Cheguei em casa já era quase madrugada, abri a porta e dei de cara com Mateus em meu sofá com um pote de sorvete entre as pernas.
-Que carinha é essa? Sua loirinha resolveu não dar pra você? -Caminhei até ele, peguei o pote de sorvete de seu colo e deitei ali. Permaneci calada e ele continuou.- Alice, se você não me contar por bem vai ser por mal.
-Ta assistindo o que?
-Não muda de assunto, mocinha. -Eu apenas suspirei.
-Eu passei minha vida inteira fugindo desse momento e agora ele chega e eu simplesmente permaneço parada no mesmo lugar, não sei se por não ter mais forças pra correr ou por saber que não importa o quanto eu fuja, ela sempre está lá, sempre. Na minha cabeça na hora de dormir, quando estudo, quando escuto musica, em qualquer hora. Eu a conheço a menos de um mês mas parecem anos, ela parece entender minha alma quando me olha nos olhos, quando segura minha mão é como se estivesse me dizendo "não tenho medo de você, desista", quando dormi com ela, aquela sensação ruim que sempre sentia no dia seguinte não apareceu e eu entrei em pânico. Ela não pode fazer isso comigo, não tem o direito de entrar na minha vida assim e derrubar todas as defesas que passei a vida levantando, sem o menor esforço.
-O que você vai fazer?
-Não tenho idéia.
-Por que não dá uma chance à ela? Alice, eu nunca te vi assim por ninguém. Talvez, dessa vez, valha a pena o risco.
-Você acha?
-Acho sim. Pelo visto quem vai ter que adotar o gatinho persa sou eu. -Nós rimos e eu levantei do colo de Mateus, sentando ao seu lado.
-Math, e se for tudo como antes? E se eu não conseguir ser sempre a Alice boa ao lado dela?
-E se for tudo como antes eu vou estar aqui por você, pra te mostrar que nem todas as pessoas são monstros, você não é um monstro. Te mostrar que nem todos são iguais, nem todos te abandonam, não importa seu nível de chatisse; na verdade até me preocupo quando começo o dia sem um "vai se foder, Mateus" seu. Sempre aqui pra te mostrar que amor existe sim, e não é uma fraqueza como você pensa. Te mostrar que não precisa ter medo de mim, assim como tem medo das pessoas, da vida. Algumas pessoas realmente merecem uma chance e você nunca saberá se errou ou acertou se nunca arriscar uma escolha.
-Eu odeio você, sabia?
-Ah, não quebra o clima do meu momento pensador! -Ele riu e me abraçou. Nessa noite dormimos no sofá, eu, Mateus e nosso pote de sorvete.
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-EOOOOO ACORDEM, HOJE É SEXTA, FINALMENTE SEXTA, AMO SEXTAS, LICE TEM VISITA PRA VOCÊ
-Cala a boca, Guilherme! -Mateus e eu dissemos ao mesmo tempo, enquanto meu irmão descia as escadas em direção à porta mais rápido que uma bala.
-Havia esquecido, ele é assim todos os dias.
-Ainda bem que não tenho irmãos. Al, você vai à festa comigo hoje não vai? Juro que mantenho a roupa no corpo... e fico longe de piscinas. Eu convidei seu amorzinho colegial -Mateus disse, indo em direção ao banheiro.
-Não sei se é uma boa idéia, Mat.
-Ah é uma boa idéia, é uma ótima idéia, você vai naquela festa nem que eu tenha que te levar pelos cabelos. Você pode ser tudo mas covardia não faz seu tipo.
-Tudo bem, viado chato -Suspirei derrotada, olhando pra porta e dando de cara com...
-BERNARDO!
-ALICE! -Devolveu no mesmo tom, me abraçando forte
-Por onde você andou, você tá um gigante, quanto tempo, bê
-E você mais linda do que nunca, se nós não fossemos o que somos, te daria uns pegas agora mesmo. -Ele disse me pegando pela mão e me fazendo dar uma voltinha. Mateus olhava tudo boquiaberto e só de toalha do outro lado da sala. - Quem é o seu amigo, Alice?
-Ah, mat esse é o Bernardo, um amigo. Bernardo esse é o Mateus, meu outro amigo, estuda comigo.
