Embaixo da mesa
Estava morno ali, no não-espaço situado entre aquelas duas pernas de donos distintos. Havia também certa dormência naquela mornidão que se perfazia como uma temperatura lânguida, plena de sensualidade. Nada mais havia até então. Apenas as duas pernas encostadas com mais firmeza do que habitualmente se roçam os corpos dos simples amigos, mas de tal modo sutil que o calor não era percebido por mais ninguém. Todos os póros se ouriçavam e todos os pêlos se erguiam sobre as tais duas pernas. Assim ajuntados, seus donos riam das bobagens que os amigos falavam sem prestar-lhes atenção, apertando-se o mais que podiam um contra a perna do outro.
Não imaginavam, antes daquele toque, que joelhos, tíbias e calcanhares podiam transfigurar-se em zonas erógenas. Mas seus corpos se arrepiavam à medida que Clara, com a ponta do dedão, acariciava o pé de Lúcio por entre as fendas da chinela de couro, subindo pela canela em movimentos circulares até alcançar a batata da perna dele, onde decidiu repousar o peito de seu pé. Sentia a maciez dos pêlos de Lúcio e o cheiro que emanava de seu desejo.
Ele, retribuindo a carícia, pousou levemente uma das mãos na coxa de Clara, indo e vindo a roçar aquela fina penugem. Sugestiva, prontamente descruzou e afastou suas duas pernas num movimento discreto. Respirou fundo ao sentir uma onda de calor se expandindo na direção interna de suas coxas, cada vez mais ao centro daquela região de seu corpo. Estava molhada. Lúcio sentiu a umidade na ponta dos dedos com os quais afastava, delicadamente, as carnosidades que guardavam a porta do caminho de volta àquela mulher.
Há tempos não se viam, mas lembravam bem do ardente envolvimento entre seus corpos. A memória do desejo é
fantasiosa em demasia, e já os levava para longe dali. Ausentes da realidade, ouviam cada vez mais distantes as conversas dos amigos que os acompanhavam na mesa do bar, debaixo da qual se passava toda aquela interação.
Os dedos de Lúcio continuavam no mesmo lugar quente e úmido, movimentando-se lentamente por cada milímetro do interior de Clara. Suas umidades aumentavam e não pôde conter um movimento de quadris, fingindo acompanhar a música da banda que tocava no bar. Os amigos levantaram-se para dançar sem sequer convidá-los, provavelmente notando, àquela altura da noite, que os dois passariam melhor a sós.
Lúcio, então, retirou seus dedos humedecidos de dentro de Clara, levando-os à boca depois de cheirá-los. Ela aproximou-se e beijou-lhe os lábios por entre os mesmos dedos que carregavam o gosto e o cheiro dela. Por baixo da mesa, a mão de Clara encontrou tamanha rigidez que ficou ainda mais perdida do mundo ao redor. Avançando adiante, abriu o zíper da bermuda de Lúcio, chegando mais perto da lança tesa que imaginava saborear e deixar que lhe penetrasse logo mais.
Percebendo os amigos retornarem da dança, os dois finalmente recobraram a realidade além deles. Interromperam os acontecimentos testemunhados pelos confidentes pés da mesa. Conversaram um pouco de amenidades com os outros. Participaram, distraídos, do brinde à amizade convocado por alguém. Tomaram um ou dois copos de cerveja. E saíram, com as pernas que continuavam se roçando, para longe dali.