-Eu passei dos limites.
-Primeiramente oi, depois: se você não parar com essas chegadas assustadoras logo não haverá mais nenhum Mateus pra ouvir sobre suas transas toda segunda-feira de manhã.
-Mateus, eu passei dos limites. -Disse me sentando ao lado dele e encarando o nada. Ele me olhou sério.
-O que rolou?
-Eu acordei com ela deitada no meu peito, nós transamos, eu contei do meu pai, eu...
-Calma aí, criatura, organiza os fatos porque eu não entendi nadinha e o que entendi me deixou um pouquinho chocado.
-Foi tudo isso aí que você ouviu.
-Se sabia que iria se arrepender no dia seguinte, por que a deixou fazer? -Era pra ser só sexo, eu realmente pensei que fosse. Pensei que ela havia ido embora quando acabamos e fui dormir, eu achei que fosse um sonho! Literalmente falando. Então eu acordo e vejo a garota stalker na minha cama, vestida só com a minha blusa e abraçada a mim. Será que por favor eu posso entrar em pânico por alguns minutos?!
-Você pode entrar em pânico depois que eu acabar meu sanduiche?
-MATEUS
-Ok, olha. Por que tá tão assustada assim, Alice? Como você mesma disse era pra ser só sexo. Por que não a trata como todas as garotas que caem de amores por você? Dá uma desculpa e pronto... A não ser que ela não seja como todas as outras garotas -Mateus riu.
-Tem razão, foi só sexo e... vai se foder, Mateus. -Ele riu mais ainda.
-Bem que eu queria, mas no momento temos aula de matemática e devemos aceitar e seguir em frente com o que Deus da pra gente, né?
Nós entramos em sala e o professor começou a explicar a matéria. Se passaram primeiro e segundo horário, nada dela. Eu me odiava a cada segundo mais só pelo simples fato de me importar. O sinal bateu marcando o terceiro horário e eu já estava me sentindo culpada por a ter deixado sozinha depois de transar com ela. Eu nem tive o trabalho de acordá-la. Droga, que maldita idiota eu sou. Eu já havia perdido as esperanças quando ela entrou na sala, falou algo com a professora e sentou em uma carteira la na frente. Ela parecia... Cansada. Tinha no rosto uma expressão triste, mas não é meu trabalho me importar. Talvez ela só estivesse tendo um dia ruim em sua vidinha cor-de-rosa.
-Acho que sua stalker está brava com você. -Disse Mateus
-Me poupou trabalho. -Dei de ombros.
Foi assim por vários dias, ela chegava, sempre atrasada, sempre sentava na carteira da frente também, me ignorava completamente e eu achava bem melhor assim, mas a tristeza que eu via em seus olhos todas as vezes em que meu olhar cruzava com o dela me incomodava. Era quinta-feira, ela não havia aparecido no colégio, eu fiquei até mais tarde na biblioteca pesquisando para o trabalho da semana seguinte. Perdi a noção do tempo e saí de lá por volta das 17:30. Resolvi voltar caminhando, a casa de Rafaela era no caminho da minha então eu sempre a procurava quando passava, a casa estava sempre vazia, silenciosa, mas hoje para minha surpresa ela estava lá, de cabeça baixa, sentada nos degraus do pátio. Travei uma guerra interna entre a ir falar com ela ou seguir caminho e a primeira opção ganhou.
-Oi.
-O que faz aqui?
-Você não tem aparecido muito, Math pergunta de você.
-Por que o "math" não começa a tomar conta da própria vida e para de ficar perguntando sobre a dos outros?
-O que há de errado com você, hein? -Eu disse virando as costas para ir embora.
-COMIGO? o que há de errado com VOCÊ pra ser tão fria e egoísta, o que diabos deve ter de muito errado pra te tornar essa pessoa desprezível assim? Sério? Eu imaginei que quisesse só sexo, mas não imaginei que você seria tão baixa a ponto de sair espalhando isso por aí.
-O que? Espera, eu...
