Três Formas de Amar – Capítulo 21
Não sei como eu não engasguei com o que estava mastigando. Queria responder outra coisa, algo mais elaborado, mas só consegui ser breve:
- Ah, bacana...
Olhei para Rodrigo, que estava mais sério. Malu prosseguia com a sinceridade:
- Menos mal que o primeiro que a gente conhece parece ser gente boa... Apesar de bastante tímido. Quer uma água? – disse rindo.
- Para de perturbar o menino Malu! – Dona Marta recriminou – Meu filho, não ligue não, ela é assim abusada mesmo viu? Não sei a quem puxou.
Rimos todos novamente, apesar de me sentir no olho de um furacão. Sim, eu estava potencializando o rumo daquela conversa. Rodrigo resolveu quebrar o gelo:
- Não fica falando essas coisas não, que ele fica se achando Malu! – disse ainda rindo – Fica assim vermelho pra disfarçar. Paga de introspectivo, mas se gaba todo!
Àquela altura, já não sabia mais qual era a tonalidade do nível da vergonha. “Vou te matar!”, tentava dizer com o olhar. Rodrigo percebeu que estava pegando pesado e começou a mudar de assunto:
- Ô Dona Marta, não rola um pacote de pão de queijo pra eu levar pra Salvador não?
- Pode deixar que eu vou separar, esfomeado.
- Não é pra mim não mãe, olha o estado dessa criatura – disse me apontando – parece que veio do deserto!
Mais gargalhadas. “É, a zoação é de família”, pensei.
...
Passamos uma tarde bastante agradável. Dona Marta me levou para conhecer o apartamento, especialmente o quarto do Rodrigo, que mantinha intacto. Fotos de sua adolescência em times de vôlei, medalhas penduradas, livros juvenis, prêmios de melhor aluno. Era uma mãe bastante coruja. Achava aquilo tudo encantador. Da sala, conseguia escutar Rodrigo e Malu colocando o papo em dia. Entre um álbum de retratos e outro, descobri que ele perdeu o pai quando ainda era criança, em um acidente de carro, por isso se apegou bastante à mãe. Quando se mudou para Salvador, ela sofreu bastante, mas sabia que era um grande passo para o filho.
- Eu não conheci o meu pai – falei olhando as fotos em família – Ele morreu quando eu ainda era um bebê.
Dona Marta parou para prestar atenção na minha fala, e se mostrou ainda mais interessada na minha pessoa depois daquela revelação.
- Faz uma falta né? – ela disse baixinho.
- Ô se faz. Mas minha mãe soube ser guerreira e me criar sozinha. Ela me bastou.
Dona Marta esboçou um sorriso e passou as mãos nos meus ombros, com um ar de admiração. Prosseguimos com o tour que abria para mim toda a vida do meu namorado. Aquela família me pareceu bastante unida. Rodrigo apareceu, para ver em que enrascada eu estava metido:
- Fotos de criança né Dona Marta? Eu já imaginava.
- Vim mostrar seu quarto, pra ele ver que você é um menino direito.
Rimos os três. Rodrigo olhou para aquele espaço arrumado e deu um suspiro nostálgico. Dona Marta perguntou se ele queria levar alguma coisa para Salvador, fazendo-o olhar um ou dois livros, pensando na ideia, mas logo desistindo. Resolvi deixa-los a sós para matarem um pouco a saudade e voltei para a sala, onde Malu terminava de retirar as coisas da mesa. “Por favor, não me pergunte nada...”, implorava com a mente. Foi em vão, é claro:
- Então... Como vocês se conheceram? – ela tinha o mesmo sorriso do irmão, de quem te convida para ser um grande amigo.
“Putz, será que Rodrigo já contou alguma coisa pra ela?”, pensei rápido.
- Nós jogamos no mesmo time de vôlei lá em Salvador. Começamos a descobrir alguns interesses em comum, trabalhamos na mesma área e nos aproximamos conforme o tempo passava.
- Que legal! Vocês são bem bonitinhos juntos.
Corei mais uma vez, fazendo-a emendar com outra tirada:
- Não vou nem perguntar quem tomou a iniciativa, porque a sua cara já denuncia que não pode ter sido você – disse rindo.
“É, talvez seja melhor você não saber de muitos detalhes... Você ficaria chocada”.
Rodrigo retornou à sala com a mãe, alertando que já estava escurecendo e era hora de voltar para o aeroporto.
- Poxa, venham com mais calma, para passar mais tempo. Essa visita não valeu não! – Malu já se dirigia ao irmão, pesarosa.
- Luciano! Olhe, separei um pouquinho pra você – Dona Marta veio com um pacote cheio de pão de queijo – e um pouquinho pro Digo.
- Nossa, não precisava Dona Marta – ruborizei – Obrigado, de verdade!
- Precisava sim... Só não precisa agradecer, você agora é de casa.
