Bernardo não era de outro estado, era daqui do Piauí mesmo. Tinha 22 anos, gostava de jogar futebol e do curso de Administração (mas não gostava de Recursos Humanos) e não tinha muitos amigos por conta do jeito grosseiro as vezes. Tudo isso foi o que eu descobri enquanto caminhava com ele do banheiro até a saída.
- Seu nariz muito provavelmente amanheça doendo mais ainda e roxo. Vai na farmácia e pede algum remédio que possa ser comprado sem receita. – eu disse parado perto do posto dos vigilantes na saída da universidade.
- Tudo bem. Eu já esperava mesmo... – ele disse triste olhando pro chão. – Eu poderia oferecer carona mas você não tem capacete e minha carteira é provisória então...
- Eu vou com uma amiga, ela já tá me esperando.
- Então até qualquer dia... – ele se despediu e se virou pra sair.
E aí? Ia ser isso? Até qualquer dia? Não, agora eu queria mais. Muito mais que só isso.
- Me dá seu número! Você usa Whatsapp ou qualquer coisa?
- Não com muita frequência, não tenho muito com quem conversar não. Mas como eu não tô em posição de te negar nada, anota.
Após me passar o número ele saiu. Notei que ele estava mancando, deveria estar sentindo dor da queda.
Eu peguei o número e atualizei o Whatsapp. A foto do perfil era ele com um daqueles bonés grandes escritos “NY”. Fui pra casa aquela noite pensando em conversar sempre com ele. Trocar uma ideia e tentar ver se de longe ele talvez curtisse algo com um cara. Quem sabe né?
Só que isso não aconteceu. Bernardo já não checava as conversas há três dias, com os dois que se passaram desde aquela noite foram cinco dias e nada. Poxa, porque ele sumia assim? Resolvi deixar um recado.
“Bernardo como tá seu nariz?”. Nem visualização eu recebia.
Ele respondeu só no dia seguinte.
“Lucas, e aí? Tá roxo, velho... Bem inchado e o médico disse que vai ficar assim uns dias. Peguei atestado pra faltar na universidade. Como você tá?”
“Eu estou bem! Fazem três dias. É normal ainda estar inchado e roxo. Melhora logo, você vai ver. O difícil vai ser repor as aulas, vai ter que ralar muito.”
Respondi rápido na tentativa dele ainda ver e me responder na mesma hora. Por sorte eu acertei.
“É eu sei. Tô com problemas em recursos humanos, acho que vou repetir essa porra. Não aprendo aquilo. Gosto de cálculos e você?”
“Eu nem tanto. Tô com problemas em contabilidade de custos. Chatice.”
“Então tá perfeito. Me ensina um que eu te ensino o outro pow!”
“Sério?” – digitar MEN-TI-RA! pegaria mal então...
“Sério. Você não quer? Só espera eu melhorar...”
“Tá bom. Me avisa quando estiver melhor.”
Ele não respondeu. Dez minutos depois ele falou.
“Onde você mora?” - Expliquei meu endereço com um ponto de referência. - “Acho que sei mais ou menos onde fica. Tô saindo... valeu.”
Porque ele sumia assim? Você tá batendo papo e de repente “Tô saindo!”. Qual é? Isso me irritava. Cara idiota. Fiquei em casa o dia todo. Era segunda, mas não tinha aula. Meu celular tocou. Era o Bernardo.
- Alô?
- Acho que tô na frente da sua casa. Sai aí fora.
Eu fui cambaleando pra calçada. Fazia um sol de matar, em plena duas da tarde. Bernardo não estava em frente minha casa, estava umas três casa a frente. Voltou. Estacionou e tirou o capacete com dificuldade, bem devagar. O rosto dele estava roxo na região T. Um pouco inchado.
- Cara entra, você nem deveria estar nesse sol...
- E aí, tudo bom? – ele falava sem dar atenção enquanto olhava no espelho da moto ajeitando o cabelo.
- Não pensei que você viesse aqui. Não hoje.
