Antes das seis XXXIII

Um conto erótico de Carpenter
Categoria: Homossexual
Contém 816 palavras
Data: 05/10/2014 14:09:23

O verao avançou e enfraqueceu, cedendo lugar às tonalidades de outono da serra, trazendo ventos frios, manhas e noites de baixas temperaturas. Entramos em abril de 1958.

Tinha amanhecido um domingo aberto e frio, os pinheiros gotejavam de orvalho e a relva estava encharcada. Nos fundos do pomar uma seriema cantava, solitaria, fazendo Fernando imita-la em assobios, enquanto engraxava nossos sapatos, sentado à varanda, rodeado por todos os seus gatos que se lambiam, satisfeitos com uma tigela de coalhada estragada que nao rejeitaram.

Nao seriam ainda nove horas quando eu o observei erguer a cabeça, atento como se à escuta de algo. Fato era que o asfalto passava a cerca de um quilometro da entrada do sitio e dava para ouvir o que vinha por ele, porem aquele barulho parecia ser dentro da propriedade, um ruido alto, um ruido como que de uma motocicleta.

- Vem chegando alguem - falei, olhando para Fernando e me levantando.

Ele largou os sapatos e a graxa na varanda e me seguiu, serio e intrigado. Demos a volta pela casa e em frente ao caminho de terra que levava à entrada do sitio vimos a figura escura do motociclista se aproximar devagar, pilotando uma moto imponente, negra como sua roupa. Ouvi Fernando respirar forte, numa mistura de risada com soluço.

- Nao acredito - murmurou de olhos marejados, levando a mao à boca.

Vestido em blue jeans, jaqueta fechada de couro preto, luvas e quepe do mesmo material, Carlos desceu da moto, tirando os oculos escuros e nos saudando com um sorriso amplo. Fernando lançou -se sobre ele num frenesi, apertando -o forte, por longo tempo.

- Nossa! Assim voce me sufoca - disse Carlos rindo, afastando -o com delicadeza e fitando -o por um momento - Mas voce esta otimo, garoto!

Fernando nao conseguia falar, secava o choro e olhava para ele como se custasse a crer que o tinha ali. Eu me adiantei e cumprimentei Carlos, comentando que ele tivera coragem em percorrer mais de 150 quilometros de motocicleta. Ele contou que saira de madrugada, comprara um mapa e viera, arriscando, perguntando as vezes pelo caminho. A lambreta nao aguentava decerto aquela viagem, porem eu via diante de mim um modelo potente de motocicleta nova, talvez importada.

- Uma Triumph Thunderbid - respondeu ele à minha observaçao - Comprei tem quinze dias.

Passamos para dentro de casa e ele começou a contar que saira do sanatorio fazia um mes. Sentia -se novo, fortalecido, os pulmoes regenerados apos quase um ano de internaçao. Tinha vindo pilotando com grande prazer ate a serra, respirando com satisfaçao aquele ar limpo e atordoante da altitude, deliciado com as amplas paisagens, os vales vertiginosos.

Descalçou as luvas e pos o quepe sobre a mesa, abrindo a jaqueta. Eu via Fernando olhar para ele fascinado, com um sorriso idiota na cara. Comecei a ter vergonha daquilo, ainda mais porque Carlos percebia, mas fingia nao ver. Voltara da Suiça mais branco, mais forte e tao bonito quanto antes da doença.

- E com voce? Como vai sua saude? - indagou ele a Fernando de repente.

Devagar, como se estivesse distraido, o garoto contou sobre o recuo da doença, os exames com resultados negativos, o efeito excelente do ar da altitude. No meio do relato dele eu me levantei para buscar um pedaço de queijo curado para nos, mas antes nao o tivesse feito, pois da cozinha ouvi claramente a voz de Fernando diminuindo de tom, falando ao outro.

- Pior do que a doença foi nao ter voce comigo naquele momento.

- Nao diga isso - murmurou Carlos, como que inquieto - Voce teve quem mais precisava... Ele fez tudo por voce, Fernando.

- Mas amo ele tambem - sussurrou o garoto, quase inaudivelmente - E amo voce.

- Isso eu nao... - ouvi Carlos respirar fundo - Eu nao tenho como retribuir isso. Nao tenho.

- Eu sei, Carlos - o sussurro dele soou como que embargado em lagrimas.

Nessa hora voltei à sala com o queijo, pratos e faca, dissimulando qualquer expressao estranha minha. Percebi que Carlos nao encarava Fernando que, por sua vez, parecia ter os olhos lacrimejando de novo, olhando para o lado com um ar de perdido, de desamparado. Tive um pouco de pena dele, e muita raiva de mim.

- Prove o queijo, Carlos - falei - Depois, quero que conheça o sitio.

Ele se serviu, aliviado com meu regresso à sala. Fernando falou algo sobre buscar um licor na cozinha, levantou -se e voltou dez minutos depois, com os olhos vermelhos. Parecia ter chorado bastante. Eu fingi nao ver, mas nao deixava de pensar no que estava sendo feito de no's, em como era possivel que ele amasse dois homens ao mesmo tempo. E se fosse aquilo para o resto da vida? Um coraçao cindido, que antes era somente meu e no qual, agora, outro habitava junto comigo, num sentimento sem esperanças. Haveria felicidade plena, assim?

*

*

*

*

Muito obrigado a todos! Sempre, sempre!

Me escrevam: e-mail : aline.lopez844@gmail.com

Adoro vcs, seus queridos! :D

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 3 estrelas.
Incentive Irish a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários