Capítulo 2
- A comida está quase pronta.
- Vou sair.
- Pai o Senhor não devia...
- Não devia o quê? Eu to morrendo, quero aproveitar um pouco o tempo que ainda me resta. Olha, não se preocupa comigo, começa a cuidar da sua vida, pois eu logo eu não estarei aqui pra fazer isso. - Colocou o boné na cabeça e saiu.Eliane pegou a travessa com macarrão de cima da mesa e atirou com toda força na parede, chorando de soluçar.
Alerrandro
Há tempos eu sentia que algo dentro de mim não ia bem, meu único vício é o cigarro. Maldito! Eu comecei fumar após entrar para o exército aos 18 anos e fumo até hoje aos 68 anos, uma relação amistosa de mais de 60 anos.
O doutor pediu o exame porque eu tusso muito, quantas vezes não acordo de madrugada colocando o pulmão pra fora em tossidas horríveis. Eu pensei que era gripe forte, na minha idade qualquer brisa de vento mais forte pode evoluir para uma gripe ou pneumonia.
Dessa vez algum demônio resolveu cobrar seu pedaço de mim, meu pulmão está nas últimas segundo o resultado do exame.
Típica solução de quem está "fodido" é a cachaça, apesar da promessa que eu fiz, eu bebi e vou beber muito ainda até meu coração parar de bater.
Parei para pensar nas coisas que eu nunca fiz, parece muitas. A primeira delas eu ia fazer agora, nem que para isso eu tivesse que pular o muro do cemitério. O que eu mais quero é fugir de cemitério, devido ao fato de logo ir morar lá, mas eu tenho que fazer isso... Sabe porquê? Eu nunca disse que amava minha mulher. Nunca! Nunca me expliquei por traí-la. Nunca! Também nunca entendi porquê ela sempre me perdoava.
Acho que ela sempre me amou mais, isso é admirável!
- Droga, minha calça novinha! - Rasgou no ferro do muro. - Até que pra um velho eu to em forma. Muro de merda! Pronto. Agora cadê você lápide?
É, não sei bem onde ela foi enterrada, afinal nosso relacionamento estava péssimo quando ela faleceu e eu não estava na cidade, viajei a trabalho.
+ Helena R. Brasil*+
Linda foto, tirada em um dos aniversários dela, poxa que sorriso e esses olhos verdes escuro querendo disfarçar de mel. Maravilhosa!
Não sei porquê ela me escolheu, logo eu um simples ex soldado que trabalhava na coleta de café na roça, sendo que ela podia ter ficado com o dono da mercearia, aquele alemão bam bam bam.
Mais uma vez ela demonstrando que me amava, antes mesmo de casar, e, quando é amor verdadeiro supera tudo na relação, fazendo dar certo.
- Oi, linda. Será mesmo que você não pode me ouvir? Eu espero que possa. Sabe, eu nunca fui um bom marido e nunca fui um bom pai. O tempo passou tão depressa pra nós dois... Eu sempre te amei, sempre. Não teve a menor importância aquelas poucas mulheres com quem te traí, foi apenas sexo. Eu sou um escroto! Eu sei você nunca mereceu esse desgraçado na sua vida, mas eu não teria sido tão feliz se você não tivesse feito parte da minha vida. Ah, nossos filhos... Obrigada! Muito obrigada por tudo, meu amor. Eu te amo, muito. Quem sabe a gente não se encontra em breve? Como eu sinto a sua falta. Queria ter sido menos idiota, ter feito mais feliz. - Eu estava chorando, coisa rara para mim. - Até breve, querida.
Rezei uma oração de clemência para Helena, e uma pedindo proteção para a minha família quando eu partir.
Sai da capela do cemitério, pulei o muro para fora. Ao atravessar a rua no sinaleiro fui abordado por "uma garota" de programa:
- Ei bonitão tem fogo?
- Sim.
- Tá afim de um programa? São 70,00 reais.
- Nunca comi um viado...
- Opa, respeito mermao, eu to trabalhando.
- Não estou falando por mal. Olha, eu só tenho 50,00 reais.
- Paga primeiro, mané louco fode e vaza sem pagar. - Pegou e guardou o dinheiro na bolsa. - Vamos ali naquela data vazia.
Eliane olhou o relógio na cômoda ao lado da cama, eram 00:35, queria saber onde o pai estava. Dez segundos depois o telefone toca, ela atende rapidamente:
- Eliane Brasil?
- Sim. Quem fala?
- Delegado Alvarez. Seu pai está preso. Venha à 10° subdivisão policial acompanhada de um advogado.