Malu veio até mim, me puxando para um abraço:
- Luciano, foi um prazer te conhecer viu? Saiba que é sempre bem-vindo.
- Obrigado. Da próxima vez, prometo que venho com mais tempo.
Ela sorriu e se aproximou do meu ouvido:
- E cuide bem dele...
Já nem me importava mais com a cor do meu rosto. Sabia que minha cara permanecia vermelha:
- Pode deixar.
- Ei, ei, vamos parar de ficar cochichando aí! – Rodrigo veio até nós, tentando me salvar de algum constrangimento.
Após a sessão despedida, Dona Marta veio com uma sacola cheia de comidinhas. Não resisti e dei um abraço nela, agradecendo por ser tão mãezona. Disse pra gente se cuidar, ter juízo e essas coisas que toda mãe preocupada fala. Em seguida, tentou evitar uma sessão chororô e partiu rumo ao elevador, enquanto Rodrigo dava mais um abraço na irmã.
...
Já estávamos sentados no portão sinalizado pelo bilhete, aguardando o embarque ser anunciado. Estava calado, não por falta de assunto, mas por estar pensando em tudo que tinha acontecido nos últimos dois dias.
- Tudo bem? – Rodrigo me acordou do transe.
- Tudo... – respondi sorrindo.
Mais alguns segundos e resolvi falar o que estava sentindo:
- Rodrigo... Eu não tive a oportunidade de falar lá na sua casa, mas eu queria te agradecer por tudo que você fez, de coração. Passei dias maravilhosos e tenha certeza de que não esquecerei.
Rodrigo sorriu brevemente, mas se manteve em silêncio. Alguns minutos depois, ele retomou o assunto:
- Sabe Lu... Hoje foi um dos dias mais felizes da minha vida.
Ele me olhava novamente sorrindo, e prosseguiu:
- Não tive muitos namorados. Foram precisamente três. E nunca chegaram a ter uma longa duração, coisa de poucos meses. Enxergava mais uma atração sexual do que um sentimento verdadeiro. Passei uma época da minha vida muito confusa, que foi quando passei a transar com mulheres também. Mas sempre parecia vazio e sem sentido. Estava me enganando e comecei a questionar o que seria amar de verdade.
Segui prestando atenção no que ele me dizia.
- Quando te vi pela primeira vez, lá no clube, senti uma atração sim. Mas para mim era só isso, confesso. Te achava bonito e pensava mais em sexo do que em outra coisa. Olhava você pelado e fantasiava a gente transando, o que você diria pra mim, como ia fazer... Alimentei ainda mais essa ideia depois daquela noite com Luiza, e achava que não passaria disso.
Vez ou outra passava alguém perto da gente e ele ficava um instante em silêncio, aproveitando para pensar. Em seguida, continuava:
- Da primeira vez que a gente transou lá em casa, enxerguei um novo parceiro sexual surgindo, mas todas as conversas, atitudes e gestos que vieram a seguir me despertaram uma sensação diferente. Tentava encontrar algo naquilo que me soasse familiar, mas era algo realmente novo. Comecei a querer estar sempre com você, queria te contar do meu dia, o que estava se passando pela minha cabeça. Comecei a ter ideias do que fazer para estarmos juntos, mesmo depois de toda a confusão do trabalho, como seria se a gente fizesse planos, e percebi que tudo isso não poderia ser uma simples atração apenas.
Fitava-o completamente sério e percebi seus olhos marejarem.
- Sabe... Eu sei que é tudo muito recente, e pensei um pouco antes de dar esse pulo aqui em Minas. Mas, independente do quão longe isso irá chegar ou o que vai acontecer, queria que você soubesse que te levei lá em casa hoje porque já te considero um cara muito especial. Você não tem que me agradecer nada não velho... Eu que tô feliz pra caramba por você estar aqui comigo.
Confesso que estava com um nó na garganta, travando os dentes. Queria gritar o quão apaixonante, o quão foda, o quão tudo ele estava sendo pra mim naquele exato momento, mas só encarava o seu olhar. Segui para um abraço apertado, ainda sentado, que durou alguns segundos. Já não me importava tanto com os olhares à nossa volta. Respirei fundo, conseguindo superar a vontade de chorar, e respondi:
- É muito recente sim. Mas em pouco tempo você me apresentou coisas que provavelmente não descobriria, e continua me mostrando. Acho que nenhuma pessoa fez isso por mim – agora eram os meus olhos que marejavam – Saiba que também foram os dias mais felizes que passei. Obrigado por compartilhar sua vida comigo.
Ele sorria, franzindo a testa e passando a mão no olho, virando-se para frente, para disfarçar. O fator emoção estava forte. Achei melhor quebrar um pouco o clima, já que em breve seria capaz de ganharmos uma plateia:
- Sua família é maravilhosa, “Guinho” – olhei percebendo que tinha arrancado uma risada sua - Sua mãe e sua irmã são pessoas incríveis. Você tem muita sorte.