- Mas eu vim. Olha só, eu vim porque tô em dívida contigo e eu não mantenho dívida com ninguém. Vim te chamar pra dar uma volta por aí. Topa?
Ele disparou aquilo do nada. Estava parado com os braços cruzados segurando o capacete. Eu concordei, peguei um capacete do meu primo e saí com ele.
- Pra onde você quer ir?
- Vamo pro shopping, praça de alimentação tá bom.
Saímos e em poucos segundos ele já estava bem rápido nas avenidas. Ele desviava dos carros com muita habilidade. Eu já estava com medo. Pensava que íamos quebrar os retrovisores dos carros de tão perto que passávamos. Chegamos e eu desci da moto me tremendo pela adrenalina.
- Gostei. Não reclamou da velocidade. Isso é raro. – ele disse olhando no espelho pra arrumar o cabelo. Deu um tapa no meu ombro pra irmos. Fomos pra praça de alimentação e escolhemos uma mesa. – Pode pedir o que você quiser. – ele disse sentando com as pernas um pouco abertas na cadeira. Tinha um charme natural. Era diferente.
Enquanto eu fui pra pedir algo pra não precisar ver mais que o suficiente aquela escultura esparramada na cadeira, Bernardo ficou olhando as pessoas e batucando os dedos na mesa. Eu via de longe. Voltei com algumas coisas pra comer.
- Então você manda mal em cálculos é?
- É. Super mal. Mas eu gosto de RH.
- Você vai ter que me ensinar então... impossível aprender aquilo.
- Normal, você não tem paciência.
- Como é que é?
- Você não aprende porque não tem paciência pra entender as pessoas. Recursos humanos é isso. Administração de pessoas, você não parece se importar muito com as pessoas então não entende a disciplina. Prefere o cálculo. Ou é ou não é, direto, reto, sem enrolação. Se fizer certo dá certo, senão não dá. – eu soltei sem perceber. Putz! Ele ficou um pouco em silencio. E eu também, mas por vergonha.
- É assim mesmo. Eu não sou muito paciente. Minha namorada terminou comigo na sexta. No dia do jogo. – ele passou de leve o dedo indicador no nariz.
- Você tinha namorada? – ele era hetero! Tá vendo!
- Tinha. Da minha turma até... terminamos porque ela disse que eu era muito ciumento. Você tem namorada?
- Não. – não saiu mais nada.
- O negócio é que eu sou ciumento mesmo. Ninguém aguenta.
- É chato mesmo. Tem que maneirar. Ninguém precisa de vigia 24 horas. É um porre, acredite!
Ele calou de novo. Segunda patada que eu dava sem perceber. Ele soltou um risinho.
- Então quer dizer que você entende as pessoas?
Eu levantei o olhar e o vi sorrindo de leve.
- Tento.
- Hum... Só há uma pessoa que me entende. O Brutus. Meu cachorro. Não importa como eu chegue em casa ele tá sempre alí me esperando sem questionar, pronto pra ficar comigo.
- Não tenho animais. Meus pai cria cachorros e os dele tem o mesmo comportamento.
- Além disso, do ciúme e tal, eu tô passando por outro problema. Talvez você possa me ajudar. Na verdade eu não tenho pra quem pedir ajuda senão você.
- Diz aí.
- A minha mãe é advogada. Passou num concurso pra oficial de justiça em outro estado e já tá vendo imóveis lá, porque a gente mora de aluguel. Só que eu não quero ir embora e ela não quer discutir, disse que eu vou e pronto. Disse pra eu transferir o curso pra alguma particular lá. Eu não quero ir cara... não quero.
- Já pensou de continuar aqui no aluguel?
- Pra quem pagar? Tô procurando emprego já pra ver se fico porque ela disse que não vai pagar prestação de casa lá e aluguel pra mim aqui. Que saco. Você mora com tios né? Poderia vir dividir despesa comigo. O que você acha?
Não me lembro de ter mencionado pra ele que morava com tios. Eu segurava uma batata frita perto da boca. Eu não parei pra pensar em como seria se eu fosse, mas algo lá no fundo dizia que seriam muitas consequências caso eu aceitasse.
