Gabriel retornou ao apartamento em que estava vivendo com Mário Baruk há pouco mais de oito meses. Ele depois de muito refletir, chegou a conclusão de quer a conversa iniciada na orla da praia ainda não tinha acabado e antes de sua saída, pois já tinha essa decisão tomada, ele precisava fazer com que o Ex-Diretor pudesse entender suas razões.
Assim que fechou a porta atrás de si, deu com o olhar de Mário posto nele, só que alguma coisa estava errada, era como se aquele olhar que durante muito tempo foi de compreensão e amor, houvesse se tornado de cobrança e decepção.
_ Até que enfim você chegou em casa Gabriel. Como você demorou um pouco mais do que o normal, eu já comi a minha metade da pizza que sempre pedimos. Acho que você terá que esquentar no micro.
_ Tudo bem Mário, depois eu vejo isso.
Gabriel andou até o corredor do apartamento e lá depositou as chaves dentro de um vaso de cristal que sempre o fazia ter um cuidado tremendo até em olhá-lo, o tal vaso era herança de uma avó já morta há muito tempo. Ele então tirou a camiseta que usava, ficando apenas de bermuda jeans e assim que retornou à sala, disse:
_ Preciso falar com você.
_ O que faltou ser dito? pela última vez que conversamos, pensei ter entendido que você tá indo embora, melhor, que você tá me tirando da sua vida e vai voltar sabe Deus lá pra onde.
_ Não falei nada disso e muito menos voltarei pra qualquer outro lugar a não ser o meu Estado após cumprir o resto da condicional que me falta. E eu não estou te tirando da minha vida, Mário. Eu na verdade estou te dando o direito de ser feliz...
_ Você não notou que eu sou feliz, que meu mundo ganhou outra cor, desde que você finalmente aceitou viver a meu lado?
_ Por favor me entende, Mário. Eu não posso mais levar adiante esse tipo de sentimento que no momento tá acabando comigo. Eu não estou feliz e por favor entenda que você não tem nada a ver com isso.
_ Como não tenho nada a ver com isso? Se você entrou na minha vida, o mínimo que eu poderia ter feito a você ou com você, era ter te tornado o homem mais feliz desse mundo, e no entanto você me disse hoje que eu não consegui...
_ Não se trata de você meu querido. Sou eu. Eu que não sou mais digno de nada nessa porra de vida. Eu morri Mário. Eu morri faz tempo e nada que você possa fazer, me trará de volta. Você me vê levantar, comer, andar, correr, sorrir, falar, abraçar, beijar, trepar, sem nunca perceber que quem faz tudo isso não sou eu... É como se tudo isso apenas me mantivesse em funcionamento. E o que mais me faz sofrer é justamente pensar que você tá feliz comigo, mesmo eu sendo assim...Um morto vivo.
_ Eu nunca me queixei de nada. Eu amei e amo você desde o primeiro dia em que te vi entrar algemado na minha sala e ser acusado injustamente, pois sempre acreditei na sua inocência, por um crime que você jamais planejou, tramou, compactuou ou mesmo executou. Foi naquele dia que comecei a mexer os pauzinhos, como se diz, e terminei como Diretor de Presídio, só pra ter a oportunidade de velar por você. Aí do nada, por causa de uma simples e maldita conversa que você teve com aquele maldito sujeito, tudo desmoronou e você quer que eu acredite que nunca nada que eu fiz valeu a pena pra você, é isso?
_ Não meu querido Mário, você me salvou. Reconheço que você me devolveu a vida, só que eu não queria mais viver. Eu preferia ter morrido no lugar de qualquer um dos detentos daquele inferno onde minha vida e tudo o que ela representava pra mim, foi anulada.
_ Não diz isso Gabriel. Você pagou por um erro que não era seu, mas você teve a chance de sair dali vivo. Olha onde a gente esta agora, juntos garoto. Sua vida já voltou quase que a normalidade. Tudo que era seu antes de você ser preso, julgado e condenado lhe foi restituído e tenho certeza de que quando acabar o período da condicional, você finalmente poderá viver em paz e com sua dignidade restaurada.
_ Se você diz dessa forma, até parece mais suportável. Só que na pratica não é bem assim, Mário. Eu sou um homem apontado na rua. Onde quer que eu vá, as pessoas ainda lembram do meu rosto. Eu tenho vergonha de sair na luz d dia. Eu tenho medo toda vez que vejo um carro da polícia passando na rua. Por favor Mário, não diz que eu tô quase com minha vida de volta, porque eu não tô mesmo.
_ Que tal se a gente for embora daqui juntos? Seria uma chance a mais, né mesmo? Sabe lá se num lugar diferente e bem longe de tudo isso aqui, a gente possa ser feliz? O que você acha?
_ Não dá Mário. Pelo amor de Deus cara entende que eu não quero mais fingir que tá tudo bem, quando a minha cabeça e meus pensamentos me infernizam todo santo dia. Me desculpa se não consigo mais amar. Me desculpa por não amar você. Eu morro de medo só em pensar que um dia você vai acabar me odiando, sabe por quê? Por você me dar muito mais do que mereço e não ter nada em troca.
Silêncio. Por longos e intermináveis minutos, o silêncio pairou naquele belo apartamento da Gávea. Somente o choro de Gabriel podia ser ouvido. Mário andou até onde ele estava e o abraçou, tentando confortá-lo.