- Tenho sim – ele passava a mão no nariz, ainda fungando, mas já com o choro sob controle – Devo tudo a elas.
- Não fazia ideia de que elas sabiam sobre você.
- Depois que meu pai morreu, minha mãe sempre dizia que não havia nada que não pudéssemos superar. Sempre tivemos abertura para falar sobre tudo. Acho que na minha adolescência, eu já sabia. Preferia estar com meninos a sair com garotas. Quanto contei, ela agiu da forma mais natural possível. Me chamou para conversar, disse que era normal, me deu muito apoio e sempre entendeu sobre eu querer ficar na minha quando o assunto era esse. Mas ela reagir bem não significa que o resto do mundo também irá fazer o mesmo...
- Eu sei... mas que bacana que vocês são assim unidos.
- É, só a Malu sabia de você, provavelmente ela foi fofocar com a Dona Marta – disse já rindo – Na semana passada comentei um pouco sobre a nossa história, omitindo os detalhes sórdidos, é claro.
- Putz, e ela me perguntou na sala como a gente se conheceu – alertei – Disse que foi no vôlei.
- Relaxa, ele queria puxar papo pra você se sentir mais à vontade. Eu também disse a mesma coisa a ela. Somos muito confidentes.
A conversa continuava mais animada. Rodrigo abriu a sacola que sua mãe nos entregou e descobriu um pote de doce de leite, com duas colheres plásticas presas por um adesivo, no meio de um monte de guloseima. Soltamos uma risada gostosa, pensando em todo o carinho que ela tinha depositado naquele embrulho para nós dois. Entre uma colherada e outra, conversamos sobre tudo o que nos despertava curiosidade. Falei sobre a minha vida social inexistente e da minha introspecção, ele falava sobre a época em que se descobriu. Contava sobre a minha odisseia com a psicóloga, ele dizia sobre a dor que sentiu quando perdeu a avó. Explicava a falta que sentia da minha mãe, ele teorizava sobre a solidão nos primeiros tempos de mudança. Foram preciosos minutos que nos aproximaram ainda mais, criando um laço que só aumentava o nosso apreço pelo outro, e só foram interrompidos quando anunciaram a chamada para o nosso voo.
O cansaço do dia apertou e como já era tarde da noite, boa parte dos passageiros procurava dormir. Quando me dei conta, Rodrigo estava com a cabeça repousada no meu ombro, cochilando. A senhora do outro lado do corredor e uma aeromoça perceberam, mas resolvi deixar. Aquele descanso era merecido e me presenteava com mais um momento que só coroava aquele dia fantástico que vivemos.
...
De volta a Salvador, já no meu prédio, Rodrigo fez menção de pegar o carro dele e ir para casa.
- Não mesmo, você tá parecendo um zumbi – retruquei – Dorme aqui.
- Não Lu. Ainda tenho uns relatórios para preparar de manhã, antes de ir para a empresa.
- Usa meu laptop e fica aí o tempo que precisar. Tô falando sério, você não vai pra casa assim não...
Ele se deu por vencido e levou a mala para o quarto. Fomos para a cama e, só de cueca, adormecemos esgotados. Na manhã seguinte, meu despertador denunciava um sono mal dormido e eu custava a acreditar que já era hora de trabalhar. Rodrigo ainda dormia, com um braço na minha cintura. Olhava para o seu rosto sereno e só conseguia pensar sobre como aquela conexão estava sendo fortalecida. Os nossos corpos se encaixavam perfeitamente, a gente se entendia, nossos olhares diziam tudo o que o outro precisava saber. Parecia que já nos conhecíamos há muito tempo. Fiquei um bom tempo prestando atenção na sua respiração, nas curvas do seu corpo, em como aquelas pequenas sardas no seu rosto ainda mexiam comigo, no quanto ele me transmitia calma e segurança, e senti meu coração aquecer.
“É Zé Sarda, não tem jeito... Acho que eu estou te amando pra valer...”, sorria para ele.
(continua)
...
Oi pessoal! Como vocês podem ver, estamos entrando num fase “in love” da história. Espero que continuem gostando. Karlinha Angel, eu estragar tudo? Jamais (rs)! Stylo, pois é, esse sacana tem sempre uma carta na manga. Drica Telles, também achei a família dele muito legal, eles são cativantes demais! Irish, realmente foi uma sorte grande. Em relação à balada, não fomos na The Week e sim na Bubu Lounge (o nome é meio esquisito, mas achei bem diferente) e não, estou longe de ser um veterano nesse universo (rs). KaduNascimento, calma, não se antecipe (hehe)! A viagem foi boa demais, realmente. GuidoRJ, te passei um email! Aliás, quem não está acompanhando “Camilo” também não sabe o que está perdendo. Pessoal, mais uma vez, muito obrigado pelos votos e comentários. Amanhã tem mais. Beijão!