Eu permanecia estático, jamais poderia imaginar que minha mãe retornaria para casa poucas horas depois dela ter saído. Ao contrário da Pamela que por incrível que pareça não estava nem um pouco surpresa, minha mãe aparentava estar abismada em me ver beijando o Jordan. Este só faltou cair da cama ao vê-la entrar no quarto. E não era por menos já que eu tinha dito a ele que só a Pamela e minhas amigas sabiam a respeito de nós dois.
Pedi que ele fosse embora e disse que nos falaríamos melhor no dia seguinte. Minha irmã acompanhou o Jordan até a saída me deixando sozinho com a minha mãe que fechou a porta do quarto antes de se sentar ao meu lado na cama. Ela ficou encarando o chão por um tempo até que voltou a sua atenção para mim e quebrou o silêncio:
– Eu pensei que essa minha conversa com você não ia chegar nunca.
– Você já desconfiava né?
– Acho que toda mãe sabe quando o filho é gay, Vincent. Só que algumas preferem viver no seu mundinho imaginário achando que isso é uma fase, e que vai passar. Eu pensava assim há um tempo atrás, quis me enganar pensando que era só o seu jeito brincalhão de ser. Por esse motivo que eu fiquei pasma quando a sua irmã me disse sobre você e o Jordan hoje de tarde depois que você foi trabalhar e mais ainda agora que eu vi com os meus próprios olhos.
– E você não ficou nem um pouco desapontada com o que viu e ouviu?
– Incrédula, talvez. Por mais que a verdade estivesse bem na minha frente, eu cismava em não querer acreditar e fazer vista grossa para os indícios da sua homossexualidade. Não por preconceito, mas porque eu não queria te ver sofrer preconceito, você consegue entender?
– Perfeitamente.
– Mas eu não entendo porque é que você nunca me contou nada. Você achou o que? Que eu ia chegar ao ponto de te bater ou te expulsar de casa?
– Eu tinha medo da sua reação, e também não queria te decepcionar.
– Por você ser o que você é? Bobagem! - Ela suspirou - Decepcionada eu ficaria se você levasse uma vida mentirosa para agradar a mim ou qualquer outra pessoa. Porque fazendo isso você estaria fugindo da sua felicidade por medo do que os outros vão dizer. E nesse exato momento, o que eu mais quero para você é sua felicidade. E se ela é ao lado de outro homem, não importa. Você não deixa de ser meu filho por conta disso.
– Você não faz ideia do quanto eu fico feliz em ouvir isso da sua boca.
– É, acho que eu faço uma idéia sim. E eu ficaria muito feliz também se você passasse a selecionar melhor os seus namorados, porque esse daí tem cara de conquistador barato, e eu conheço esse tipinho como a palma da minha mão. Você sabe disso.
– Mãe não começa, eu não sou a Pamela. Eu não preciso que você aprove os meus namorados para saber se eu posso ou não ficar com eles. E o Jordan não é nada disso do que você tá falando. Ele é muito gente boa, tu vai gostar dele.
– Já que é assim então você vai marcar um almoço com ele aqui em casa. No sábado.
– Mas a gente ainda nem assumiu relacionamento sério ainda.
– Por isso mesmo que eu quero conhecer ele o quanto antes. E não adianta reclamar não porque quando é comigo você e a sua irmã ficam me interrogando sobre qual o nome do pretendente, o que faz da vida, onde ele mora...
– Nós só queremos o seu bem do mesmo jeito que você quer o nosso bem.
– Só que eu tenho uma coisa chamada experiência amorosa. Então antes de você colocar uma aliança no dedo, deixa que a mamãe confere se o felizardo te merece ou não.
– Promete que não vai me envergonhar na frente dele nem deixar ele constrangido?
– O que eu prometo é que eu vou fazer de tudo para ser simpática com ele, tá legal?
– Excelente - Dei um abraço na genitora e ela me contou o motivo dela ter voltado tão cedo. O Rodrigo tinha se esquecido de fazer a reserva no restaurante e ela tinha recebido uma mensagem minha dizendo que eu estava com muita febre e pedia para ela trazer um remédio porque na rua não tinha mais nenhuma farmácia aberta aquela hora.
Minha mãe tirou o celular da sua bolsa comprovando que ela tinha recebido uma mensagem enviada pelo meu número. Comentei o quão estranho aquilo tinha sido mas ela não deu muito importância para isso. Foi para o quarto da Pâ e começou a se queixar por ela ter chamado o namorado para vir a nossa casa sem a sua permissão.
