Amanheceu rápido e eu nem notei. O brilho do sol tentava ultrapassar as cortinas e eu olhava fixamente pro forro do teto. Preferia que fossem telhas, que pelo menos eu as contava. Meu irmão antes de ir pra faculdade perguntou se eu não iria pro curso, disse que não, que estava me sentindo doente. Depois de muito tempo deitada, levantei e olhei pra uma Ana Paula coberta por um tom de roxo. Pescoço, braço e agora umas olheiras terríveis. Ótimo, era tudo que eu precisava.
A noite tinha sido como começar a assistir uma série do episódio 8, fiquei tentando encaixar as coisas, queria adivinhar como tinha começado. Pensei que coração partido não partisse. Mas me enganei. Quando deu umas 14h50 e eu estava na mesa encarando o café recebi uma mensagem. Mila “roubei teu número do celular da tua amiga do terceiro ano, por que não veio? Temos que estudar, me liga ou me atende mais tarde”
Responder era tentador. Mas minhas mãos foram incapazes de desobedecer meu coração.
“Idiota” sussurrei, como se ela me escutasse. Eu não tinha espírito pra encarar ela. E Amanda tão pouco. Mas pelo tanto que a conhecia, ela também não tinha ido.
Coloquei um filme no notebook e fiquei fingindo que prestava atenção. Li um pouco, falei com André (apesar do fim do namoro continuamos amigos), qualquer coisa que me mantivesse distraída.
Eu não queria rever a conversa com Amanda em meus pensamentos tanto por elas terem transado como por eu ter transado com Mila. Não deixou de ser uma traição. “Primeiro os manos, depois as minas” e nesse caso Amanda era o mano, minha irmã. E eu me sentia mal. Mas até onde eu abriria mão de um amor?
Ela me ligou 4 vezes pela noite e eu fiquei encarando o celular, combatendo a guerra entre atender ou não.
No dia seguinte tinha a tal da prova de segunda chamada de matemática e me odiei por ter perdido a primeira por causa de Camila, por causa daquela...garota! Se eu ia me dar mal na terça-feira, que tinha estudado, imagina agora que nem sequer tinha tido uma boa noite de sono.
Entrei na sala dos professores atrasada e Camila já estava lá com o professor Marcos e mais um garoto que eu não lembrava de ter visto pela escola. Ela me encarou mas sabia que não poderia falar nada e eu fiquei aliviada por isso. Fui a primeira a entregar a prova, peguei minha bolsa e sai sem olhar de volta pra ela. Assim que fecho a porta ela vai abrindo com força, a larguei e comecei a andar em passos largos.
Mila “por que você tá me evitando?” ela pegou no meu braço e me puxou pra escadaria do corredor do primeiro ano “por que tá me evitando?” repetiu mais alto por não ouvir uma resposta.
Não tinha ninguém ali, estava todo mundo em aula.
Ana “quando a gente evita uma pessoa, a gente evita falar também”
Mila “o que?” ela sorriu como se tivesse adivinhado “não liguei no dia seguinte?”
Tentei não sorrir pra levar a conversa a sério.
Mila “eu nem sequer tinha o teu número até ontem”
Ana “tô me sentindo bem melhor agora”
Mila “não vai fazer caso por causa disso vai?”
Ana “e o que acha de eu fazer caso sobre você ter transado com Amanda?” ela não pareceu se abalar nem um pouco “já colocou meu nome na tua lista? Ou era uma aposta com o seu amigo como me levava pra cama?!”
Mila “enlouqueceu?”
Ana “transar com ela, tudo bem! Agora usar os mesmos truques? Você não poderia ter sido mais canalha!” ela ainda segurava meu braço, cada vez parecendo o apertar mais “ME SOLTA!”
Ela soltou, como se não tivesse percebido que ainda me segurava. Saí, com raiva. O que ela pensava que era pra entrar na minha vida e tornar tudo tão destrutivo assim? Não quis ir pra sala e entrei no banheiro. Respirei fundo tentando me acalmar. Nem estudar mais eu queria, por causa dela. Por causa de tudo nela.
Como se eu tivesse deixado rastro pelo caminho ela entrou no banheiro fechando a porta principal. Desejei ter sido mais esperta e ter fechado a porta antes, ou até mesmo ter saído da escola.
Mila “me escuta” ela deu uns passos e eu desviei tentando fugir “PORRA ANA PAULA, só... me escuta”
Não me atingiu com palavras mas sua presença em pessoa me encurralou, entre a pia e uma das cabines.
Ela me beijou, trazendo à tona todo sentimento, toda eletricidade que aqueles lábios me causavam.