- Você nem me conhece direito Bernardo.
- Sei seu nome, tenho seu telefone, a casa tem dois quartos, você é um cara legalzinho, me ajudou com o nariz e tal... – o que esse legalzinho significou eu não sei. Mas não gostei.
- Eu teria que ver. Eu já estava cogitando mesmo em sair da casa dos meus tios, eu não tenho espaço lá. Casa alheia é terrível. – eu parei pra pensar.
- Mi casa, su casa brother! Vamos pagar o aluguel, então a casa é da gente, não mais só minha. Só tenho que convencer a minha mãe a pagar enquanto eu arranjo emprego.
- Você tá falando como se eu fosse mudar amanhã. A gente tem tempo pra ver isso. Quando sua mãe vai embora?
- Há qualquer momento. Tá esperando só ser chamada.
- Vou pensar nisso.
- Como ficam nossas aulas particulares?
Passamos o resto da tarde vendo os horários pra gente se encontrar e um passar a matéria pro outro. A semana passou sem que eu o visse de novo. Chegou a fazer falta mesmo. Ele não checava o whatsapp com frequência então as mensagens eram visualizadas horas depois de eu enviar algo. Ele respondia sempre genérico, não era de conversar mesmo.
- Isso tudo são os métodos de avaliação de desempenho dos funcionários. Entendeu?
- De boa. – ele falava mordendo a caneta. – Acabamos por hoje?
- Sim.
- Bem diferente do professor Carlos. Acho que talvez não repita mais a disciplina, moleque. – ele sorriu.
Era sábado, estávamos na minha casa estudando RH. No domingo ele me buscou pra irmos estudar contabilidade na casa dele.
- Entra aí e espera aqui. Não se meche, eu tô falando sério hein!
Ele se distanciou pela lateral da casa. Voltou com um cachorro enorme pastor alemão na coleira. O pelo preto brilhoso. O cachorro começou a latir alto quando me viu. Avançou e deu um soco na corrente que eu pensei que o Bernardo não ia conseguir segurar, mas com muito esforço ele segurou. Eu me assustei e bati as costas no portão.
- Calma! Brutus, quieto! – O cachorro estava sobre duas patas com o pescoço sendo puxado pela corrente. Que pavor! – Já chega! – Bernardo gritava. - Quieto! – O cachorro obedeceu. Ele trouxe pra perto de mim. Eu estava colado no portão querendo saber como abrir aquilo e me mandar! A testa do Bernardo estava suada de tanto esforço. – Ele precisa te cheirar pra te reconhecer. Agacha e fica parado.
O cachorro cheirou meu cabelo e minhas costas.
- Você adestrou esse cachorro?
- Não fui eu, mas adestrei sim. Gastei uma nota mas valeu a pena. Vamo entrar. – ele disse e soltou a coleira do cachorro.
Entramos na sala e ele me levou pra cozinha. Não era uma casa de luxo como se espera de uma advogada mas era aconchegante. Não era muito grande porque o aluguel nem era tão caro. Eu fiquei esperando na mesa enquanto ele trazia do quarto os livros.
- Por isso que as pessoas dizem que sou mal educado. Nem te ofereci nada... Senta aí. Quer comer algo?
- Não, estou bem...
Ele começou a me explicar tudo.
- Isso são balancetes. Você sabe né?
- O que são sim, já como fazer um... talvez.
- Tô vendo que o trabalho vai ser duro... Ratear você sabe?
- Um pouco. Só confundo as contas as vezes, mas o processo em si eu sei.
A gente riu. Ele foi explicando tudo com cuidado e eu tentando ao máximo prestar atenção. Difícil com ele com cara de inteligente sentado do meu lado explicando cálculos. Um tesão. Terminamos tudo.
- Você não tem muitos amigos né?
- Não. Você é o primeiro. – ele dizia arrumando o material.
- Porque? – eu queria arrancar respostas.
- Não sou bom com isso. Logo eu vou sujar as coisas contigo, você vai ver. Sempre acontece...
- Não é bom?
