Ele não poderia ter feito aquilo, eu não poderia ter feito aquilo. Mas não me afastei, o deixei me segurando e coloquei minha mão em seu pescoço. Ele se soltou de mim e saiu do quarto.