-A droga do bairro é pequeno, as pessoas comentam, principalmente sobre "a menina de outro estado que chegou essa semana e é sapatão. Dá fácil pra todo mundo, se mete em brigas. Droga; É TUDO CULPA SUA. ELE ESTAR ASSIM É CULPA SUA. TODO O RECOMEÇO QUE ELE PLANEJOU FOI DESTRUIDO POR UMA GARRAFA DE BEBIDA E ESSE SEU EGO IDIOTA AGINDO EM CONJUNTO. Se fosse eu tambem estaria envergonhada de mim-Ela levantou a cabeça e seus olhos estavam vermelhos. Eu não estava entendendo nada.
-Rafaela, eu...
-Todos naquele colégio que tinham algo a falar sobre você estavam certos, você realmente não vale nada e não tem salvação. Tudo que você toca é destruído.
-PORRA, ME ESCUTA! Não me interessa se tu acredita ou não, mas eu nunca disse nada disso. A única pessoa com quem falo naquele colégio é o Mateus e ele não é um filho da puta como todos ali. Eu posso ser tudo isso aí, mas nunca faria algo do tipo com ninguém. Eu pensei que você fosse mais inteligente. Boa sorte em encontrar quem quer que seja que tenha espalhado isso. -Ela me olhava sem reação, com os mesmos olhos tristes e vermelhos quando um homem apareceu cambaleante na porta. Ele falava com uma voz embolada e pastosa e eu pude sentir o cheiro de bebida mesmo estando meio afastada.
-Então essa é... É -ele quase escorregou, mas conseguiu se apoiar na porta.- essa é sua amiga sapatao, filha?
Rafaela passou a mão nos cabelos e respirou fundo, creio que para tentar impedir as lágrimas de caírem mas não funcionou muito bem. Aquele senhor que agora descobri que era seu pai caminhou até mim, por vezes quase caindo enquanto Rafa tentava segurá-lo. Ele chegou perto de mim e fiquei enjoada. Eu amo bebidas. Odeio bebidas misturadas a sentimentos. Ele olhou para Rafaela e depois para mim, riu e disse:
-Saibam... Que eu tenho nojo de vocês.
Ele riu e caiu em cima de mim, mas eu o segurei.
-Vai embora daqui, Alice.
-Eu te ajudo com isso.
-Alice. Vai. Embora. Daqui.
Eu apenas a ignorei e a ajudei a colocá-lo para dentro. Ela o deitou no sofá, o cobriu e beijou sua testa. Só me dei conta de que estava parada observando quando ela virou e me encarou.
-Ele vai ficar bem? -perguntei.
-Pensei que não se importasse com nada nem ninguém. É o que dizem sobre você.
-Eles estão certos. Vou indo.
-Geralmente ele só acorda no outro dia.
-O que? -disse com a mão na maçaneta da porta, virando a cabeça em sua direção.
-Quando ele bebe assim, geralmente só acorda no outro dia. -Ela disse respirando fundo e sentando no sofá em frente ao senhor que parecia em coma.
-Vem comigo.
-O que?
-Vem comigo. Agora.
Abri a porta e saí, eu não sabia se ela viria, tinha medo de olhar pra trás e encarar a decepção. Mas logo meus pensamentos foram interrompidos por uma Rafaela ofegante pela breve corrida, ao meu lado.
-Pra onde... Pra onde você tá me levando? E como consegue andar tão rápido?
Eu apenas ri e apressei o passo, já era noite.
-Calada. Só... Vem comigo.
Eu não sabia o que estava fazendo. Realmente não sabia por que me importava com uma guria louca que conheci a 2 semanas atrás. Não sabia por que não conseguia fugir dela por mais que todos os meus instintos me levassem pra longe. Eu só sabia que, depois de tanto tempo vendo a tristeza cobrindo o brilho dos seus olhos, eu de alguma forma tinha que devolver vida à eles. Eu não era a melhor pessoa do mundo, não era a mais doce e amável mas eu andava pelas ruas da cidade, naquela noite de quinta-feira, com o vento batendo no rosto e uma certeza dentro de mim: a de que deveria fazê-la sorrir.