Engolir o proprio orgulho nao significa, realmente, o mesmo que engolir um pedaço de pudim. Na verdade parece ser bem o contrario disso e assemelha-se, numa comparaçao rapida, a fazer descer uma pedra goela abaixo.
"Voces nunca me peçam nada a ninguem. Morram mas nao me peçam", costumava dizer o meu pai a mim e ao mano, quando eramos mais jovens. Se algo me ficou daquela criaçao negligente e violenta que recebi dele foi essa frase e a importancia de se ter o proprio orgulho.
No entanto eu nao pediria para mim, pessoalmente. Fernando era quem precisava e por ele eu enfrentaria o que viesse pela frente, inclusive meu proprio brio, meu proprio sentido de honra. Pois nao sai duas vezes mais forte das maos assassinas dos meus parentes para agora sucumbir, pondo em risco a vida de meu garoto, por conta de um orgulho inutil.
Falei com ele sobre escrever a Carlos. No começo ficou surpreso e relutou, se mostrando constrangido, perguntando sobre como iriamos pagar a divida caso Carlos nos emprestasse o dinheiro.
- Trabalho a vida toda se for preciso, de dia e de noite - respondi, segurando as duas maos dele - Mas pago essa divida. E voce nao ficara sem o seu remedio, Fernando.
Ele concordou, e ficou me olhando escrever a carta. Carlos tinha deixado escrito numa das capas dos discos que nos deu o endereço de seu sanatorio, em Davos. "Me escrevam, me mandem noticias", dissera ele naquele ultimo dia.
- Como ele estara, decerto? - disse Fernando assim que fechei a carta e coloquei na mesa para levar ao correio.
- Do jeito que um homem doente, no exilio, ficaria - respondi, indo me deitar no sofa com ele, observando-o atentamente - Voce sente muita saudade dele?
Fernando deu de ombros, desviando os olhos e permanecendo longo tempo observando o movimento quase imperceptivel da cortina de renda amarelada e cheia de furos que tinhamos à janela. Vi os olhos dele brilharem, molhados de lagrimas, mas ele se conteve. Eu achava que, junto da tuberculose, ele precisava tratar tambem aquele estado depressivo que nao o deixava. Talvez o medico pudesse receitar uns calmantes.
- Voce era tao forte, Fernando - sussurrei, mexendo em seus cachos louros e macios.
Ele virou o rosto de lado, mas eu o percebi chorando em silencio.
- E era tao alegre. Tinha tanta sede de viver - continuei, acarinhando seus ombros magros - Eu sempre me senti dominado por sua personalidade, suas vontades e decisoes. Voce era nos dois juntos. Hoje sou eu carregando voce nos braços, enfrentando como posso essa tempestade, encontrando forças nesse amor imenso que tenho por voce para prosseguir. Mas onde esta sua motivaçao para se ajudar e me ajudar? Seu entusiasmo? Sua vontade de viver? Carlos levou tudo embora?
- Nao fala isso - ele disse em meio ao choro - Estou tentando esquece-lo... Mas voce me pede esperança e eu nao sei se tenho... Nao consigo ser forte, nao consigo acreditar que vou sobreviver...
Abracei -o com força, fazendo com que ele se calasse.
- Esta tudo bem - eu disse como a uma criança - Nao precisa fazer isso. Eu me faço forte por nos dois, eu tenho esperança por nos dois.
Se acalmando ele cochilou em meus braços, sentindo a brisa fria da manha mexer -lhe nos cabelos, vinda la de fora com um cheiro seco de rua empoeirada. Fiquei observando -o dormir, tao sereno, e era como se a vida dele estivesse em minhas maos. Seria capaz de dar a minha vida para salvar a dele.
Decorridos vinte dias eu nao mais esperava pela resposta de Carlos. Começava a achar que ele tinha nos esquecido, ou estava tao mal de saude na Suiça que seria impossivel de escrever a quem quer que fosse.
Num final de dia, entretanto, chegando em casa Fernando me recebeu mostrando a carta em silencio: era a resposta do nosso amigo.
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Valeu, pessoal! Voces sao demais!
Estamos na reta final do conto, faltam poucos capitulos.
Ate a proxima! :DD