O semblante espantado de Carlos nao durou muito, sendo logo substituido por um ar de repulsa e deboche, como quem acabara de presenciar uma cena de comedia escatologica.
- Estou horrorizado - falou dando um riso de zombaria em seguida - Sao bichas...
- Bicha?! A puta que o pariu! - repliquei furioso, avançando sobre ele.
Fernando segurou meu braço com força, repentinamente severo.
- Nao piore as coisas, Rei!
- Vai deixar que esse estupido nos insulte em nossa propria casa? - eu disse indignado.
Carlos acendeu um cigarro num gesto arrogante, como se estivesse subitamente calmo, imaculado ante toda a nossa "sujeira".
- Que importa o nome! - disse apos uma tragada - Bicha, veado, pederasta, invertido...isso tudo voces sao e...bem, que barbaridade! Mulheres nao faltam por aqui, nao precisavam fazer isso, sabe? Estou repugnado.
- Como se frequentar bordeis fosse a coisa mais limpa a se fazer, nao Carlos? - falei encarando -o com raiva e asco - Isso sim repugna...
Ele fitou -me numa expressao altiva e cinica e, sem nada dizer deu -nos as costas. Fernando imediatamente me soltou, indo atras dele, pedindo num tom sentido.
- Espera, Carlos! Nao saia assim...
Da cozinha ouvi o tom de voz impaciente de Carlos.
- O que quer? Nao vou falar a ninguem, sossegue. Nada tenho com isso, apesar de enojado como nunca com a cena que vi. Para mim voces dois precisam de tratamento psiquiatrico, porque convenhamos...Olha, preciso ir. Outro dia busco os jogos, divirtam -se com eles...se nao tiverem nada melhor a fazer.
Finalizou com um tom de chacota, saindo e batendo com a porta. Atravessei a cozinha e na sala observei Fernando com lagrimas nos olhos, enfurecido.
- Nao devia ter me beijado! - disse ele me olhando com irritaçao.
- Vai me culpar agora?
Nao respondeu. Ficou parado em frente à janela, contendo o choro, uma expressao grave, impenetravel. Eu o olhava tentando com dor, com devoçao e ressentimento, entender por quais caminhos estava indo o coraçao daquele jovem louro que representava todo meu ideal de felicidade e realizaçao. Nao era possivel que o perdesse, que toda a nossa historia de força e companheirismo fosse de repente tragada pela paixao por um almofadinha imbecil, desocupado, que vivia o dia todo esquentando o traseiro no banco da lambreta e flertando com as moças tolas e ricas do centro. Era inconcebivel que o nosso amor tao poderoso nao resistisse à uma tentaçao tao estupida.
- O que o magoou foi a rejeiçao nos olhos dele - falei chegando perto de Fernando na janela que dava para o quintal descuidado - A rejeiçao ao que fizemos e somos, a voce...
O olhar dele encontrou o meu. Parecia tao limpo, distante e melancolico, como que resignado com tudo que tive pena. La fora, o sol de final de tarde descia devagar e um feixe de luz tenue dançava lento no rosto do meu menino. Ele todo louro, dourado como um discipulo de Apolo, os cabelos fulgurando aquela luminescencia feito ouro novo, os olhos claros translucidos de luz amarela. Como eu amava aquele moleque!
- Porque diz que estou magoado? - perguntou baixinho, me olhando.
Era tao ruim dizer, admitir aquilo. Nao havia outro jeito.
- Porque esta apaixonado por ele, Fernando.
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Muitissimo obrigado por seguirem acompanhando esta historia. Isso muito me satisfaz!