Tres dias mais tarde Fernando voltou. Chegou debaixo de chuva num final de tarde fria, molhado e fatigado da viagem, mas visivelmente contente por retornar à nossa casa.
Tomamos uma sopa quente e ele conversou comigo com naturalidade, contando que a mae estava melhor agora, mas ainda de cama. Andava sofrendo frequentes desmaios e descobriu-se depois que era problema de coraçao. Haviam se reconciliado superficialmente, mas ela nao pediu que ele voltasse para casa.
- Acha que ela desconfia de nos dois? - perguntei.
- Nao sei. Teve uns momentos em que achei que ela olhava-me com um profundo desgosto, sabe? -disse ele devagar - Mas nao sei se isso era porque sai de casa ou...enfim. O meu irmao esta para voltar, vai dar uma pausa nos estudos e ficar um pouco com ela. De qualquer modo sempre se deram melhor um com o outro, mesmo.
À noite a chuva cessou, fazendo descer um agudo frio umido. A lampada amarela empoeirada em nosso quarto iluminava o rosto grave de Fernando se aproximando do meu, desabotoando minha camisa, penetrando a mao fria em meu dorso quente, abrindo o fecho de minh calça devagar, entrando fundo, segurando e apertando. Beijei-o numa furia, numa voracidade dele inteiro, embriagado com seu cheiro, com a palpavel satisfaçao de te-lo de volta em casa, sua presença morna com cheiro de cafe e sabonete barato.
Foi forte. Ele entrava em mim nuns movimentos pelvicos freneticos, mordendo o labio, gemendo rouco, fechando e abrindo os olhos para me fitar intensamente. Num beijo avido que me deu, segurou-me a mao, entrelaçando seus dedos nos meus num espasmo, numa convulsao de gozo quente, farto, acumulado.
- Senti uma falta desgraçada de voce, garoto - sussurrou ele recobrando o folego, dando um sorriso bonito, todo suado e rubro de esforço.
Me enchi duma alegria plena, da qual sentia falta fazia muito. Disse baixinho no ouvido dele que o amava, apertando-o forte debaixo do cobertor grosso.
- Eu sei - ele falou, fechando os olhos, com sono - Nosso amor sempre foi sagrado. Sempre, sempre.
Aquela foi uma noite de paz para mim, para nos. Dormi profundamente um sono sem sonhos, compacto e ininterrupto. A nossa ultima briga, a agressao, a nociva presença de Carlos e aquela desconfiança - tudo isso parecia tao distante da gente, como uma confusao na casa do vizinho, e nao na nossa.
Choveu o dia todo, uma aura cinzenta, gelada e pegajosa em toda a cidade. Quando cheguei em casa vindo do serviço, Fernando ja estava de banho tomado, limpo da argila e aquecido contra a temperatura glacial.
- E esse disco do Chopin? - perguntou ele mexendo na vitrola.
- Carlos quem trouxe, no dia em que voce viajou .
- Mesmo? - os olhos dele brilharam examinando o disco, um sorriso abobalhado nos labios corados - Esse danado tem bom gosto,nao?
O frio do lado de fora chegou um pouco mais para dentro de mim, para meu peito. Senti um desanimo.
Apos ter tomado meu banho e me vestido sai do quarto, ouvindo na sala o Chopin tocando alto e vozes que conversavam num tom animado. Mesmo com chuva e frio Carlos nao se esquecera do retorno de Fernando e quis naturalmente reve-lo. A expressao de felicidade no rosto de meu rapaz observando o outro chegava a brilhar.
Carlos tiritava de frio enquanto conversava conosco. Vestido numa jaquetona de couro preto, com um sueter branco por baixo, reclamava do tempo e da chuva. Parecia febril pois seu rosto e boca estavam muito rubros. Cansava-se ao falar e, contando sobre um filme que estava em cartaz no cinema, começou a tossir de repente.
Eu nunca vi um acesso de tosse durar tanto. Carlos sufocava, o corpo curvado, apertando à boca um lenço bordado em azul. Subitamente, para nosso espanto, arqueou-se mais ainda, num espasmo, cessando a tosse com um escarro sangrento sobre o lenço.
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Obrigada, pessoal! Adoro voces!
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