_ Calma meu lindo garoto... pronto, já passou... Você conseguiu tirar do seu peito um grande peso... Prometo que vai ficar tudo bem...
Gabriel ficou agarrado ao amigo, por um longo momento. Aos poucos os dois deslizaram para o chão do apartamento e se encostaram no acento do grande sofá da sala. Gabriel repousou a cabeça no peito de Mário Baruk e o mesmo lhe acariciou a careca enquanto ele fungava de vez em quando.
_ Posso te dizer uma coisa, Gabriel?
_ Claro Mário, o que você quiser.
_ Obrigado por ter sido franco comigo. Só que eu não sei como vou ficar sem ter notícias suas. Não vai embora não. Fica aqui comigo. Adoro ter você pela casa, garoto.
Gabriel levantou a cabeça do peito de Mário Baruk e disse olhando em seus olhos:
_ Você sabe, assim como eu sei, que dessa vez o corte tem que ser profundo e definitivo. Mas olha só, prometo que vou manter contato com você sempre. Eu também não sei o que teria sido de mim se você não tivesse aparecido na minha vida. Isso é também uma forma de amor, ou mesmo uma maneira de amar e quero que você saiba que sempre lhe serei grato por tudo isso.
Gabriel o beijou timidamente nos lábios, se levantou e foi pro quarto começar a arrumar suas coisas.
_ Não será melhor arrumar tudo isso, só amanhã de manhã não?
_ Prefiro ocupar meu tempo. E como você tá vendo, não tenho tanta coisa assim.
_ E você não vai comer sua pizza?
_ Primeiro vou terminar aqui, depois tomar um bom banho e aí sim comerei o que me restou de uma excelente pizza quatro queijos.
_ Vou ver TV. Me chama se precisar, tá certo?
_ Pode deixar, chamo sim... Na verdade sempre chamei, né?
Os dois riram juntos por talvez lembrarem de episódios já vividos no passo naquele belo apartamento. Mário Baruk saiu e Gabriel tratou de arrumar sua vida.
Assim que deixou a casa do Ex-Diretor, Gabriel alugou um pequeno apartamento de dois quartos no centro do Rio. Ele recebia uma renda mensal de R$ 23.350,00 fruto de rendimentos de uma caderneta de poupança e os aluguéis de 3 imóveis que possuía na Zona Portuária do Rio, que haviam sido comprados na época em que vivia sob os bons holofotes da fama. Por insistência de Mário Baruk, havia retomou os estudos e recentemente tinha sido aprovado para a faculdade de Psicologia. Levava uma vida com mais liberdade e aos poucos foi retomando o prazer de comandar sua vida e ter por que brigar com esse mundo tão louco. Mário ainda o visitava com frequência e sempre insistia em lhe ajudar de alguma maneira.
Pouco mais de nove meses haviam passado quando finalmente numa manhã de muito calor na Cidade Maravilhosa, Gabriel finalmente assinou o último termo de Condicional que ainda lhe prendia àquela cidade ou a sua antiga vida. Assim que chegou ao apartamento, ligou para seu único amigo:
_ Acabou Mário. Finalmente estou livre daquele pesadelo.
_ Fico feliz por você meu garoto.
_ Acho tão engraçado você me chamar de garoto, esqueceu que já sou um homem que vai fazer quarenta anos, Diretor?
_ Isso é uma mera formalidade. Já que você tocou nesse assunto, quero aproveitar para te convidar para o jantar do meu aniversário na próxima semana, que tal?
_ E você já esta sabendo disso, é? pensei que seria um segredo até o minuto final. E o Gilson já sabe que você já sabe? Gilson era o companheiro de Mário. Os dois haviam se conhecido na mesma academia em que malhavam.
_ Não. E acho melhor você não dizer nada. Espera ele te ligar.
_ Combinado Mário. Um grande abraço meu querido.
O resto da semana foi tranquilo. Gabriel dividiu seu tempo entre a faculdade e os afazeres de sua rotina. Caminhadas, Praia, Academia, supermercado, pagamento de contas e tantas outras coisas. Na noite do aniversário, ele ligou para Gilson confirmando que chegaria por volta das 21:00 h à festa.
Saiu de casa mais cedo e resolveu dar uma volta pelo calçadão da Orla. Foi ao mesmo quiosque que sempre gostou de frequentar e após comprar uma caipirinha de vodka, sentou para ver o mar, coisa que o enchia de prazer.
_ Dessa vez você caprichou no visual, né Manezão?
Ao ouvir essas palavras, voltou-se rapidamente na direção da voz e deu com o rosto másculo e sério de Gigante lhe fitando.
_ De que foi que você me chamou?
_ Você ouviu muito bem. Só que não precisa ficar nervoso por causa disso. Posso sentar e conversar com você?
_ Não Samuel, não há mais nada pra falar com você. O passado esta morto.
_ Pois pra mim ele esta mais vivo que nunca. Preciso falar com você, por favor.
E a mesma frase do passado voltou a ser lembrada: NUNCA MAIS ATRAVESSE O MEU CAMINHO, SEU FILHO DA PUTA.
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Povo do lado esquerdo, o papo fica pra próxima, prometo. Amanhã tenho zilhões de coisas a fazer. Hoje postei tarde porque já estava trabalhando pra adiantar o serviço. Peço desculpas por isso. Amo você e agradeço pela honra de estar em excelentes companhias... Nando Mota.