Liguei pra minha mãe avisando que dormiria fora.
Transamos durante a madrugada, cada vez ficando mais “romântico” ou “devagar”, talvez pelo cansaço, talvez não.
Depois ficamos conversando, ela citou um pouco de “romeu e julieta” e peguei no sono imaginando que se eu morresse bem ali, tinha vivido o suficiente pra eternidade.
Acordei com um beijo dela no rosto o que espantou todo o pensamento de que aquilo tudo tinha sido apenas um sonho.
Mila “está com fome? Fiz café da manhã pra gente”
Abri os olhos e dei uma olhada no quarto, se tinha achado uma bagunça quando cheguei, não sabia que palavra usar pra definir “aquilo”.
Ana “quero, tô morrendo de fome. Que furacão passou por aqui?”
Mila “o furacão Ana Paula, olha só como é suave em humanos”
Ela levantou a camisa comprida que tinha usado pra dormir e vi um corpo todo arranhado encima e embaixo da calcinha azul-escuro, ela me olhou e seus olhos sorriram.
Mila “mas eu não posso reclamar de nada, teu pescoço tá de matar”
Ah, não.
Corri ao espelho e quase gritei com o reflexo. Tinham 3 chupadas no meu pescoço, a camisa regata de Camila agora estava no meu corpo, e meu braço estava roxo também, da hora que ela apertou com muita força.
Tive até medo de suspender a blusa e ver o resto. Ela veio e ficou ao meu lado, nos analisando no espelho.
Mila “combinaram com a cor do teu cabelo” ela sorriu. Eu tentei dar um tapa nela de leve por repreensão da piadinha mas ela agarrou meu pulso e me beijou.
Ana “você é uma safada”
Mila “desconfie do que pareça óbvio”
Virei, ficando de frente pra ela. Ela colocou a mão na minha cintura e apertou. Doeu.
Ana “você me enganou, se queria me trazer no teu quarto era só ser mais clara”
Franzi a testa tentando disfarçar a dor. Deveria estar roxo ali.
Mila “te trazer pro meu quarto? Para de ser boba, não enganei você. Vem.”
Ela pegou minha mão e entrelaçou os dedos, olhei pro dedos dela e sorri comigo. Na porta do outro quarto ela soltou pra abrir a maçaneta.
O quarto era maior que o dela e estava pintado de azul fraco, vários brinquedos pelas prateleiras e uma cama-carrinho encostada na parede. Um abajur branco encima de uma cômoda de ursinhos. A cama perfeitamente arrumada. Pensei que fosse lá quem dormisse ali era bem mais organizado que Camila.
E na parede de canto e não menos importante, dezenas de livros enfileirados. Uau.
Depois de dar uma olhada nas divisões feita por ela mesma: suspense, romance, super romance, aventura e filosofia (ela disse gostar bastante); peguei um retrato que estava ao lado do abajur. Um garotinho sorria sem uns 2 dentes à mostra, o sorriso estava tão largo que franziu os olhos deixando mais linda ainda aquela foto. Parecia com ela, deveria ter uns 6 anos.
Mila “meu irmão Hugo, dono do quarto”
Ficamos conversando um pouco e descemos pra tomar café, olhei a hora no relógio da cozinha e faltava pouco pra uma da tarde. Poderia falar alguma coisa do horário, de perder a aula mas não queria estragar com nada. Estávamos novamente sozinha por que todo mundo já tinha saído ou pro trabalho ou pra escola. Tomamos o café que “ela fez” e rimos bastante. Tomamos uma ducha e transamos de novo. Ela me empurrou até o quarto dos pais mas eu entrei em pânico, já pensou se eles chegassem? Fui a empurrando aos beijos pela escada, tropeçando umas duas vezes na madeira. A tarde assistimos a um filme de desenho do irmão dela e umas 6 hrs da tarde falei que já precisava ir. Ela insistiu em me pagar um táxi dizendo que os ônibus estavam muito cheios aquele horário. Aceitei pra não ficar “discutindo” bobagem. Indo pra casa lembrei das roxuras no pescoço e no braço e tive um mini-surto. O que eu diria? Que caí com o pescoço na calçada? Okay, estava em uma enrascada. Passei um pouco de base e pó compacto mas minha pele era muito branca e ficou rosado demais, qualquer um perceberia. Liguei pra Amanda e falei pra ela assim que saísse da escola que fosse lá pra casa, ela concordou. Cheguei e nem sinal dela, fiquei enfrente a casa do vizinho esperando um sinal de vida. Depois de uns 40 minutos ela apareceu.