Peguei o meu celular, abri ele e vi que estava sem o chip. Logo me toquei do que tinha acontecido quando me lembrei do garoto que apareceu na minha mesa no refeitório todo banhado no advérbio e pedindo o meu celular emprestado para ele fazer uma ligação.
****
Na manhã seguinte, cheguei na escola atrasado novamente e acabei ganhando uma advertência por ter seis atrasos em um só mês. Enquanto eu esperava o toque do segundo tempo a Leona surgiu bem mais atrasada do que eu, usando a camisa da escola e um short jeans curtinho. Ela sentou do meu lado e ficou penteando o cabelo até que perguntou:
– Como foi a noite ontem? Mamãe te deserdou?
– Não. Muito pelo contrário, ela me apoiou.
– Que pena! - Ela exclamou abrindo a sua bolsa e me entregando o meu chip que se encontrava em uma carteira verde de espinhos - Toma cuidado com ele da próxima vez, tá?
– Como você descobriu sobre nós dois?
– Não foi muito difícil assim. A rádio corredor dessa escola não falha nunca!
– E você vai me dizer que adivinhou que ele estaria na minha casa ontem?
– Digamos que aquele carinha que pediu o seu celular emprestado more perto de você. Ele viu você saindo com o Jordan anteontem e foi correndo me avisar. Eu imaginei que o Jordan fosse na sua casa hoje também e pedi pro meu colega me ligar assim que o casal de pombinhos já estivessem no ninho se bicando na ausência da sua mãe.
– Impressionante. Você chegou ao ponto de colocar um amigo para me espionar? A troco de que hein? - Batei o sinal do segundo tempo e nós tivemos que entrar na sala.
– Mais tarde a gente conversa melhor - Ela falou antes de adentrar a sala e se dirigir até a sua cadeira assim como eu fiz. Lá no fundão, a Bianca, a Thais e o Charlie pareciam estar ocupados folheando páginas das suas apostilas e dos seus cadernos de matemática.
– Estudou pro teste? - Indagou o Charlie guardando seu material.
– Teste de que? - Fiquei surpreso. O dia anterior tinha me proporcionado tantas emoções que eu esqueci completamente que teria uma avaliação no outro dia.
– Vincent, ultimamente você tá parecendo até cotovelo de caminhoneiro. Vive por fora - Motejou a Thais caindo na risada junto com o Charlie e respondeu por fim - Teste de álgebra.
A professora encerrou o tempo que ela tinha reservado para nós estudarmos e entregou as avaliações que seriam recolhidas no inicio do intervalo e corrigidas antes da saída. O conteúdo da avaliação era composto por uma penca de matérias que eu não tinha estudado, mas mesmo assim eu ainda tinha esperança de conseguir tirar um cinco.
Quando entreguei minha avaliação com trinta minutos de antecedência, Jordan também entregou. Acho que ele só estava me esperando terminar para falar comigo. Saímos da sala e entramos juntos num quartinho de limpeza para podermos ter mais privacidade sem que ninguém nos atrapalhasse. Que romântico né?
– Bom dia flor do dia! Sonhou comigo? - Eu perguntei.
– Eu nem sonhei direito essa noite. Fiquei horas tentando te ligar e só dava caixa postal.
– Pois é, essa caixa postal tem um nome, ele começa com L e termina com A. Mas isso eu te explico depois, você deve tá doido para saber como é que foi a conversa com a minha mãe.
– Estou roendo as unhas de tanta curiosidade.
– Ela me aceitou. Disse que me ama independente de qualquer coisa. E também pediu que eu marcasse um almoço com você na minha casa para ela te conhecer melhor.
– Que ótimo! Vou conhecer minha sogra.
– Pré-sogra, você quis dizer.
– Isso significa que estamos pré-namorando?
– Talvez. Agora me diz uma coisa, quando é que você vai contar pros seus pais?
– Não sei. Em breve.
– Em breve nesse mês ainda ou no próximo semestre?
– Vincent, por favor não me pressiona. Você sempre me disse que ainda não estava pronto para contar pra sua mãe. E se ela não nos visse ontem a noite, eu tenho certeza que você não iria contar nem tão cedo. Sem mencionar que não tem porque tanta pressa já que a gente nem assumiu nada ainda como você faz questão de me lembrar - Ele verbalizou no momento em que eu ouvi a Leona conversando com a Sabrina no corredor e avisando que ia no banheiro feminino e já voltava. Momento perfeito para um acerto de contas.
– Depois a gente termina essa discussão de relacionamento - Antes que eu fizesse menção de sair do quartinho de limpeza, Jordan segurou meu braço e questionou:
– Por que? Você ficou zangado com o que eu disse?
