Capítulo 5: O herdeiro da morte.
Abri os olhos e vi tudo negro. Estava quente, e mesmo assim conseguia suar frio.
Levantei a cabeça ao ponto de dar de contra com aqueles olhos enormes. Eles pareciam ver por dentro de minha alma, era como se cada centímetro do meu corpo fosse fitado por aqueles olhos curiosos.
Mesmo com medo, o encarei com firmeza e por um gesto inconsciente, levantei a mão e comecei a chegar perto. Eu não tinha a mínima idéia do que estava fazendo, eu apenas deixei com que meu corpo falasse e segui ao extinto de que aquele que ali estava era Daniel, e que ele não me machucaria.
Conforme aproximava mais minha mãos daquela criatura, ele mostrava os dentes em forma de aviso para que eu me afastasse, más no fundo, eu conseguia ver e sentir que ele estava tão assustado quanto eu.
Ao encostar em seu peito, o animal deu um urro de dor e, lentamente, caiu de joelhos à minha frente fazendo com que eu me afastasse. Ele respirava pesado e soltava uns gemidos, como se estivesse chorando. Mesmo de joelhos, aquilo conseguia ser bem maior que eu, apesar dos pelos, dava para ver nitidamente os músculos saltados do peito, abdômen, e braços. Era realmente uma visão perturbadora ver aquela criatura tão grande e imponente, ali, jogado aos meus pés. Eu não fazia idéia se aproveitava e saia correndo dali, ou se me lançava aos braços da fera e lhe dava todo amor e carinho que ele merecia por ter me salvado. No fundo era o que eu queria, sair correndo. Era o que uma pessoa no seu devido juízo faria, más eu, depois de tudo que vi, depois de tudo que passei aquela noite, nem sabia mais qual era o significado da palavra "racional".
E foi assim, levado pelo impulso do desconhecido que me joguei ao encontro daquela coisa, e o abracei com todas as minhas forças. Ele não parecia se importar com o tal ato, na verdade, ele jogou sua cabeça acima do meu ombro e se deixou levar pelo momento.
Afundei a cabeça nos pelos mais longos que se posicionara em volta do pescoço, e fiquei ali, envolto ao homem-fera que eu amava.
Com o pesar do sono acabei adormecendo naquela posição.
Não me lembro bem do que acontecera na noite anterior, tudo parecia apenas um sonho, um sonho estranho e assustador. Nunca antes havia sentido tanto medo em toda a minha vida, não medo do que me caçou, más sim medo do que poderia acontecer com quem os caçava. Tinha medo de perdê-lo, dele desaparecer, de nunca mais poder vê-lo e beija-lo novamente.
Abri os olhos com pesar e vi apenas escuro. Ao me mexer, notei que estava deitado nos braços de alguém. Não dava para ver quem era, pois, estava realmente um breo só; me aproximei o máximo possível para tentar enxergar o rosto e fiquei aliviado ao saber quem estava ali.
- O que foi?- Perguntou Daniel de surpresa fazendo com que eu desse um pulo para trás.
- Dan... Você voltou ao normal!!!- Disse dando um pulo em cima dele e lhe abraçando forte.
- É... Ai! Vai mais devagar, eu estou todo quebrado...- Me afastei e tentei examiná-lo, sem sucesso. O escuro ali não permitia qualquer contato visual preciso.
Ao por as mão no chão para ganhar apoio, percebi o chão arenoso e soube que ainda estávamos no galpão.
Pela enorme fiçura do teto, entrava apenas a fraca luz dos primeiros raios de sol.
- Fiquei com tanto medo...- A essa altura meus olhos já eram torneiras de lágrimas. A sensação de vê-lo são e salvo, ali, na minha frente era a melhor impossível.
Eu queria abraça-lo, queria aperta-lo, e principalmente, queria beija-lo.
- Eu também... Tive medo de não conseguir te proteger... Medo de morrer e não poder mais ver esse seu rosto lindo...- Ele segurou meu queixo com os dedos e em seguida acariciou meu rosto.
- Então por que você me tratava daquele jeito? Parecia que estava sempre com ódio de mim.- Ele respirou fundo e ficou me encarando por alguns segundos.
- É complicado...
- O que é complicado?
- É uma longa história.
- Sou todo ouvidos.- Disse cruzando as pernas e esperando com atenção.
- Está bem...- Ele se ajeitou com dificuldade e sentou-se com as costas na parede.- Eu sou um lobisomem.- Minha vontade foi de dizer "É mesmo?", más a situação pedia que me comportasse devidamente, pois, apesar do lado um pouco "cômico", aquele era um momento delicado. Balancei a cabeça de forma positiva e o instrui a continuar.- Como você viu ontem, existem outros, na verdade milhares, espalhados por ai.
