Dois meses após o pagamento feito por Gabriel ao Boca, a investigação sobre a participação de Gigante na morte do bandido e vítima Flavinho Confusão, foi finalmente encerrada. Não haveria queixa crime, uma vez que Samuel Palhares da Silva, o Gigante, agira em legítima defesa e por tabela salvara a vida de um outro detento.
Algumas evidências foram rigorosamente analisadas e se chegou a conclusão de que Gigante jamais armou para tirar a vida de um desafeto, mesmo porque ele estava para receber a Liberdade Condicional. Testemunhas que estavam no local afirmaram categoricamente que Flavinho Confusão foi quem desencadeou o tumulto que culminou em sua própria morte e ferimento grave ao citado Samuel Palhares da Silva.
O fator mais intrigante de tudo, era justamente o punhal que tinha o nome completo de Gigante e seu apelido... Os investigadores sabiam que muitas peças estavam faltando nesse quebra-cabeça, mas o trabalho investigativo continuaria e se tudo corresse bem, o culpado seria encontrado.
Cinco meses após esses acontecimentos, Samuel Palhares da Silva foi posto em Liberdade Condicional. Gabriel estava varrendo o pátio interno da prisão quando por trás das grades viu Gigante indo em direção a porta de saída andando com passos cadenciados, firmes e lentos. Ele então soube que até o final de sua pena, estaria sozinho ali naquele inferno. Gigante cruzou o portão principal da Instituição Penal e finalmente saiu.
Dois anos haviam passado rapidinho. Mário Baruk de Cerqueira Guerra terminou seu tempo como Diretor do Presídio Federal e no seu último dia de trabalho no tal lugar, mandou chamar em sua sala o preso Gabriel Guedes Viana.
_ O senhor quer falar comigo, Diretor?
_ Sim, entre e feche a porta, por favor.
_ Pronto senhor. Em que posso lhe ser útil?
_ Em nada mais, meu rapaz. Eu é que fui muito útil a você nesses últimos dois anos. Fiz muito a seu favor, mesmo sem saber o porquê. Eu só queria lhe dizer que amanhã nesse mesmo horário eu estarei longe daqui e que outro Diretor chegará para os próximos dois anos. Você não é mais o mesmo Gabriel. Você se tornou uma sombra do que era. Eu tento encontrar aquele garoto que vi na minha sala na sede da Polícia Federal quando te vi pela primeira vez, e não consigo. Aquele garoto ainda esta por aí? Você fala com ele de vez em quando? Caso você o veja, diga que eu gostaria muito de poder lhe proteger contra esse mundo miserável que o ronda, só que infelizmente ele não me deu chances. Em todo caso, você poderia dar um conselho meu a ele?
_ Se eu o ver, posso sim. Qual seria Diretor?
_ Que ele um dia vai sair daqui e que eu gostaria muito que ele não se perdesse mais. Ele é um cara muito legal. Ele foi uma vítima da sua própria inocência e por conta disso, pagou muito caro. Diga também que eu desejo a ele boa sorte.
Gabriel já estava no seu limite máximo de controle. Ele baixou a cabeça por alguns minutos e quando a levantou de novo, encarou o Delegado e não o Diretor, com olhos marejados:
_ Pode deixar senhor, eu direi cada palavra sua a ele. E é quase certo que ele um dia vai sair daqui e se lembrará de suas palavras. Obrigado. E assim que terminou de falar, chorou em silêncio na frente do homem que cumprira sua palavras de o proteger enquanto estivesse à frente dessa maldita Instituição.
Os anos passaram. Gabriel mudou completamente sua visão dentro do presídio. Não era mais ou menos amigos dos caras que lá estavam. Muitas foram as vezes em que ele nem sequer se envolvia nas conversas no pátio enquanto tomavam banho de sol. Ele era muito quieto. Falava pouco. Até o sexo com outros homens ele deixou de praticar. Ele lia muito. Escrevia o seu dia a dia numa espécie de diário. Viu alguns amigos irem embora, viu tantos ouros chegarem e se perderem dentro da cadeia. Agradecia a Deus pelo antigo Diretor Mário Baruk ter lhe chamado no seu último dia e principalmente por ter lhe ditos todas aquelas palavras, que abriam o seu diário de memórias.
