"Deve ser gripe. Passei gripe a ele", pensei rapido, numa repentina esperança superficial.
- Como vai isso? - perguntei, olhando-o com atençao - Esta se resfriando?
- Parece que sim -ele recuperou o folego num grande suspiro - Pudera! Com este tempo maldito...
Ainda apreensivo observei aquela tosse por semanas. Era seca, sem febre, mas deixava Fernando abatido algumas vezes, sem muito apetite. Eu estava para sugerir uma consulta ao medico, porem hesitava, com medo de confirmar minhas suspeitas e tambem as dele, pois sentia, sem ele nada dizer, que desconfiava. Era um acordo mudo nosso acerca daquele assunto, por enquanto.
Houve um domingo em que pude ter um momento sozinho com Carlos. Jogavamos baralho na sala de nossa casa e Fernando se prontificou a ir rapidamente ao bar no final da rua, comprar uns refrigerantes para nos.
- Tem notado algo de estranho em Fernando, ultimamente? - inquiri ao nosso amigo, observando-lhe as reaçoes.
- O que? - ele escondeu mal uma certa inquietaçao com aquele assunto - Para mim ele continua o mesmo... Ha algo a ser notado, por acaso?
- Nao sei. Me diga voce. Se gostam tanto.
Ele nao levantava os olhos do baralho, misturando as cartas sem muito proposito. Tinha vergonha, decerto, em admitir o interesse de Fernando e nao parecia disposto a se abrir sobre isso, como tive a impressao dias atras.
- Nao entendo, Reinaldo...
- Sei - falei devagar, tomando folego antes de começar - Escute Carlos, porque nao quero repetir isso. Esse garoto deslumbrado, absolutamente encantado com voce e seu estilo de vida, representa a unica pessoa que tenho no mundo. Mais que isso. O unico ser humano que me proporciona uma paz que nunca encontrei em lugar nenhum. Representa tambem minha vida inteira, infancia, mocidade e representara minha velhice, pois somos um do outro, fomos feitos para sermos assim. Apesar de tanta coisa, nunca duvidei disso. Portanto, meu amigo, se voce esta pensando em... digamos... arriscar uma experiencia diferente, saciar talvez uma curiosidade nova, sugiro que procure outro.
- Mas que disparate! - disse Carlos indignado, perplexo e altamente confuso- Me toma decerto por um de voces, como se eu fosse um depravado, um desequilibrado mental...
- Nao admito que se refira a mim e a Fernando nesses termos - repliquei com firmeza - Somos tao dignos como voce, talvez mais. Nao somos doentes, nem loucos.
- Entretanto, do que voce me acusa! - ele se ergueu da cadeira, furioso, andando pela sala - Nao tenho o menor interesse no seu concubino, na verdade me enoja pensar... Olha, gosto de voces. Surpreendentemente gosto. Procuro nao pensar no que fazem juntos e desse modo aprecio a companhia de voces. Mas isso que disse, Reinaldo, me ofende!
- Entao se me equivoquei, peço desculpas -falei num desanimo -Nao toquemos mais nesse assunto.
Carlos evitou me encarar, retornando à mesa, murmurando.
- Deixe estar. Vamos esquecer isso.
Apesar de parecer ter me desculpado, sumiu la de casa por varias semanas. Na olaria tambem nao estava indo e aquilo angustiava Fernando de um jeito que ele nao escondia. Chegava a piorar -lhe a tosse que se adensava, cheia e umida, asfixiando - o nas crises. Alarmado, eu andava vendo um horario para ele no medico, sem demora.
Como da outra vez chegou em nossa casa um recado de Carlos, pedindo para que fossemos ve -lo em sua casa. Desconfiamos do que nos aguardava e Fernando seguia pela rua num silencio agoniado.
Foi triste a visao que tivemos de Carlos de cama, magro, palido, tossindo sem parar. A forte recaida era o resultado das farras de madrugada, orgias e bebedeiras. Andava fugindo das idas ao medico e semanas atras voltara a tossir sangue.
- Agora me mandam para a Suiça, para me tratar corretamente num sanatorio - disse ele nos olhando lentamente - Quero me despedir de voces hoje. Vou embora na segunda.
Fernando, os belos olhos claros transbordando de lagrimas, sufocou um soluço de choro.
- Nao! - balbuciou, com a mao fechada à boca.
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Obrigadao, pessoal lindo! Adoro muito voces!
Ate o proximo!