-E ai, cara?
-Oi -Disse, mat com uma cara desconfiada.
Bernardo era meu amigo de infância, crescemos juntos e ele era como um irmão mais velho pra mim quando éramos crianças, infelizmente sua família mudou pra fora do Brasil, nos separando. Ainda tinhamos contato, mas muito pouco. Da ultima vez que o vi ele era só um adolescente cheio de espinhas e magrelo, ali na minha frente estava um homem, moreno, alto, forte, cabelos lisos e bem cortados, barba por fazer e um sorriso encantador nos lábios. Bernardo se assumiu gay desde muito cedo e eu fui a primeira a dar apoio a ele que era só 3 anos mais velho que eu. Sua família não teve problemas com isso, eu particularmente amava a mãe de bernardo como se fosse a minha. Sempre o admirei por saber desde cedo o que queria e o fato de lutar com unhas e dentes por isso. Enfim, um homem incrível.
-Que ventos foram esses que te trouxeram até aqui?
-Saudades do Brasil, podem falar mal o tanto que quiserem mas cara... Eu amo o Brasil. Vim fazer faculdade aqui, o que quer dizer que: pode acostumar a ter sua paciência torrada pois agora eu voltei pra ficar
-Tá brincando?!?! -Disse pulando em seu colo e o abraçando.
-Alice, da pra vir aqui um segundinho? -Ouvi Mateus chamar da cozinha.
-Claro
Caminhei até a cozinha e encontrei um Mateus com cara de emburrado e braços cruzados encostado na mesa. Ri do seu jeito, ele parecia impaciente.
-Da pra me explicar direito sobre o ladrão de melhores amigas gostoso parado ali no meio da sua sala? Alice, ele te olha de um jeito e eu... Não gostei. Desde quando você sai por aí abraç...
-Mat, ele é um amigo de infância e... Gay.
-Gay? -Perguntou em um tom de voz surpreso que me fez rir
-Sim, gay. Agora limpa a baba aí no cantinho e vamos, já estamos atrasados
-Ridícula, só tava tentando te proteger
-Para de drama, mat. Você sempre será meu viado favorito -Disse pegando uma maçã e saindo da cozinha
-Isso, sai mesmo antes que eu jogue esses ovos mexidos na sua cara -Ele gritou da cozinha fazendo rir não só a mim como também Bernardo.
-Quem é o loirinho?
-Mateus?
-Então é esse o nome. Mateus. Gostei.
-Bê, o mat é meu melhor amigo. Sai pra lá. Se ainda te conheço bem você é 100x pior do que eu e se você machucar ele vou ter que cortar suas bolas fora.
-Nossa, calma aí. Só achei bonito. Você gosta mesmo dele, não é?
-Ele foi a única pessoa que tive depois de você e, o que ele fez por mim eu nunca vou esquecer.
-E o que foi?
-Me protegeu, cuidou de mim.
-Te protegeu do que, Alice?
-Bernardo, tô atrasada, tenho que ir, você voltou pra casa antiga?
-Lice, não muda de assunto.
-Lice? -Ri com o apelido de infância, só ele me chamava assim.
-Sim, não cresceu nada então ainda tenho direito de usar o apelido! -Eu beijei sua bochecha.
-Eu juro que te conto quando me sentir preparada mas agora eu tenho mesmo que ir. Tchau, bê
-Tchau Lice, tchau loirinho -Bernardo riu e Mateus que estava na porta me esperando ficou mais vermelho que um tomate e disse um fraco "oi"
-Ah, tem uma festa mais tarde, vai ser sua estréia aqui na cidade. Passa aqui lá pelas 22, agora tchau.
-Pode deixar. Tchau, boa aula.
-Por que você deu oi se ele mandou um tchau? -Pergunte enquanto caminhávamos em direção à escola.
-Cala a boca, Alice.
Já na escola encontramos com Rafaela, mas só pudemos nos falar na hora do intervalo. Ela sentou ao meu lado e eu não sabia se sorria pra ela ou ria de mateus fazedo gesto de coraçãozinho com as mãos na nossa frente.
-Oi. -Rafaela disse, me beijando no canto da boca, deixando um Mateus boquiaberto do outro lado da mesa.
-Oi! -Eu disse rezando para não estar tão vermelha quanto pensava.
-Oi, Mateus.
-Oi casal 20. -Nós três rimos, mas logo o clima foi quebrado por Isabela. Uma guria do segundo ano com quem eu havia ficado há tempos atrás, mas nunca largou do pé.
-Oi, lindinha. Saudade de você. Vem na festa comigo hoje, você sabe que ta rolando né? Faz tempo que a gente não... Se vê.
-Eu já tenho com quem ir, Isa. E não, não vou sair com você de novo, você deveria parar de insistir assim em quem nem liga pra você.
-Me diz quem é então, pra eu avisar a queridinha da vez do lixo que você é quando cansa de brincar com as pessoas. -Isabela disse aproximando o rosto do meu e me encarando com ódio. Rafaela apenas observava tudo ao meu lado, sem nada falar. Quem se pronunciou foi Mateus.
-Vaza daqui, garota. Vai achar outra pessoa pra encher o saco porque eu já tô sem.
-Não falei com você, esse é um assunto qu...
-Não me interessa, o que me interessa é que sim, você está enchendo o saco das minhas amigas e o meu. Se não sabe lidar com um fora, tudo bem, a patética aqui é você, o problema é SEU, não meu. Não sou obrigado a ouvir besteiras, hoje meu horóscopo disse que tô perigoso então se eu fosse você, vazaria daqui. AGORA
Isabela nos olhou assustada e saiu da nossa mesa, deixando ali um Mateus com risinho de vitória no rosto, uma Rafaela pensativa e eu... Bem, eu nem sabia como estava. Rafaela levantou, me beijou na bochecha e disse que já iria embora pois teria que cuidar do pai eu me ofereci pra ajudar mas ela negou pelo menos umas 5 vezes e disse que me encontraria na festa. Eu e mat saímos do colégio e passamos a tarde na minha casa jogando videogame e comendo, meu irmão também estava lá, estavamos todos sentados no sofá vendo filme e já era tarde quando minha mãe chegou do hospital, por volta das 23h. Todos ficamos no mais absoluto silencio, como se a presença dela fosse assustadora. Pra mim, de fato, era. Guilherme correu para abraçá-la e Mateus disse que iria ao banheiro, nos deixando sozinhas na sala. Palavras não eram necessárias entre nós, o olhar de desprezo que ela dirigia a mim era o bastante.
-Ligaram do colégio do seu irmão hoje a tarde, ele estava se queixando de enjôos, vômito. Você sabia disso?
-Não, ele não me ligou e quando cheguei aqui ele...
-Não me importa, não quero saber sobre seu dia. Apenas queria que fosse menos inútil e aprendesse a cuidar do seu irmão direito, mas eu já deveria saber que você não é capaz. Você só estraga as coisas ao seu redor. Vai ser sempre essa garotinha irresponsável.
-A mãe aqui é você, é seu o dever de zelar pelo seu filho e amá-lo, mas você parece sempre se preocupar mais com o trabalho. Tudo bem você salva vidas, legal, mas realmente acha que isso te faz a mãe do ano? Você mal liga pro garoto. Para pra pensar que jogar a culpa toda, de absolutamente tudo em cima de mim não te alivia, e pensa bem também sobre quem aqui está sendo inútil em seu papel. -Eu disse e saí batendo a porta, ela ainda gritou mais uma dúzia de coisas mas não ouvi metade. Eu andava em passos apressados pela cidade, fazia frio e eu não havia trazido casaco. Queria chorar mas não o faria. Eu não era do tipo que chorava. Já estava cansada de todos ao meu redor dizendo que destruo tudo que toco, eu fiz por onde merecer todo o ódio mas já estava exausta. Eu iria aquela festa e provaria não só para mim mesma mas também para Rafaela que não era metade de tudo aquilo que diziam sobre mim. Depois de mais ou menos uma hora andando, quando cheguei a festa e vi o que vi, pensei que seria muito melhor estar em casa com minha mãe do que ali. Mateus chegou ofegante atrás de mim.
-Onde você se meteu? Te procurei horrores e... -Olhou na mesma direção que eu- Ela tá beijando a... Ana Luiza?
-Acho que sim.