– Não. É que eu me lembrei que eu tenho que resolver uma parada aí.
– Mas que dia vai ser o almoço na sua casa? Você ainda não me disse.
– No sábado ás 18h. E não se atrase porque eu detesto esperar.
– Exigente. E seco, não vai nem me dar um beijo?
Dei um beijo nele e sai de lá quando o corredor estava praticamente vazio. A maioria ainda estava fazendo a prova. Fui até o banheiro feminino e abri a porta silenciosamente. Leona se encontrava sozinha no banheiro retocando a maquiagem em frente ao espelho.
– Leona, de todas as coisas que você já me aprontou essa foi a pior de todas!
– Por quê essa fúria? Eu só fiz algo que você já devia ter feito há muito tempo.
– Mas com o intuito de me prejudicar. Só que dessa vez você acabou foi me ajudando.
– Então, pronto! Você tinha era que me agradecer por isso. E também não entrar mais no banheiro feminino, porque até onde eu sei você é muito novo para mudar de sexo.
– Pro seu governo, eu sou muito satisfeito com tudo o que eu tenho e isso inclui órgãos sexuais, não pretendo remover nem incluir nada. Obrigado.
– Sério? Não parece que você é satisfeito com tudo o que tem. Eu sempre achei que toda essa raiva que você tem de mim no fundo era inveja da minha vida, da minha popularidade, do que eu sou. Só que você nunca estará a minha altura, aceita que dói menos.
– Isso foi uma piada? Porque eu não achei um pingo de graça. E você fique sabendo que eu jamais teria inveja de uma garota intragável como você, que sente prazer em fazer os outros se sentirem inferiores para poder se sentir superior. Só que você não é superior a ninguém, Leona. Você é vazia que nem uma bolha de sabão, a única diferença é que elas são limpas.
– Aposto que a próxima frase é "Eu tenho pena de você"!
– Seria, caso a minha repulsa por você não fosse tão grande. Porque eu sei que no fundo você não passa de uma garotinha infeliz, mimada e desesperada por atenção. Você só me humilha para descontar em mim as suas frustrações na vida.
– Jura que você acha mesmo que eu tenho alguma frustração na vida?
– Eu tenho certeza que você tem milhares de frustrações. Afinal de contas você é a tipica patricinha de seriado americano que vive fazendo um inferno da vida dos protagonistas a troco de nada e no final a gente começa a perceber que ela não passa de uma menininha.
– Péssima comparação a sua. Eu não sou uma menininha!
– É uma menininha sim! E das piores, daquelas bem choronas que se esqueceram de crescer e usam uma máscara de jovem frívola, arrogante e importante socialmente para esconder que no fundo elas são criaturas dignas de piedade. Se fosse mais clichê do que isso, daria uma novela.
– Já acabou? Eu estou tentando retocar a maquiagem, se você ainda não percebeu.
– Estou quase terminando. Agora só me falta te dizer o que é o pior nos seus dias amargos na face da terra, você não tem amigos. Todo mundo aqui nessa escola não te suporta! E no dia que você deixar de ter utilidade para eles, vai perceber que eu estou certo. Eu quero só ver se eles vão continuar gostando da vossa alteza no dia que você não tiver mais convites para festinhas badaladas, ou presentinhos caros para dar pra eles de aniversário.
– Esse dia nunca vai chegar! Pode ter certeza disso!
– Será que não? Porque eu acho que já chegou, junto com a falência do seu pai.
– O quê foi que você disse?
– Eu já fiquei sabendo que ele tá falido. O quê é uma lástima, pra você já que a sua maior e única qualidade ficava dentro da sua carteira de espinhos.
– Cala a boca, Vincent! - Ela vociferou.
– Ih, relaxa Leona! É normal você passar por dificuldade na vida, e ser pobre não é vergonha não. Problemas financeiros acontecem com qualquer pessoa.
– Para! Você não sabe o que tá falando! - Ela gritava.
– E é por conta deles que você deve estar se sentindo inferior agora né? Pois é exatamente assim que os bolsistas daqui se sentem toda vez que você rebaixa eles. Você se sente no direito de pisar nos outros como se fossem insetos, só que o mundo dá voltas, meu bem. E agora você não passa de uma ex-patricinha seca e pobre não por fora somente, a sua maior pobreza vem de dentro e não adianta fugir porque ela vai te perseguir para onde você for.
