CAPÍTULO 1
ALÉM DA VIDA
Há momentos em que pensamos que nossa vida não passa de um círculo, sem grandes novidades. Você acorda cedo, toma banho, café, se arruma e vai trabalhar. Chegando ao trabalho aquelas mesmas rotinas, do dia a dia, os papos começam a serem os mesmos. Reclamações sobre o salário, sobre filhos, etc. Confesso que estou cansado, mas antes disso, vou me apresentar.
Meu nome é Marcelo, tenho 25 anos e acabei de me formar em geografia. Foram quatro anos da minha vida muito exaustivos, pois como muitos, trabalhava o dia inteiro, até às 18h e saía do trabalho correndo pra faculdade, as vezes comendo no busão um pacote de biscoito barato. Mesmo assim, com todas as dificuldades, consegui me formar. Moro há três meses numa vila aqui no Rio de Janeiro, próximo a Santa Tereza. Um bairro bem tranquilo, ao se tratar do Rio de Janeiro.
Moro de aluguel numa das casas da Dona Alice, uma senhora bem simpática que me cobrou um preço bem camarada, além de cuidar da casa e eu jantar na sua casa, o que me ajuda e muito. Cuido do meu sobrinho, o nome dele é Téo, que perdeu os pais num trágico acidente. Ele vem sendo a única alegria da minha vida nesses últimos tempos. Tem 6 anos e é uma graça. Lindo, inteligente e muito esperto.
Trabalho numa escola particular na zona sul do Rio, ao chegar aqui pensei que fosse ter muitas dificuldades para conseguir um emprego. Recém- chegado de Minas, recém- formado, porém, tive muita sorte e consegui meu primeiro emprego como professor. A escola é maravilhosa, parece essas escolas de filmes americanos. Uma piscina enorme, campo de futebol, quadra poliesportiva, me senti num paraíso, mas as dificuldades que enfrentaria ali. Bom... vou lhes contar como foi meu primeiro dia No Centro de Educação Darcy Ribeiro Alves...
Um dia lindo de sol, uma segunda-feira animada. Acordei cedo, peguei os livros, as minhas anotações. Minhas aulas estavam prontinhas. Coloquei tudo dentro da mochila e fui acordar o Téo. Era também seu primeiro dia na escola. O Téo é um menino ótimo. Logo foi tirando a roupa e indo pro banho, preparei o seu café e em 10 minutos já estávamos saindo. Deixei-o na escola.
- Téo, se comporta e presta muita atenção na aula. Meio dia, tia Alice vem te buscar. – disse eu , dando-lhe um beijo na testa.
- Tá bom, tio Marcelo. E você seja bem legal com seus alunos, hein.
- Beleza, campeão. Te amo.
- Também te amo.
Entro no carro e saio. Ele acena e entra na escola com a ajuda da monitora. Quinze minutos depois chego ao Centro Educacional Darcy Ribeiro Alves. Nesse dia, ela parecia ainda mais bonita. Alguns alunos no portão mexendo em seus celulares, outros em grupo, sempre falando muito alto. Outros isolados, só sei que em poucos minutos observando ali, me senti como eles, na idade deles. Nisso que deixo o carro no estacionamento, ouço um barulho na piscina, como se alguém nela estivesse nadando. Aquilo me bate uma enorme curiosidade, pois por mais que estivesse um sol radiante, ainda eram 6:45 da manhã. Me aproximando vejo um jovem, de costas, branco, com uma sunga preta. O que me chama a atenção é o seu corpo, bem torneado. Pernas grossas, uma bunda bem volumosa e braços bem definidos, de quem malha e bastante. Fico ali, ainda perdido em meio à situação, nisso que chega um rapaz de moto me viro, ao voltar minha atenção pra piscina não vejo mais ninguém. O rapaz estaciona sua moto e se aproxima, puxando assunto.
- Bom dia. – diz o rapaz.
Ele vai se aproximando e tirando o capacete. Sorridente e bem simpático. Aparenta ter uns 30, 32 anos, não mais que isso.
