Chamei meu irmão pra irmos embora mas ele falou que tinha acabado de ficar bom, pra eu esperar um pouco mais, que ele deixaria o carro na faculdade, por sua embriaguez, e que todos iríamos de táxi. Concordei, mesmo a contragosto. Saí andando sem lugar pra chegar e sem inenção nenhuma de esbarrar em alguém conhecido. Encostei em um batente e fiquei olhando a avenida via dupla que ficava um pouco longe, o semáforo quebrado piscava no amarelo esbanjando um infinito “ESPERE” na estrada.
Tentei não pensar em nada e menos de um minuto depois uma mão no ombro me fez virar. Isaac se postava atrás de mim.
Ana “eu não quero saber o que Camila disse”
Seus labios moveram em um sorriso, ele tinha cheiro de álcool e bombom de hortelã pra disfarçar o cheiro, totalmente sem sucesso.
Isaac “calma! Só vim aqui respirar um pouco. Assim como você”
Ele se apoiou ao meu lado. Ficou calado por um tempo.
Isaac “eu amo tanto ela” as palavras que saiam de seus lábios me pegaram de surpresa, mas ele olhava fixamente pra tanta gente, bebendo, dançando, beijando e fazendo o diabo. Será se alguém ali não estava apaixonado por ela?
Ana “então, por que não fica com ela?” falei, grossa.
Ele sorriu.
Isaac “não é o tipo de amor que você sente…”
Ana “eu não amo ela!”
Isaac “se você repetir mil vezes ainda não vai me convencer” fiquei em silêncio “não tem como não se apaixonar por ela, ainda mais depois que você conhece”
Um garoto que parecia voltar do bar gritou o nome dele bem distante, ele gritou de volta que já iria.
Isaac “por favor, só não faz a mesma burrada que a outra garota fez”
Antes que eu pudesse perguntar o que era ele foi embora, deixando um beijo no meu rosto.
Assim que ele saiu fiquei olhando ele passar entre as pessoas e me vi o seguindo. Parei um pouco distante quando ele parou. Ela segurava um copo na mão e parecia bêbada, já parecia quando tinha me encontrado perto do banheiro... Ao lado dela Alan e mais um bocado de pessoas. Isaac chegou e Alan deu um copo pra ele, acho que era cerveja. Então ela se jogou nos braços dele e sussurrou alguma coisa em seu ouvido. Ele colocou seu rosto entre as mãos e beijou acima de seus olhos, tranquilamente. Alan se aproximou e a beijou também, no rosto. E brindaram os três a Deus sabe-se lá o quê e viraram o copo cheio como se não fosse nada. Ela parou e prestou atenção na música e como se fosse a trilha sonora deles, deram um grito e começaram a dançar. Ela entre os dois, dançando sensualmente. Fiquei ali durante uns 20 minutos, apenas admirando enquanto ela se matava com cada copo de bebida.
Então dei as costas e saí. Voltei novamente para onde Miguel e quando falei pela segunda vez que queria ir embora, ele concordou sem nem questionar. Veio nós 2 e a ficante dele que dormiu lá em casa.
Tomei um banho e coloquei uma blusa larga. Deitei, virei e nada. A insônia era minha inimiga.
Sentei na cama e fiquei encarando a parede. Fui no guarda-roupa pegar um livro qualquer pra me entreter, um bem detalhado pra que me cansasse os olhos e enfim eu pudesse dormir.
Abri a porta do guarda-roupa e vi atrás de umas roupas, o papel que Camila tinha me entregado e que estava ali desde aquele dia. Perfeito. O peguei e sentei na cama. Puxei a fita vermelha. O papel estava realmente velho e tinha algumas partes meio sumidas e bem amassadas, mas dava pra ler. A letra era deitada e muito desajeitada. Não, desajeitada ficou eu, assim que comecei a ler.
“Há muito tempo venho tentando te escrever.
Perdoe o clichê. Eu sou boa com palavras, desde que sejam escritas.
Era um dia desses, de escola, quando você estava na porta com alguns amigos, eu te olhava de longe. E quando você virou em minha direção e sorriu, [como eu adoro o teu sorriso] mesmo eu sabendo que não era pra mim, foi naqueles 2 segundos que me apaixonei por você.
Quando falei por mensagem de texto que tinha me apaixonado por ti, era mentira. Me perdoe. Eu estava com o coração partido e não perderia a oportunidade de partir o coração de alguém. Mas os deuses me puniram e fizeram eu me apaixonar por você todos os dias, assim que o sol nasce.
É. O melhor de todos os castigos.
Eu sei que você é hétero, eu sei que tem namorado, eu sei também que não sente o mesmo mas é que eu sou teimosa demais pra desistir.
Eu criei um plano semana passada: beberia até não conseguir mais e então falaria pra você tudo que está apertando meu coração. E se desse algo errado [o que provavelmente aconteceria] colocaria a culpa no álcool. Eu até comecei a executar o plano, mas me faltou coragem pra caminhar até você. Eu não suportaria ouvir qualquer palavra que saísse de seus lábios, diferente de um “sim”.
