Olá, leitores e escritores da CdC!
Neguinha Evangélica, obrigado. Espero que você goste mais e mais!
Samusam, o Miguel vai se mostrar um cara de muitas características contraditórias, fique de olho. O Gui é inocente, tadinho. Ele não percebe. De fato, o Lucas é um tropeço mesmo. Um tropeço sexy. Eu queria um tropeço desse. Obrigado, samusam :D
Kadu, que bom que gostou, espero que acompanhe!
Matt, tomara que você goste de Medicina para Inumanos. Eu gosto. USHAHsuhAHSU. Obrigado pelo elogio!
Joshhh e Lucas M, obrigado pelos votos e comentários!
Contato: contistacronico@hotmail.com
Boa leitura!
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GUILHERME
Era quarta-feira, dia de ensaio da Ardente. Miguel havia pedido para eu encontrá-lo mais cedo na igreja para que eu pudesse dar uma ideia de como as coisas funcionavam na banda. Eu aceitei. Estranhamente, Miguel fazia-me querer conhecê-lo melhor, como se ele fosse algo intrigante. Deve ser por causa da aparência diferente dele. Não sei...
Eram cinco e meia da tarde quando passei pelo portão da igreja e adentrei a construção. Dirigi-me para a sala de ensaio, e no caminho fui começando a ouvir uma música... era piano. Havia um piano na sala de ensaio, mas eu nunca havia visto alguém tocá-lo. A porta estava entreaberta. Ouvi uma voz inconfundível cantar:
“It’s not much of a life you’re living...”
Não havia erro nenhum no cantar de Miguel. A voz era fluida e parecia fazer uma festa pelo meu corpo, entrando e saindo pelos meus poros. Silenciosamente, abri a porta e entrei. Ele estava de frente para o piano, de costas para mim.
“It’s not just something you take, it’s given...”
Miguel parecia pequeno diante do grande piano, mas claramente o tocava com maestria. Fiquei ali parado, ouvindo-o.
“Round and around and around and around we go...
Oh-oh, now, tell me now, tell me now, tell me now you know...
Not really sure how to feel about it... something in...”
Seu telefone tocou, era um toque com um ar animado e de anos 80. Ele interrompeu a música e colocou a mão no bolso para tirar o celular, virando-se um pouco e me vendo. Nesse momento ele levou um leve susto.
_Jesus...! Que susto, Guilherme!
Eu ainda estava em um leve transe devido à música. Saí dele num estalo.
_Ah, desculpa...
Miguel riu, tirou o telefone e atendeu:
_Alô... oi, mãe. Tô aqui na igreja, agorinha é o ensaio... ok... tá... tchau.
Miguel desligou o telefone e olhou para mim com um sorriso.
_Você fica quieto atrás dos outros assim sempre?
Eu ri e disse:
_Não quis interromper.
Miguel olhou para o piano.
_Ah... isso. Eu estava me aquecendo.
_Foi um aquecimento bom de ouvir. – eu disse.
Ele deu um sorriso tímido. Miguel estava novamente com uma camiseta de manga longa, dessa vez branca, ainda com a luva de couro preta que ia até a metade dos dedos da mão direita. Eu queria muito perguntar o porquê de ele usá-la, mas pareceu que seria indelicado da minha parte. Miguel perguntou:
_Então... você pode me dizer o que normalmente a banda faz, como ela se organiza e tal?
_Ah, claro. – essa era a razão de eu ter chegado mais cedo.
Miguel continuou sentado no banco do piano, eu peguei um banco ali perto e sentei.
_Sabe, eu também não tô na Ardente há muito tempo. Como eu disse na segunda, eu frequento a igreja há pouco tempo. Mas o básico eu sei. A gente toca todo domingo, normalmente teria mais de um vocalista para revezar, mas desde o Carlos que é só um, então não tem substituto pra você. Tem vezes em que a gente vai tocar em outras igrejas como convidados, eu já fui uma vez. O pastor não aceita discórdia na banda, nem sentimentos ruins entre os integrantes. Se for para resolver alguma coisa, tem que ser na calma e na conversa.
Miguel estava ouvindo com interesse. Em um momento, ele colocou a franja para trás antes que ela caísse em seus olhos, mas ela voltou quase para o mesmo local de antes. Seus cabelos pretos eram lisos, mas faziam leves curvas no fim. Ele parecia não se importar muito com corte, já que seu cabelo já alcançava quase o fim da sua nuca e tinha um aspecto bastante irregular, como se ele mesmo o cortasse.
Falei sobre algumas regras em relação aos instrumentos, horários, ensaios e falei um pouco dos integrantes da banda. Isso levou uns quinze minutos de conversa.
_Parece simples. – ele disse por fim com um sorriso satisfeito – É só isso?
_É. – eu respondi.
_Ah, então ok. Desculpe te fazer vir aqui só por isso, mas eu tô um pouco inseguro quanto à essa entrada repentina na banda...
_De boa, cara. Eu nem tive a chance de falar com você no domingo. Queria dizer que gosto muito dos seus pais. A Márcia foi muito gente boa, ela que me recebeu aqui na igreja.
_É uma igreja bem receptiva mesmo. – disse ele com um sorriso também receptivo.
Assenti. De repente me veio algo à cabeça, uma pergunta que eu estava querendo fazer a ele desde segunda:
_Você conhece o Lucas do quinto período de engenharia civil?
Miguel pareceu ficar sem reação diante da minha pergunta. Estava claro que ele o conhecia. Ele pareceu hesitante antes de dizer:
_Sim.
_De onde? – perguntei, só pensando depois na possibilidade de estar sendo invasivo demais.
Ele pareceu hesitante novamente. Percebi que era um assunto delicado.
_Não precisa responder, se não quiser. – eu adiantei.
Miguel suspirou, tirou a luva de couro, expondo sua mão direita que tinha... uma tatuagem!?
_Foi o Lucas quem fez isso. – disse ele levantando a mão ao lado do rosto com as costas dela viradas para mim.
Havia um círculo formado por duas setas nas costas de sua mão, como se fosse um símbolo de “atualizar”. Desse círculo, saíam cinco outras setas, cada uma indo para um dedo da mão. Nas costas da primeira parte (falange proximal) de cada dedo, havia um desenho indicado pela respectiva seta. No dedão, havia a palavra “void”; no indicador, havia uma cruz cristã; no dedo do meio, um yin-yang; no anelar, um símbolo de Marte; e no mindinho, um símbolo de vênus. Cada seta que ia do círculo central até o desenho tinha duas pontas, cada uma em uma extremidade. Não entendi o que a tatuagem significava de início. Eu estava impressionado demais com o fato de Miguel ter uma tatuagem para tentar decifrar o significado daquilo. De qualquer maneira, a tatuagem era muito bem feita, em linhas pretas bem definidas, sem outras cores.
Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, Miguel arregaçou a manga esquerda da camiseta e mostrou... outra tatuagem!?!
_Essa também. – ele disse.
Essa envolvia o antebraço frágil de Miguel. Consistia em arabescos em linhas pretas que formavam alguns desenhos um pouco abstratos, mas ainda compreensíveis. Havia uma gaiola de pássaro daquelas que formam uma cúpula na parte de cima. Os arabescos pareciam partir da gaiola em várias direções, circulando o antebraço de Miguel e formando pássaros em alguns lugares. Era bem bonita, eu devia admitir. Mas ainda assim estava surpreso demais com aquela situação.
_Por que você esconde? – perguntei ainda encarando as linhas pretas.
_Meus pais não gostam delas.
Assenti olhando para o chão, sem saber o que realmente dizer, até que sintetizei alguma coisa:
_E você gosta?
Miguel olhou carinhosamente para sua tatuagem nas costas de sua mão direita.
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MIGUEL
Encarei a minha tatuagem da mão com um sorriso saudoso. Sabe... eu odeio aquela desgraça chamada Lucas... e aquela tatuagem foi o começo de tudo. Eu busquei o melhor tatuador para fazê-la, e acabei conhecendo o atraente e tóxico Lucas. Foi naquela época que eu comecei a gostar dele... foi naquela época que eu mesmo cavei a minha cova.
Embora as lembranças com Lucas me causassem repulsa, eu nunca me arrependi por ter feito aquela tatuagem... ela simbolizava um ciclo entre coisas opostas. Minha sexualidade: o que ela deveria ser e o que ela era. Minhas crenças: aquilo que meus pais queriam que eu acreditasse e o vazio no qual eu acreditava. Yin-Yang... a dualidade pura. Mas sempre existe uma pequena semelhança entre opostos... A tatuagem do meu antebraço significava simplesmente liberdade, uma coisa que eu busco há muito tempo.
Saí de meu transe reflexivo e olhei para Guilherme, que me olhava com curiosidade. Eu devia estar parecendo patético. Na verdade, aquele teatrinho meu estava custando muita energia. Parecer gentil e tímido gastava toda minha capacidade mental. Eu poderia dar um “foda-se” e desistir, mas eu tracei m objetivo e... o Guilherme era sexy demais.
Olhando-o de perto assim, frente a frente, eu percebia que ele estava fora dos padrões ali. Tinha a aparência do tipo playboy marrento difícil de lidar. Devia ser difícil ser tão bonito e tão... apegado aos preceitos cristãos. Mas, na verdade, o que eu sabia sobre Guilherme? Talvez ele fosse daquele tipo que frequenta a igreja mas fora dela é uma pessoa completamente diferente. Talvez ele fosse bem herege, tipo... eu.