- Bom dia. Prazer, meu nome é Marcelo. – Me apresento, meio sem graça.
- Estou sabendo. Meu nome é Charles, professor de matemática.
- Sério?
- Sim, sério. Por quê?
- Pow, matemática na escola era meu pesadelo.
- Porque você não estudou comigo.
Começo a rir, e vamos conversando. Nisso bate o sinal. Aquele sinal não sei por que, mas me fez voltar novamente ao passado. No tempo em que estudava, que não faz muito tempo assim, porém que não guardo tão boas recordações. Nisso, conversando com o Charles, professor de matemática do Darcy Ribeiro Alves, logo chego à sala dos professores. Nelas estão meus mais novos amigos de Trabalho e sou apresentado a cada um dos 12 professores da escola, fora coordenadora, orientadora e assim vai. Logo chega a inspetora Matilda. Uma mulher de aparentemente 45 anos, com uma cara bem séria, dessas que colocam medo logo de cara.
- Professores, toda segunda na nossa escola, como de costume. Cantamos o hino nacional, o hino da escola com os alunos formados na quadra. Peço aos professores, que acompanhe os alunos. – Diz ela, sem dar nem ao menos um bom dia.
- Essa é a cangaceira da escola. – Diz Charles, fazendo os demais presentes soltarem boas gargalhadas.
- Vamos gente, antes que a cangaceira rainha nos sacrifique com sua peixeira. – Diz Lúcia, professora de Literatura.
Nisso volto à quadra. Sinto um grande arrepio, pois vejo as 12 turmas formadas, meninos de um lado e meninas de outro. Um atrás do outro. Uns sorridentes, outros sérios e todas aquelas caras me olhando, fazendo comentários. Tento não me importar, mas não tinha como. Charles logo faz mais uma gracinha.
- Hoje você será o centro das atenções. Professor novo, primeiro dia de aula. Já viu, né? – dispara ele.
- Nossa, nem sei as turmas que vou dar aulas ainda. – diz eu, encabulado com toda aquela situação.
- Como não sabe?
- A Estela disse que me daria o horário hoje.
- Parceiro, você vai pegar as duas turmas de primeiro ano que são um horror, uma de segundo e a ?
- Sim, filhote. O terror da escola. Pra você que é geografia, manda bem nessa parada. A turma é um verdadeiro Talibã.
Quando Charles pronunciou essas palavras, senti um calafrio na espinha. E nisso logo começa a tocar o hino nacional. E mesmo assim, ao observar os alunos, vejo que continuo sendo o centro das atenções.
Assim que acabam os hinos, as turmas vão indo para as salas, começa com os menores do 6º ano e vai até o 3º. Nisso a coordenadora de turno, Janaína, me chama num canto com metade de uma folha de papel. Ali estava o meu horário.
- Professor Marcelo, bom dia. – Diz ela, sorridente.
- Bom dia, tudo bem?
- Até o presente momento sim e sinceramente espero que seja até o fim do expediente. Bom... Professor, aqui está o seu horário. Você terá duas turmas de primeiro ano, a 1001 e 1002 e os dois últimos tempos será na 3001.
São três tempos de geografia em cada turma. Na terça você começará na 3001 dando um tempo, mais um na 1002 e 1001 e vai embora. Você para completar sua carga horária vai pegar uma turma de fundamental, a 702, são terríveis também, mas adoráveis.
- Terríveis e adoráveis. Não entendi.
- Você entenderá, querido. Você entenderá!
Nisso, Janaína sai e vou indo em direção a sala da 1001. Charles vem atrás, dá dois tapas nas minhas costas e diz:
- Boa sorte parceiro. E entra na sala da turmaValeu, obrigado. – Diz eu, não entendendo bem o porquê daquelas palavras. Vejo escrito na porta da sala, 1001. Vejo vários alunos do lado de fora. Dou bom dia, ninguém me responde. Coloco minha mochila em cima da mesa. Há alguns alunos sentados, mas a maioria no celular e conversando. Como se eu não estivesse ali. Como se não estivessem numa sala de aula. Pego a caneta e escrevo no quadro geografia, com a data. A letra não sai muito boa, como havia imaginado, mas vai assim mesmo. Estava nervoso. Os alunos que estavam do lado de fora não entram. Vejo como as coisas mudaram nesses 5 anos fora da escola.