- Como isso aconteceu com você?- Perguntei o interrompendo.
- O seu pai. Ele também era, assim como nosso avô, nosso bisavô, tataravô e assim por diante. O genes do lobisomem vem passando de geração em geração na nossa família à mais deanos. Somos a família mais antiga a portar a maldição que nos foi jogada à séculos atrás. Conforme o tempo passou, fomos sendo extintos um à um, até que nossa família se reduziu a quase nada. Seu pai foi o último antes de mim, por direito, a maldição deveria passar para o filho homem ou mulher, primogenito do lobisomem. Por tanto, deveria ser sua.
- Más então porq...
- Calma, eu já vou chegar lá.- Disse ele pondo o dedo em meus lábios.- A cada geração que se passa, os lobisomem vão herdando a força de seus antepassados, quanto maior a linhagem, maior o poder do lobisomem. A cada geração, mais potente e destrutiva a fera se torna.- Ele fez uma breve pausa e encarou o chão.- O genes do lobisomem encontrou a forma mais pura e forte em você do que em qualquer outro existente da nossa família. Meu tio era mais forte que o pai dele era, e você seria muito mais forte que ele. Seria praticamente indestrutivel, nada poderia detê-lo, nada poderia pará-lo. Meu tio era uma boa pessoa, ele se importava com os outros, ele odiava ser o que era. Há duas maneiras de a maldição ser passada adiante. A primeira é o herdeiro completando 14 anos, assim a maldição é passada automaticamente. A segunda é: se o lobisomem morrer antes do chegar dos quatorze anos do seu primeiro filho, ou se ele não possuir filhos, a maldição fica pendurada a procura do próximo membro da família mais próximo dessa idade.
Seu pai não morreu em um acidente de carro... Ele se matou jogando o carro em um desfiladerio. Ele sabia que se a maldição fosse para você, você seria uma bomba relógio. A maldição esperaria até a idade certa, e na primeira lua cheia, o monstro preso dentro de você viria à tona. Mais veloz e forte do que qualquer máquina feita pelos homens. Capaz de devastar metade do estado em apenas uma única noite, iria de cidade em cidade em questão de segundos, nem todo o sangue do mundo derramado seria o suficiente... Você seria insáciavel.
- Ele se matou, por minha causa?- Em meu rosto já era visível as lágrimas rolando.
- Sim, ele fez isso para te proteger, para nos proteger... Más fazendo isso, ele também estaria pondo a vida de outra pessoa em jogo. Naquele dia eu havia acabado de completar 14 anos. Você ainda tinha 12, por isso...
- A maldição iria para o membro mais próximo dos 14 anos...
- Exato. Naquele dia foi carimbado o meu destino. Um destino que não poderia ser mudado. Naquele instante em que o carro do seu pai foi totalmente envolvido pelas chamas, uma corrente foi presa ao meu pescoço. Dali em diante eu sabia que teria que conviver com esse monstro dentro de mim pelo resto da minha existência. É por esse motivo que eu sempre tive ódio de você. Eu sempre pûs a culpa de eu ser como sou em você. - Eu não disse nada, afinal, de certa forma eu me sentia culpado. Eu estraguei a vida de duas pessoa que eu amava muito, e não tinha nem o direito de pedir desculpas.- Más isso mudou quando eu te vi pela primeira vez. No exato momento que você saiu daquele carro eu me apaixonei por você. Confesso que não queria que isso tivesse acontecido, pois, você além de ser homem é meu primo. Más agora eu não estou nem ai se você é meu primo ou não, a única coisa que eu quero é ficar com você pelo resto da minha vida... - Dito isso ele se curvou ao meu encontro, e demos um beijo forte e apaixonado. Logo em seguida ele se afastou e se pôs em seu lugar anterior.- Continuando...- Ambos sorrimos.- A primeira transformação sempre é a pior. Todos os ossos do seu corpo são quebrados violentamente para se adaptarem à forma monstruosa que ganhamos quando a lua cheia aparece no céu. Na primeira transformação também somos muito mais fortes, pois, é quando o sangue humano e o lycantropo se fundem.
- Quantas famílias lobisomem existem?- Disse limpando o rosto e me aproximando mais.
- Não são muitas. As famílias originais estão praticamente extintas. Por sermos a primeira e mais forte, os lycans começaram a formar bandos e nos caçar até extinguirem quase todos.
- Lycans?
- É... É como são chamados os que não vieram de linhagens como nós. São basicamente mestiços, seres humanos normais que tiveram contato com o sangue lycantropo que só os lobisomem legítimos possuem.
- É través da mordida que se transforma uma pessoa em lycan?