Seus cabelos castanhos e curtos estavam arrumados para o lado, com um penteado feito com a mão, um pouquinho desleixado. Seu rosto parecia ser feito para conquistar... tinha uma forma perfeita, máscula. Aquela marca de barba só melhorava tudo. Ele usava uma camiseta lisa rosa claro cuja manga se ajustava perfeitamente em seus braços, uma bermuda marrom clara que dava a ele um jeito de garotão e sapatênis. Eu conseguia visualizar perfeitamente nós dois na cama... seus braços me apertando contra ele enquanto suas investidas o faziam ir mais fun...
Me dei conta subitamente que estava viajando na maionese. Eu tinha que continuar com a peça... qual era a última pergunta que ele havia feito mesmo? Hum... ah, se eu gostava das minhas tatuagens. Porra, eu amava elas. Mas eu não podia dizer dessa forma. Afinal, agora eu era “cristão”.
_Bom... elas possuem um significado. – dei um suspiro magistralmente fingido – Mas hoje eu penso que não deveria tê-las feito. Mas são bonitas, pelo menos eu acho.
Guilherme deu um sorriso compreensivo e assentiu.
_São muito bem feitas sim. Se elas possuem um significado, você não deveria ficar arrependido. – ele encarou as tatuagens por um segundo – Se um dia eu for fazer uma tatuagem, eu vou procurar o Lucas.
Um arrepio correu pela minha pele. Duas razões: imaginar os braços maravilhosos de Guilherme tatuados... sexy; e ouvir o nome de Lucas me fazia sentir asco. Ok, admito, poucas pessoas faziam sexo tão bem quanto Lucas. Nossa... só de lembrar da nossa última e única vez fazia com que eu quisesse loucamente aceitar o Lucas novamente. Só uma vezinha... só umazinha... NÃO, MERDA! NÃO! O LUCAS NÃO!
Acho que todos aqueles pensamentos estavam me fazendo ter um curto-circuito mental. Nem sabia mais qual era minha expressão facial. Percebi que Guilherme me olhava de maneira estranha. Deve ser porque eu estava com a cara de um completo retardado.
_Ah, desculpa, Guilherme. Eu tô cheio de coisas na cabeça, tô meio desligado. – eu dei um sorriso tímido bem arranjado e dei uma coçadinha na cabeça, bagunçando um pouco o meu cabelo.
Guilherme riu e disse:
_De boa, Miguel.
Dei um sorriso amigável. Parecia que ele era bem... legal e gentil. Não combinava com ele. Irônico, porque a gentileza cai bem em mim, mas eu prefiro ser mais ácido. Ok, estava na hora de começarmos a formar uma amizade mas antes que eu pudesse criar um diálogo mais legal, os integrantes da banda abriram a porta da sala e entraram.
_Ah, olha o pessoal aí. Bora, Miguel. – disse Guilherme levantando-se.
Quando Guilherme virou as costas, revirei meus olhos. Que chatice... Ninguém mais ali me interessava. Maaaaaas, era necessário. Dei o meu melhor sorriso interessado e fui até eles. O baixista foi o primeiro a me cumprimentar. Até agora eu não sabia o nome dele. Que droga, sou horrível com nomes de pessoas que não me interessam. Ele tinha algo por volta de 1,75, era magro, levemente definido, tinha cabelos castanho escuros bem curtinhos e pele parda. Seu sorriso até que era caloroso. Ele estendeu a mão para mim e disse:
_E aí, Miguel. Nem pude falar com você no domingo, mas que bom que você entrou na banda. Você canta demais!
_Ah... obrigado... – eu disse hesitante, eu precisava saber o nome dele.
Por sorte, uma das meninas que faziam a segunda voz disse com um pouco de indignação:
_Ei, Roberto, o Carlos sempre dizia para não deixar o baixo ali. – ela parou e virou-se para mim com um sorriso receptivo – Parabéns por entrar, Miguel, adorei você cantando também.
Cumprimentei-a também. Valeu amiga, vou gravar o nome Roberto. Logo veio a segunda garota, que também me deu as boas vindas. Logo depois veio Alberto, o guitarrista. Ele era o único ali que sabia quem eu era fora da igreja. Ele só sabia porque estudava na mesma faculdade que eu e Guilherme, e já houve vezes em que eu fui um pouco indiscreto. O fato de ele saber quem eu sou poderia ser um problema, mas causar discórdia na banda era estritamente proibido. Alberto estendeu a mão para mim com um sorriso claramente forçado e que passava a ideia de repulsão. Certifiquei-me de que ninguém estava olhando (estavam preparando os instrumentos) e dei um sorriso insinuante e cínico, cheio de desafio. Ficamos com aquele ar gelado entre nós até ele dizer aquelas palavras vazias:
_Bem vindo à banda.
E as minhas palavras saíram preenchidas de vácuo em meio a um sorriso frio:
_Obrigado.
CONTINUA