N.A.: Aos que me acompanhavam na Casa há um tempo, peço desculpas pelo sumiço. Excluí "O Muro" por motivos pessoais e logo mais postarei novamente, com algumas modificações. Aos que não me conhecem, sejam bem-vindos e que minha escrita os agradem!
1º de setembro de 1939
"A vida é um calvário. Sobe-se ao amor pela dor, à redenção pelo sofrimento." JUNQUEIRO, Abílio Guerra
O primeiro estrondo pôde ser ouvido logo nas primeiras horas da madrugada. O som era rasgante e notável a quilômetros de distância. E a partir dele, outros vieram. Pareciam tiros de canhões, do tipo que o velho pai contava nas noites de inverno enquanto se aqueciam em frente à lareira.
O jovem levantou-se num rompante já colocando seus chinelos e descendo as escadas da velha casa. Já na sala encontrou os pais, ambos de certa idade, olhando aturdidos para a janela frontal da casa. Imaginavam, cada um para consigo, que logo os bramidos cessariam. Porém, cada vez ficavam mais altos. Em poucos minutos, os moradores notaram uma multidão correndo sem rumo em uma das principais ruas de Varsóvia, com elas haviam militares e pessoas levando murros e sendo colocadas dentro de caminhões pretos, de prisão. A surpresa foi que não eram militares poloneses, pois o uniforme era diferente, escuro, alguns com medalhinhas de cores primárias, mas todos possuíam algo em comum: Uma águia e uma suástica.
O patriarca, um militar aposentado que há alguns anos lutara na Primeira Grande Guerra, ordenou que o mais novo subisse e colocasse uma roupa quente e botas, e foi prontamente atendido. Em poucos minutos trocou de roupa e vestiu um agasalho, além de calçados apropriados, prendeu o cabelo castanho comprido numa espécie de rabo de cavalo atrapalhado. Porém, antes de abrir a porta para descer novamente à sala, ouviu um barulho de arrombamento seguido por alguns tiros disparados da espingarda do seu velho pai, e logo em seguida os gritos agudos da mãe.
Louis não ousou abrir a porta, horrorizado, pois sabia o que acabara de acontecer na sala de estar. Ele saiu pela janela do próprio quarto, que dava para os telhados vizinhos e foi pulando por sobre os telhados.
As pernas já doíam de tanto esforço para caminhar sobre as casas alheias, esforço esse que ele fazia para evitar de acabar quebrando alguma telha. Quando chegou num ponto um pouco mais afastado, saltou no chão. A rua estava parcialmente vazia, mas ele podia ouvir alguns gritos e tiros se aproximando.
Com o chegar da calmaria, a ficha de que os pais estavam mortos finalmente começou cair. Louis ia derramar as primeiras lágrimas quando ouvi alguém gritar: Ei!
Eram três soldados que agora corriam em sua direção. Louis disparou por entre uns becos tentando despistar seus perseguidores.O garoto quase não percebeu em que parte conseguiu livrar-se dos homens que gritavam coisas em alemão, língua essa que aprendera muito na escola, mas que por puro nervosismo não conseguia entender por inteiro no momento. Os soldados dispararam alguns tiros em direção a Louis, que por sorte passaram de raspão.
Ele enfiou-se num num beco sujo. Era como um extenso corredor sem saída, escuro e fedido. Alguns ratos circulavam por entre as sacolas com lixo, e baratas também. Quanto mais Louis adentrava o beco, mais difícil se tornava a sua visão, o que não era de todo ruim, pois assim não o notariam os militares até que tudo se acalmasse. Tombou na parede que julgava ser o fim do beco, e ali ficou. De repente, começou a sentar no chão imundo da sarjeta que era aquele corredor.
Louis permaneceu imóvel por algumas horas, sozinho e com medo. Os tiros, gritos e sirenes não pararam. Uma trilha de fumaça denunciava que ao longe algo havia pegado fogo.
E foi então que algo estranho aconteceu.
Louis ouviu barulhos de passos adentrando o beco escuro. Se encolheu ainda mais na parede, torcendo para que não fosse notado. Um assovio e o barulho de botas batendo no chão frio e úmidoecoava pelo local.
Seu coração parecia que iria parar a qualquer momento, tamanho foi o susto que levou.
Começou a sentir a aproximação do individuo que parecia lhe ver mesmo no escuro. Cada segundo que passava o seu medo multiplicava. Ele julgava ser quase manhã, pois a escuridão estava menos densa do que em poucas horas atrás, mas ainda era difícil ver o rosto do homem. Pela sombra, pode perceber que mais alto do que si, e encorpado também. O outro cantarolava algo, e menor ficou pasmo ao notar que dançava também. Arriscava uns passos de sapateado no chão frio, e remexia as mãos de um jeito ridiculamente animado. De repente, ele parou com os joelhos dobrados e o corpo inclinado, com uma mão nas costas e outra o convidando a participar da cena.
Louis estava incrédulo. Que tipo de idiota era aquele na sua frente? Varsóvia explodia enquanto ele dançava? E quanto as pessoas que estavam sendo presas, mortas? E quanto aos seus pais?! O infeliz, notando seu espanto, gargalhou. Isso mesmo. Gargalhou! Uma risada divertida e estridente.
— Não vai acompanhar-me, donzela indefesa? —Zombou.
— O-o que..? —Se para Louis a situação já era inusitada, agora era completamente insana.
O homem novamente riu, e voltou a dançar sozinho. Louis levantou-se aos poucos, ainda com o corpo quase grudado na parede úmida e extremamente gelada —e mofada. Já em pé, constatou que o individuo não era tão maior do que ele. E agora, com claridade, podia ver seus traços: Cabelos enrolados e amarelos como ouro, nariz comprido e olhos grandes, azulados. Ele vestia uma camisa branca de botões e babado com mangas grandes, calça escura e botas que iam até a altura dos joelhos. E foi então que algo brilhante chamou completamente a atenção do moreno. Havia algo estranho no sorriso do intruso, os caninos eram exageradamente pontudos e pareciam afiados.
Notando o olhar fixo de Louis em seus dentes, o homem parou sério.
— Sabe, está tão barulhento lá fora, não é mesmo?— Ele não mais sorria, parecia desafiador.
— Q-Quem é você? —Louis indagou.
— Oh, desculpe-me a grosseria. Sou Pierre Hernandez. —Ele aproximou-se. — A seu dispor. — Inclinou o corpo para frente, num cumprimento cordial. E então gargalhou.
Louis achava a situação totalmente embaraçosa. Queria que, se fosse um sonho, que pudesse acordar logo, e então descobrir que sua cidade não estava um caos e que seus já idosos pais ainda estavam vivos. Perdido em pensamentos utópicos, Louis não percebeu a —perigosa —aproximação de seu companheiro. Pierreagora estava ao lado de Louis, e tinha os olhos grudados no pescoço do menor. E, sem dar ao outro chance de resistir, Pierre, em poucos segundos, imobilizava Louis contra a parede.
— Acabarei com seu sofrimento, garoto. Dê-me alguns segundos.
Louis encheu os pulmões para gritar com toda força que aquele maluco loiro o soltassem. Mas antes disso, o fidalgo tinha seus afiados caninos cravados pescoço de Louis.