Nisso, a inspetora Matilda coloca todos para dentro, numa educação britânica.
- Anda crianças, o professor está em sala. – dispara ela.
- Matilda, não precisa me segurar não. Eu sei o caminho da sala. – diz uma aluna, marrenta toda vida.
- Mas não parece queridinha. Não parece!
Os jovens entrando parece uma verdadeira visão do inferno. Uma gritaria, barulhada ensurdecedora.
- Pessoal, bom dia.
Poucos respondem.
- Meu nome é Marcelo, serei o novo professor de Geografia de vocês.
- Ainda bem que o velhote do Alfredo morreu. Não suportaria estudar com ele mais um ano. – Diz um aluno. Toda a turma começa a rir.
- Bom... O professor Alfredo não morreu. Conforme me informaram, ele se aposentou.
- Mas vai aproveitar pouco a aposentadoria, teacher. Velho daquele jeito. – continua o jovem, sem nenhum tipo de respeito.
- Qual o seu nome?
- Fala sério, professor! Melhor você pedir meu watzap.
A turma toda começa a rir mais ainda. Vou ficando vermelho de ódio.
- O melhor vai ser você sair aí de trás e vir pra frente agora! – grito com ele. A turma toda se espanta. E continuo – Se você quer aparecer, curte chamar a atenção beleza, mas na minha aula, quem vai aparecer serei eu. OU Aqui na frente, ou fora da minha sala você está entendendo? E eu quero agoraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
O berro é tão forte que a turma toda se espanta. O jovem vai, contrariado, pega sua mochila e senta na frente.
- Bom, agora vamos arrumar as carteiras e guardar o celular. Quem assim não fizer, a porta está aberta. Podem sair.
A turma começa a me obedecer, todos vão arrumando. Uns, vejo que tentam me desafiar.
- Vai guardar ou não?
- Calma, professor. Está nervoso?
- Pelo contrário. Calmíssimo. – respondo eu.
- Bom pessoal. A geografia é a ciência que estuda o espaço. Nela compreendemos um pouco das transformações que a sociedade vai sofrendo ao longo do tempo. No nosso primeiro bimestre, estudaremos o capitalismo. Sistema financeiro esse que domina nossa sociedade. Os celulares, cada vez mais moderno, é um exemplo desse poder capitalista que nos domina de uma forma, que não nos permite resistir. – E começo minha aula, nisso sou interrompido por uma entrada surpreendente.
Entra um jovem, de casaco, capuz na cabeça. Calça jeans e a mochila sendo arrastada pelo chão.
- Esse bonitinho professor, já começou querendo causar confusão. Aqui é o seu lugar, suas aulas de educação física serão às terças-feiras, depois da aula do professor Marcelo. Seu primeiro tempo na segunda, é de geografia. – dispara Matilda, saindo da minha sala sem nem licença pedir. Fico totalmente sem ação. Pois na minha frente estava o menino que vi na piscina de costas, com aquele corpo escultural que confesso, mexeu comigo. Ele senta na última carteira, no canto com o capuz na cabeça. Não consigo ver o seu rosto. A turma nem o cumprimenta e ele também parece não fazer nenhuma questão de ser social. Me viro pro quadro e começo a escrever a teoria em relação ao conteúdo. Sento na mesa, para fazer a chamada, ele continua com o capuz na cabeça e o fone de ouvido. Vou até a sua mesa.
- Meu jovem, com licença. Mas não aceito fone de ouvido na minha aula. – dia eu.
Ele tira o capuz. Vejo um jovem, aparentemente 15 ou 16 anos. Olhos azuis, rosto perfeito, lindo. Parecendo uma obra de arte. Cabelo liso, boca rosada. Me encara com raiva, ódio. Fico perplexo naquela situação.
No meu choque...
Corta para o
Continua...