Não tinha gosto de cigarros ou álcool como das outras vezes, era suave e tinha gosto de Camila.
Ela parou, afastando a meu rosto com cuidado com uma de suas mãos.
Mila “vê o que você causa em mim?” ela pegou minha mão direita que estava solta sem reação e colocou encima do seu peito esquerdo. Um coração. Então ela realmente tinha um... e palpitava forte, descompassado. Me senti complicada, sem saber dizer o que exatamente aquilo significava pra ela.
Ana “gasolina acaba, pessoas morrem, aviões voam, corações aceleram...” falei, tentando disfarçar o embrulho no meu estômago “acontece”
Mila “sempre te achei criativa” e me beijou de novo, como se já estivesse tudo bem.
A empurrei, mas foi devagar.
Ana “e Amanda?”
Mila “ela é tua melhor amiga, qualquer coisa que sair da minha boca vai ser desprezível”
Concordei mentalmente.
Ana “isso não muda o fato de você ter transado com ela”
Mila “quer falar de sexo comigo, presa no banheiro?” sorri por seu jeito promíscuo “passa lá em casa hoje que eu respondo o que você quiser”
Seus olhos me faziam esquecer que deveria levar aquele assunto em rédeas curtas.
Ana “tá bem” abaixei a cabeça e tentei sair por entre seus braços, mesmo sabendo que seria inútil.
Ela me puxou, até que meu corpo estivesse caído sobre seu corpo, nossos lábios estavam tão próximos que minha respiração era quase o ar que saía dela.
Mila “não está esquecendo nada?”
Ana “o endereço?” falei baixo “acho que consigo lembrar...”
Ela sorriu pelo meu sarcasmo e me atacou com um beijo doce. Era calmo e fizeram minhas mãos relaxarem em seu pescoço. A mordi, fazendo-a soltar um grito agudo e um palavrão em seguida. Peguei minha bolsa mandei um beijo pra ela e saí. Já era fim do terceiro horário e eu nem tinha entrado na sala de aula.
No intervalo ela estava com Isaac e Alan e mais uma garota, a loirinha caloura. A loirinha uma hora ou outra dava uma “investida” em Mila e ela apenas sorria e deixava. Eu estava quase cuspindo fogo mas não conseguia parar de olhar. Sempre fui muito ciumenta e sabia que ia comer dobrado com Camila, ela era livre demais pra minhas crises de ciúmes.
As últimas 3 aulas se arrastaram. Meu pensamento estava longe, Amanda não havia ido pra escola de novo. Até quando ela iria me odiar? Será se, pelo menos, me perdoaria por continuar com Camila mesmo depois do que houve?
Quando saí ela não estava na porta como de costume, tentei encontrar um dos amigos dela pra perguntar se ela já havia ido, mas nada também.
Fiquei conversando um pouco com Laís, tomando um sorvete. Fomos embora juntas. Em casa tomei uma ducha demorada e disse pra minha mãe que iria na casa de uma amiga e que não demorava. Coloquei um macacão curto e gladiadoras rasteiras, pensei em ligar pra ela no caminho pra confirmar mas desisti rápido da ideia.
Não demorei a chegar. Toquei a campainha, ninguém apareceu. Toquei de novo, nada. Já estava quase indo embora quando a porta se abriu. Tive que olhar bem pra baixo pra ver quem estava ali parado.
Ana “Hugo, não é?”
Hugo “é. Entra, Camila acabou de chegar”
Eram quase 10 da noite e saíamos da escola às 6h30, me perguntei se ela chegava aquele horário todos os dias, e o que fazia nesse intervalo de tempo além de beber e fumar.
Olhei pro garotinho, qualquer um na rua ou em outro lugar, juraria que é filho de Camila, até o sorriso já tinha um jeitinho meio cínico, os dentes que estavam faltando na fotografia que estava no quarto dela já estavam de volta.
Hugo “pode subir, esperar ela no quarto”
Ana “tá okay”
Ele sentou-se no chão onde tinha um boneco do capitão américa e ficou encarando o desenho que passava na TV. Subi as escadas e ouvi o som do chuveiro. Entrei no quarto dela e sentei na cama. O quarto estava um pouco menos bagunçada do que a última vez em que eu estivera ali. Peguei um sapinho que ela disse se chamar “calvin” e o abracei. Vi que embaixo dele tinha um caderno enrolado em um fio grasso que pertencia a sua própria capa. O encarei tentando adivinhar o que seria, mas na realidade não era tão difícil assim. Um diário. Talvez uma oportunidade única de conhecimento de uma confusão chamada Camila. Desamarrei o nó que estava o prendendo em forma oval, respirei fundo e tentei não me arrepender um segundo depois.