– Cala a boca sua bicha maldita - Leona berrou e me deu um tapa no lado esquerdo do rosto que eu revidei com outra bofetada derrubando ela no chão e fiquei em cima da sua barriga. Prendi seus braços com as minhas pernas e lhe dei mais um tapa - Eu odeio você! - Ela deu uma cusparada no meu rosto.
– Ódio por ódio se paga e você pode ficar com o troco - Limpei o meu rosto com o seu cuspe e esfreguei ele na face direita dela lhe dando sete tapas em seguida.
Placar: Vincent 7 x 1 Leona
– Me larga sua bicha! Sua bicha! - Ela vociferou tentando se soltar em vão. Mesmo estando literalmente por baixo, Leona continuava me injuriando com suas palavras ácidas o que me deixava mais irritado do que eu já estava.
Porém alguém interrompeu a surra que a Leona estava recebendo, destravando a porta que até então tinha sido trancada por mim. A pessoa que entrou era ninguém mais ninguém menos que o diretor Wilson e ele nos olhava com uma cara enraivecida quando eu sai de cima dela.
– O quê é que está acontecendo aqui? - Ele perguntou.
– Foi o Vincent, ele entrou aqui e começou a me agredir sem motivo nenhum.
– Não acredita nela! Foi ela quem me provocou!
– Mas você bateu nela?
– Sim. Mas eu tinha um motivo.
– Não se bate numa garota.
– A menos que ela mereça - Retruquei.
– Os dois para minha sala imediatamente - Ele ordenou e nós obedecemos prontamente.
– O que está havendo com vocês? - Wilson indagou quando chegamos na diretoria.
– Foi ela quem me bateu primeiro - Tentei me defender.
– Não interessa quem começou! A partir do momento que você revida uma agressão você perde a sua razão. E eu não vou punir só você, Vincent. Ela também vai receber uma advertência - Wilson começou a digitar no seu computador por alguns instantes enquanto nós detalhávamos para ele o motivo da nossa discussão (Mentindo, obviamente) - Tragam amanhã assinado pelo responsável. E que isso não se repita, não quero bagunça na minha instituição!
Ele pegou os dois papéis na impressora e entregou um para cada um assim que Eu e a Leona nos levantamos para ir embora e eu deixei escapar uma gracinha:
– Você tá é por fora das barbaridades que acontecem aqui nesse bordel - Sussurrei.
– O quê foi que você disse? - Ele berrou se levantando da cadeira.
– Nada. Eu só comentei que o senhor ficou muito charmoso nesse terno salmão.
– Eu ouvi muito bem o que você disse. Detenção! - Wilson ficou furioso e me mandou direto para a sala do castigo afirmando que eu teria de cumprir duas horas de detenção hoje e amanhã. Fui até a minha sala e peguei a minha mochila enquanto a Thais me questionava sobre o que tinha ocorrido. Disse a ela que explicaria mais tarde e segui para a sala do castigo. Chegando lá, me sentei numa cadeira em frente a mesa da professora que ainda não tinha dado as caras. Como se já não bastasse ter que ficar esperando, eu ainda estava sozinho ali. Mandei uma mensagem para a Thais dizendo o que tinha acontecido. Falei que eu tinha saído no tapa com a Leona por ela ter armado para que minha mãe visse eu e Jordan juntos, mas que ficou tudo entre nós e que ela não tinha reagido mal, só pediu que eu convidasse ele para um almoço na nossa casa para minha mãe e ele se conhecerem melhor e ela me respondeu com um "GENTCHY! QUE BAFÃO!". Eu tinha certeza absoluta de que ela tinha lido a mensagem em voz alta para que o Charlie e a Bianca ouvissem. Eu não queria que ela fizesse isso porque o Charlie não gostava quando eu falava do Jordan com ele ou perto dele. Acho que era porque eu estava ficando com alguém e ele não. Eu também me sentia assim quando a Bianca e a Thais ficavam horas me falando sobre seus peguetes e eu ainda não tinha ao menos dado meu primeiro beijo. A professora de Sociologia finalmente deu as caras. Colocou suas coisas na mesa e começou a escrever no quadro um texto enorme acompanhado de um exercício da sua última matéria e saiu da sala dizendo que voltaria em alguns minutos. Copiei o dever e resolvi tudo ele em tempo recorde. Números podem não ser o meu forte, mas em humanas eu nunca tirei notas menores que oito. Abaixei a minha cabeça apoiando ela em cima da mochila, fiquei esperando a professora voltar e nada dela. Acabo pegando no sono e quando acordo vinte minutos depois ela ainda não tinha voltado. Olho ao redor da sala até que vejo o Jordan sentado numa cadeira ao meu lado sorrindo e provavelmente me observando dormir.