Eu nem te conheço e isso é o que mais me assusta. Uma completa estranha tinha poder sobre meus pensamentos e os mais intensos de meus desejos.
Eu não sei nada sobre você. Não sei com quem você mora ou o teu nome completo. Não sei se prefere doce ou salgado, refrigerante ou achocolatado. Não sei se você tem alergia ou se gosta do carnaval. Ou se sua comida preferida é pizza, mas eu juro pelas estrelas que daria tudo pra saber.
Você é linda, a garota mais linda que meus olhos já viram. Não falo só de beleza física, acredite. É quase como se eu pudesse ver através de ti, como um total transparente.
Mas é uma garota ladra!
Roubou o controle que eu tinha sobre mim.
Você não precisa falar nada, nem fazer nada, eu só queria que você soubesse. Queria que entendesse.
Eu. Gosto. De. Você.
Gosto tanto que nem todas as folhas do mundo seriam o suficiente.
Por favor só devolve o controle que você roubou. E ah, devolve meu coração também, caso não vá usar.
-bem no fim da folha tinha:-
Metade de mim quer que você rasgue cada pedaço desse papel. A outra metade quer que você corra em minha direção assim que terminar de ler.
Eu e minhas vontades…”
Meu coração batia descompassado e os pelos do meu braço e da nuca eriçaram.
“Eu tinha roubado” o controle dela mas esqueci de roubar o manual.
Eu não poderia estar mais confusa.
Pensei que ler me faria dormir, tirou o resto de sono que eu tinha.
E mais uma vez os pensamentos atropelaram a noite, havia tempos que eu nem sabia o que era sonhar. Pelo visto a realidade estava se transformando em tudo que eu nem sequer tinha imaginado. Uma dose de amor surtia mais efeito que qualquer cafeína. Assim que amanheceu coloquei uma roupa qualquer e fui até a casa dela. O caminho foi lento por que eu tinha pressa. Precisava vê-la.
A porta foi aberta por uma mulher séria. Deduzi ser sua mãe.
Ana “Camila está?” era domingo de manhã, eu sabia que estava incomodando.
Mãe “ela ainda está na cama…”
Ana “por favor, é importante”
Mãe “entre! Ela está no quarto dela, é o da esquerda”
Ana “obrigada”
Quando abri a porta vi uma Camila serena, dormindo parecia ainda mais perfeita.
A roupa da noite anterior estava no chão, perto de Miler que estava de guarda. Ele rosnou, fraco. Estalei os dedos e ele veio e começou a lamber minha mão. Ela despertou do sono e ficou olhando pro teto. Passou a mão no rosto, o cabelo bagunçado. Ela acorda tão linda!
Mila “Miler?” silêncio “Miler!”
Ele correu e pulou encima da cama, lambeu o rosto dela. Eu sorri. Camila apoiou o corpo sobre os cotovelos e olhou pra mim, perto da porta já fechada.
Mila “veio dizer que me odeia e que eu sou a maior vadia do mundo? Pode ir embora, eu já sei”
Ela sentou na cama e o lençol escorregou pelo seu corpo. Levantou, mostrando calcinha e sutiã como roupa de dormir. Pegou a primeira blusa limpa que achou e vestiu, eu só assistindo.
Ana “acorda sempre com esse humor?”
Mila “o que você tá fazendo aqui? Eu tô tentando te esquecer, lembra?”
Mordi o lábio e tirei o papel do bolso, joguei na cama.
Mila “você leu?”
Ana “não era pra ler?”
Mila “na verdade, não. Me arrependi 2 minutos depois de ter te entregado
Ana “escreveu quando?”
Ela olhava pra mim, os lábios finos e secos.
Mila “há mais de um ano”
Ana “há mais de um ano?! Não pensou em entregar antes?!”
Mila “pensei em entregar todos os dias, desde o dia em que escrevi”
Fechei os olhos, tinha medo de onde aquela conversa levaria.
Ana “por que se arrependeu de ter entregado? Não sente mais?
Mila “se sinto? Sinto mais do que você pode acreditar”
Ana “e então?”
Mila “eu tive medo, Ana Paula! Eu sofri por uma pessoa uma vez e juro que não quero passar por isso de novo. Eu dei meu coração pra uma garota e ela estragou com tudo. Ela fodeu com a minha vida! Resolvi então não gostar de ninguém e saí acabando com qualquer apaixonado. Daí veio você, e eu odiei o sentimento. Quer que eu seja sincera? Eu odeio gostar de você. Mas eu gosto e não consigo evitar. Ficar perto de você me destrói e ficar longe me destrói mais ainda! Então se você veio falar que não sente o mesmo, que você não é assim, que quer só minha amizade… fala logo!”
Ana “acho que eu amo você”