- Não sei gostar de ninguém. Ou gosto demais, ou gosto de menos.
- Não entendi.
- Vai entender. “Me dê dinheiro e me mande embora mas não me dê intimidade.” – ele riu depois que citou o ditado. - Vem, tá tarde. – ele disse sem olhar pra mim, pegou os livros e levou pro quarto.
Estava na sala esperando Bernardo quando a mãe dele chegou.
- Bernardo sua moto está na calçada, você deveria guardar porque já está escurecendo e hoje é domingo, a rua está deserta. Você terminou seu remédio pro nariz? – ela entrou na sala e me viu.
Bernardo saiu rápido do quarto.
- Mãe... – ele procurou as palavras. - Esse é o Lucas. Vamo Lucas.
- Então é você? - Ela jogou a pasta no sofá e cruzou os braços meio irritada. – Esse menino não fala em mais ninguém a não ser você durante a última semana. Eu tenho um aviso pra lhe dar rapaz.
- MÃE! – Bernardo gritou tão alto que Brutus latiu do quintal. Ela continuava imóvel me olhando séria.
O que era que tava acontecendo alí?
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Três dias sem internet e sua vida vira uma bagunça. Muito bem meus leitores queridos, aqui vão suas respostas.
love31: Você vai encontrar um Kaio cara! O Lucas amansou a fera dele. Tenta você também mas cuidado pra não dar muito na cara. rs
T.P.: Ainda bem que você gosta do meu estilo de escrita. Por vezes eu acho que detalho e acabo enrolando demais. Daí o conto fica grande e cansativo. Mas sei lá... normalmente os contos que gosto são sempre grandes e detalhados, daí tento fazer a mesma coisa.
GuidoRJ: Cara! Eu tô lendo seu conto. Está demais. Vou ler o capítulo 6 hoje! Já tá carregado offline no celular o/
Irish: Eu lembro de cada leitor do primeiro conto, inclusive de você. Obrigado por continuar lendo o que eu escrevo. Não vou comentar do Bernardo porque o Kaio tá lendo os contos então... pois é. Mas... ELE É MUITO GATO! Pronto.
narciso_p: Fique a vontade!
yumi: Eu recebi seu email. Já resolvi o problema com o texto dois. O tempo que ele passou fora do ar foi suficiente pra me arrancar umas 100 visualizações :( Kaio recebeu seu beijo. Não tô pensando em continuação não, desculpe. Vamos adotar você também. rs. Ah, as partes de sexo vão demorar um pouquinho pra chegar. Na minha história teve sexo no capítulo 8 não foi? Acho que essa talvez seja por aí...
geomateus: Sempre noto que seus comentários são iguais aos de outros leitores. Tanto nos meus contos como nos contos de outras pessoas. Alguma coisa que eu não sei?
mille***: Estamos! Muito bem aliás!
esperança: obrigado pelo comentário.
vitinho: Leia nossa história! haha Obrigado!
Drica (Drikita): É aí que mora o problema. Minha escrita com o quê de romantismo. Muita gentenão gosta. Só que eu não sei escrever de outro jeito. Eu só sento em frente o PC e começo. Escrever aqui é um hobby. Depois que fiz a primeira vez não consigo parar.
bruno eh igor, DAVID: Obrigado!
May Lee: Eeeeh! Ganhei mais uma que gosta de romances. Graças a Deus! Beijo!
marcelo8486: Sei bem como é isso. Eu tô com uma lista de 5 contos que adoro e já vão fazer um mês sem atualização. Que ódio cara! Não se preocupe. Eu já venho escrevendo essa história há um tempo, então já tenho uns capítulos prontos. O pessoal que já me conhece sabe que eu não sou de atrasar muito não. No máximo dos máximos um intervalo de dois dias entre um conto e outro é o suficiente pra juntar visualizações e comentários. Não vou lhe deixar na mão.
É isso pessoal! Obrigado por estarem acompanhando. Antes do fim da semana eu posto de novo. Beijão pra todo mundo. Podem mandar email pra: kazevedocdc@gmail.com