- Não. A mordida de um lobisomem à um humano é fatal, mesmo que seja apenas um arranhão. O único jeito é dando o sangue de bom grado, ou propositadamente para a pessoa ingerir ou apenas pelo contato de pele já é o suficiente. Apenas os lycan podem passar a maldição através da mordida, na saliva deles contém uma substância chamada Atteno-Lupus. Substância essa que se espalha rapidamente pelo corpo do infectado e se espalham nas correntes do DNA, fazendo com que assim ocorra a transformação.
- Qual é a aparência de um lycan?
- Eles são praticamente idênticos à nós. Há algumas pequenas diferenças que pode denunciar um lycan. Os olhos de um lobisomem legítimo são dourados, os dos Lycans são quase sempre azuis. Com exceção que, por conta de serem mais fracos fisicamente, eles aprenderam a formar bandos, e nesses bandos sempre tem um alfa. O alfa geralmente é maior, por conta disso se torna o líder, pois, os outros não podem com ele. Apenas o alfa possue a cor dos olhos vermelho-sangue. Outra característica, como já disse antes, eles são menores, mais magros e fracos que nós.
Mesmo assim, sem prática um lobisomem ainda pode se confundir com essas pestes.
- Hum... Isso é meio confuso... Se existem tantos como você por ai, como conseguiram passar tanto tempo escondidos?
- Lhe garanto que não foi fácil. É extremamente difícil controlar o desejo de matar quando se está transformado. Por sorte, as grandes organizações de "assuntos sobrenaturais"- ou não- como por exemplo: a NASA, acabam descobrindo nosso paradeiro más ocultam todos os vestígios que deixamos para que não caia no conhecimento dos humanos.
Existem coisas por ai que você nem faz idéia; quando eles descobrem algo fora do comum, tentam passar um pano em cima para que não assuste as pessoas, no entanto, nem sempre eles conseguem. Há relatos verdadeiros de pessoas que já presenciaram nossa aparição. Quase sempre Lycans. Seres nojentos! Só servem para acabar com a nossa reputação, é por isso que sempre fomos vistos de forma negativa, sempre como os vilões da história. É tudo culpa deles, por não conseguirem controlar seus instintos e acabam atacando pessoas inocentes.
- E vocês não fazem isso também?
- Só durante a lua cheia. São as únicas vezes que perdemos o controle total de nossos corpos. Nos tornamos escravos da lua, ela nos força a despertar o lado animal que tanto lutamos para prisionar todos os dias de nossas vidas miseráveis. Um lobisomem não escolhe ser quem é, quando a lua cheia surge no céu, nossos espíritos entram em um estado de transe. Vemos pessoas inocentes serem partidas ao meio sem poder fazer absolutamente nada. É o maior castigo que uma pessoa pode receber. Lycans são diferentes de nós. Nós não queremos machucar ninguém, já eles, parece que quando o veneno lycantropo age no organismo deles algo muda. Eles passam a ser incontroláveis, tanto na lua como em dias normais.
- Um lobisomem pode se transformar sem a lua cheia? Quer dizer, é possível se transformar de dia?
- Não é comum. Já ouvi relatos de que apenas os mais fortes conseguem, más é praticamente impossível. Apenas Lycans conseguem por terem a maior parte de seu DNA humano, por tanto, eles podem transformar e destransformar a hora que quiserem.
- Então, durante os dias que não possuem lua cheia os lobisomens são alvos fáceis para eles?
- Não. Apesar de não podermos nos transformar, lobisomens possuem quase a mesma força e velocidade de quando estão em seu modo animal. Pode parecer uma grande vantagem poder se transformar à hora que quiser, só que essa habilidade também é uma enorme fraqueza. A transformação de um lycan ou lobisomem é altamente dolorosa, principalmente em uma situação de emergência. Quanto mais rápido o transformar, mais colorido é. Esse ato exerce uma pressão absurda sobre músculos e ossos, quanto mais um lycan se transforma, mais fraco ele fica.
- Hum... Más e se...
- Não, chega de perguntas por hoje senhor intocável. Estou morto de cansasso. Faz apenas uma hora que consegui voltar ao normal, e quando estava quase pegando no sono você acordou.
- Ah, desculpe...- Ele deu um sorriso fofo e fez sinal para que eu fosse para seus braços fortes. Quando cheguei perto pude ver alguns ferimentos em seu peito e abdômen.- Oh, meu deus... Olha como você está!- Disse alterado.
- Ham... Isso? Não foi nada, pode ficar tranquilo. Daqui à alguns minutos já vão estar cicatrizados, só estão demorando porque foram golpes fundos...
- Ham... Tem certeza?
- Absoluta. Não é a primeira vez que isso acontece, eu vou ficar bem.- Após alguns segundos pensando, me deitei sobre seus braços e peito, e adormeci rapidamente. Eu sentia uma paz incrível ao estar em seus braços, sentia que nada nem ninguém pudesse me tocar... Apenas ele.
Continua.....