Ana “poxa, esperei uma eternidade”
Amanda “eu tô aqui não tô?” disse ela levantando o olhar que antes estava na bolsa de lado pegando o celular.
Amanda “nossa, quem tentou estuprar você?”
Sorri apesar da estupidez.
Ana “te conto assim que a gente entrar e você distrair minha mãe pra que eu não seja bombardeada de perguntas”
Amanda “se eu fosse tua mãe você tava ferrada”
Ana “cuida” disse a empurrando em direção a porta. Entramos juntas e ela foi abraçar minha mãe enquanto eu corria pro quarto, pude ouvir minha mãe perguntando qual era meu problema. Não ouvi a resposta de Amanda e tinha até medo de saber. Tomei uma ducha e olhei mais marcas no corpo, marcas de unhas de mordidas e roxuras. Terminei, coloquei um moletom e saí do banheiro. Amanda já estava lá sentada na cama com almofadas na costa serrando a unha.
Amanda “pode se explicar agora?” ela agia com aquele ar de gracinhas o tempo todo mas eu sabia que ela tinha ciúmes de mim, como amiga, assim como eu tinha dela.
Sentei na frente dela, pegando um ursinho de pelúcia e apertando no colo.
Ana “eu até tentei te contar uma vez mas nunca conseguia por diversas coisas...” parei, ela parecia concentrada, respirei fundo “Camila, eu sou apaixonada por ela e a gent...”
Amanda “peraí, você não tá falando da Camila que estou achando, tá?”
Ana “eu sei que você gosta dela”
Amanda “então ela que fez isso em você?”
Ana “Amanda, eu...”
Amanda “como é que você pôde? Ana Paula eu te contei tudo, contei que gostava dela, que fazia de tudo pra ter ela pra mim e você deu um tiro na minha cara!”
Ela levantou, a aura dela parecia pegar fogo, pensei que ela partiria pra cima de mim a qualquer momento, e eu deixaria ela me bater sem fazer nada, apesar de já parecer que tinha levado maior surra.
Ana “eu não mando nos meus sentimentos, eu me apaixonei e acho que ela está apaixonada por mim também...”
Ela virou, abrupta. Tentou não rir alto, mais seus lábios pareciam me matar com um sorrisinho de canto.
Amanda “apaixonada? Por que ela segurou sua mão e mostrou como é bonita a lua da sua janela?” gelei na hora e ela percebeu “ela não está apaixonada, ela te usou! Como me usou também”
Não queria saber a resposta mais meus lábios perguntaram antes que eu impedisse “vocês já transaram?”
Ela soltou o ar.
Amanda “ela não é incrível?” a pergunta parecia mais pra auto-resposta do que direcionada a mim.
-“sim” respondi mentalmente- “foi a melhor noite da minha vida”.
E saiu do quarto deixando a porta aberta e um buraco no meu peito aberto mais ainda. Eu não poderia acreditar que Camila tinha feito com outras o que tinha feito comigo. Eu por algumas horas pensei que dessa vez poderia ser ao menos um pouco feliz com a garota que -agora eu poderia dizer- amava. Mas não passou nem 24 horas direito e minha felicidade tinha saído pela porta junto com Amanda. Peguei meu celular e antes de desbloquear vi meu reflexo, puxei um pouco o moletom e as marcas estavam lá. Marcas que toda vez que eu as olhasse lembraria da noite mais incrível da minha vida, que agora só me faziam querer que sumissem o mais rápido possível.