Era tao doloroso acreditar naquilo! Entretanto, se ainda nao era paixao, era decerto um encantamento muito forte, bem proximo disso. Decidi ficar calado por enquanto, apenas observando o meu rapaz. Seria horrivel e humilhante bancar o ciumento desconfiado, um Otelo, nessa altura de nosso relacionamento e, de mais a mais, talvez no final das contas eu estivesse enxergando coisas.
Estava se tornando habitual Fernando fazer amor comigo de olhos fechados. Ultimamente aquilo era quase constante e bem estranho para mim, particularmente naquela noite, horas depois de Carlos ter ido embora. Se esbaldando em passividade sexual que nos ultimos tempos era a regra para ele, Fernando delirava debaixo de mim, lavado em suor, a boca rubra entreaberta deixando escapar arquejos, sussurros incompreensiveis, os olhos cerrados como se imaginasse uma situaçao de sublime luxuria.
Descansando nus e juntos, mais tarde, observei sem censura que ele tinha chegado ao climax talvez rapido demais aquela noite.
- O que tem isso? Quer controlar minha ejaculaçao, Rei? -falou ele indignado.
- Apenas comentei, nao precisa se aborrecer comigo - disse isso acarinhando -o nos cabelos umidos de suor - Nao sei porque ultimamente pegou essa mania de fazer amor comigo de olhos fechados...
- Este assunto esta se tornando ridiculo! - disse ele subitamente exasperado, apanhando suas roupas pelo chao - Voce nao era chato assim, Reinaldo.
- Talvez nao mesmo - murmurei vendo -o se trancar no banheiro.
O fato era que eu sentia falta do olhar fixo e carregado de malicioso desejo que ele sempre fazia enquanto nos embrenhavamos um no outro. Mordia os labios e arqueava o pescoço para meus beijos, me abraçando com uma força agressiva. Agora, porem, era aquilo : delirava em meus braços, mas nao parecia ser comigo, nao parecia ser para mim.
The Platters dominava a sala todas as tardes numa repetiçao enjoativa, irritante. Fernando nao se cansava de ouvir aquele disco e aos domingos, quando Carlos vinha, colocava o bendito do disco para cantarem junto com a musica em sons agudos que arrancavam gritos do papagaio do vizinho. O triste Francisco Alves permanecia agora no fundo duma gaveta, ignorado por eles, recebendo apenas uma eventual atençao minha quando me dava na telha.
Comigo em casa Fernando estava relativamente o mesmo, amoroso, lascivo, brincalhao, e embora eu tenha acordado varias manhas com ele me olhando do seu canto na cama, feito refletisse em algo insondavel, nada de concretamente suspeito pude perceber. Contudo, era apenas Carlos chegar para a alegria do meu loiro nao ter limites, seus olhos cor de lagoa faiscavam como se incrustados de estrelas, ria como nunca e estava sempre por perto do outro, fitando -o como quem olha uma apariçao, um deus. Aquilo acabava comigo, me fazia como que engolir um pedaço de cacto a seco.
Carlos, como um rapaz bonito e de sociedade, tinha obviamente uma pretendente. Nao passava de um flerte, claro, mas ele se mostrava bem interessado numa tal de Carolina, filha dum renomado advogado ali da cidade. Dizia que era linda e que nao lhe fazia cara feia, muito pelo contrario.
- Devem formar um belo par : Carlos e Carolina - eu disse certa vez a ele, reparando bem em Fernando que engoliu em seco, desviando os olhos e mordendo o labio, contrariado.
- Pois um dia eu a mostro a voces - Carlos sorria, batendo no joelho - Ainda namoro aquela pequena, podem apostar!
Fernando tinha um ar sombrio, o olhar perdido num canto da sala, mudo e fechado. Sem dizer nada foi para a cozinha e um minuto depois eu o segui.
- Para que essa cara feia? - perguntei vendo -o tomar um copo de agua.
- Que cara feia? Andou bebendo, foi? - sua voz veio irritada.
Segurei em seu braço, o encarando. De subito me veio uma raiva, um ciume em pensar que ele decerto pretendia outro...Respirei fundo.
- Voce ainda me ama? - sussurrei.
Ele pareceu perplexo. Tentou se soltar mas eu o segurei mais forte.
- Parece evidente, nao acha? - disse ele com certo ar mordaz.
Num impulso, numa onda confusa de medo, desgosto e desejo apertei -o contra mim, segurando -lhe nos cabelos e o beijando com força, fazendo -o gemer. Ele retribuiu o apertao, segurando -me pelas nadegas, quase me levantando.
- Ei! -ouvi a voz estridente de Carlos à porta da cozinha - O que significa isso? Voces sao bichas?
Encarei -o ofegante, me afastando de Fernando, o coraçao aos saltos. Pela segunda vez eramos descobertos.
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Pessoal, muito obrigada pelos comentarios e leituras! Voces sao poucos mas sao especiais.
Perdoem o fato de nao estar havendo acentuaçao nas palavras, mas estou com um problema no teclado por isso.
Ate o proximo!