Nunca parou de pensar no amor que conhecera e que acabara por lhe tirar não só a paz ou o gosto em viver, lhe tirara a sua inocência, fazendo sua vida ser adiada por um longo tempo.
Foi na cadeia que soube da morte da mãe. Creditou nas memórias como um dos dias mais infelizes de sua vida. Jamais pensou que um dia a mãe poderia morrer. Já não lembrava mais dela. Achou isso estranho pois afinal de contas faziam apenas 8 anos que ele não a via, assim como o resto de sua família. O choro passou logo, assim como as lembranças dos dias compartilhados. Tinha medo sempre que pensava no mundo lá fora.
Gabriel estava voltando para trabalhar no almoxarifado do presídio, quando um companheiro de pavilhão lhe chamou:
_ O Diretor quer te ver imediatamente. Mandou inclusive que você parasse qualquer serviço que estivesse fazendo e corresse pra falar com ele.
_ Já tô indo.
Ele apenas apressou mais o passo e subiu pelas escadas até o último andar, onde ficava a sala do Diretor Isaías de Melo Nunes. Bateu três vezes na porta e ouviu quando o homem falou:
_ Entre.
_ Boa tarde Senhor. Acabei de receber o seu chamado.
_ Você sabe rapaz que não gosto de rodeios, por isso vou direto ao assunto. Alguém lá fora deve estar fazendo alguma coisa a seu favor. Ontem chegou ao meu conhecimento que a sua prisão foi decretada para ser cumprida em regime fechado e sem direito a condicional. Você já cumpriu quase 9 anos aqui, certo?
_ Sim senhor.
_ O relatório que recebi em anexo, dia que você foi quem assumiu a culpa mesmo tendo sido preso uma grande quadrilha que pra infelicidade nossa, havia alguns policiais civis e militares envolvidos, certo?
_ Sim senhor. Apesar de que, nem sei se posso confirmar isso, pois nunca fiz parte de quadrilha nenhuma.
_ E isso é verdade, pois esta escrito exatamente isso aqui nesse relatório. Não vou dizer que você seja inocente por completo, uma vez que você na época estava envolvido com um homem que era tido como um dos maiores chefes do tráfico no Estado do Rio de Janeiro. Isso também é correto?
_ Sim senhor.
_ Pois rapaz, um milagre aconteceu. Na revisão que foi feita no seu caso e mediante a intercessão de um dos maiores advogados criminalistas desse país, um pedido de Condicional foi julgado na semana passada e a resposta só chegou ontem à tarde no final do expediente, avisando que você entrará em regime de Condicional amanhã pela manhã. Em outras palavras, você será posto em liberdade exatamente às 08:00 h de amanhã.
Gabriel não teve reação nenhuma. Não gritou, vibrou, ou mesmo sorriu. Ele apenas ficou encarando o novo Diretor que estava sentado à sua rente e nada disse.
_ Parece que não gostou da notícia rapaz.
_ Eu nem sei o que dizer, senhor. Desculpe, mas isso me pegou totalmente de surpresa.
_ Você dormirá hoje no pavilhão J, numa cela colocada em frente o dormitório da guarda. Você esta dispensado dos serviços da tarde. Pode ir arrumar suas cosa rapaz.
_ Obrigado senhor.
_ Amanhã passarei para você alguns avisos importantes que você terá que cumprir até finalizar o total da sua pena.
Nem mesmo essa notícia fez com que Gabriel vibrasse, ou demonstrasse pelo menos qualquer tipo de alegria, pois para os mortos as emoções humanas não mais existiam.
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Amigas e amigos queridos, desculpem pela hora da postagem. Tinha dado uma saída, uma vez que o dia de hoje foi feriado aqui em Fortaleza. Prometo falar com vocês no capítulo de logo mais, SÁBADO, blz? Um grande abraço do Nando Mota.