Nunca tinha visto o sitio tão cheio, ainda mais em um domingo. Era o tio de Lucas e a parentada visitando aquele pedaço de terra, apanhando frutas, observando as criaçoes, sempre conversando entre si. Com tanta gente, eu mal pude conversar com meu amigo e seu acompanhante.
"Um belo homem", eu não pude deixar de pensar assim que vi aquele moço alourado e de porte de atleta descer de um dos automóveis que os trouxeram. Lucas se referia a ele como "um amigo", mas estava obvio para mim de quem se tratava, porque, além disso, olhando-os por um minuto que fosse eu podia sentir uma espécie de força que os unia, uma aura da mais profunda intimidade, do mais inquebrantável sentimento.
O rapaz era corretor de seguros e se chamava Mateus. Cumprimentou a mim e a Fernando com um sorriso bonito, um aperto de mão quente e franco. Vi Fernando observa-lo bem, decerto admirando a beleza do visitante, pois de tolo aquele loiro não tinha nada. Na rua mesmo, quando íamos à cidade de charrete, era frequente flagra-lo de olhos interessados num rapaz bonito qualquer, chegando até a morder o lábio enquanto observava uma bela espécie masculina que surgia. Uma vez voltou com o braço roxo de um beliscão que lhe dei, de raiva e ciume daquela mania idiota dele.
- Esses dois...- ele me sussurrou ao ouvido quando Lucas e o amigo se afastaram.
- Não sei de nada Fernando - cortei a inconveniência dele - Deixe de ser alcoviteiro.
Mas para olhos como os nossos a situaçao era bem clara. Dava para ver no modo como se olhavam, contendo um sorriso deslumbrado, aquele brilho no olhar que era como fagulhas de um incêndio interno, nunca apagado, uma certa solicitude nos modos, na voz. Quando os dois observavam juntos o vale sufocado de céu azul sem nuvens, olhando-os de perfil, juntos como se fossem uma só pessoa, tive uma impressão forte e estranha de que a ligação entre eles era tão indestrutivel quanto os elementos da natureza, quanto o universo, quanto o próprio Deus. Nunca presenciei um elo tão poderoso entre duas pessoas, e senti felicidade por meu amigo, alegria com aquele amor abençoado que lhe voltava para casa, para seu lugar destinado.
Lucas não me confirmou nada, discreto perante os outros, mas certos sorrisos cúmplices que me lançou ao final da visita me fizeram ter certeza. Quando ele se foi cumprimentei-o com um abraço apertado, grato por toda sua ajuda, sua presença inesperada e magnifica em minha vida.
- Toda a felicidade do mundo- sussurrei, o abraçando.
Compreendendo ele sorriu, entrando no automovel com o amigo e os dois primos. Partiram ao meio dia para almoçar na cidade, e outra vez ficamos Fernando e eu sozinhos no sitio.
Ventou à tarde, mas quando o sol começou a descer , perto das seis horas, o vento amainou. No céu uma nebulosidade fina como seda velha e esfarrapada se acumulava aqui e ali, envolvendo o sol vermelho num tom embaçado.
Me sentei no banquinho em frente à nossa casa, com vista para o vale, olhando aquilo tudo num agradecimento, lembrando do Pie Jesu que Fernando ouvia na capital, e que calharia tão bem para aquele horário, para aquela paisagem tão nossa, tão independente e tão selvagem.
Fernando veio lá de dentro com a gata no colo, de banho tomado, cheiroso. Sentou-se do meu lado, largando a gata no chão. Não falei nada, peguei na mão dele e fiquei acariciando seus dedos, sua pele pálida e morna. Naquela manhã mesmo ele reclamara de que fazia três semanas que Carlos não nos visitava. "Ele ainda vem, Fernando", eu tinha respondido, com um suspiro de enfado.
- Que mão fria, Rei!- disse ele rindo, me olhando- Você fica mais bonito todo corado de frio.
- Pareço com o S.João? Acho que vou deixar a barba crescer- falei, lembrando do apelido.
- Não esta mais tão parecido com o santo- disse ele lentamente, tocando com o dedo minha pinta na cara - Está um homem feito. O melhor dos homens.
Fitei em silêncio seu rosto banhado de luz avermelhada de sol poente.
- Esse lado caótico, doloroso e desesperançado do meu coraçao nunca dominou meu amor por você, Rei- disse Fernando baixinho- Nós dois seremos para sempre um só. Apesar do que foi e do que virá.
Encostou-se a mim, colocando a cabeça em meu ombro, me apertando a mão.
- Te amo, seu tonto. E você sabe disso- sussurrou ele.
Olhei o vale, o sol sangrado que mergulhava como num desmaio, chamando as sombras sobre a terra. Viriam, decerto, muitas horas de luz e sombra em nossa vida, mas eu sabia que com Fernando tudo seria mais fácil de aguentar. E aquele era, afinal, um horário bonito do dia: quase seis horas.
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Impossivel agradecer adequadamente a cada um de voces! Adorei a companhia que me fizeram ao longo desse conto. Voces sao muito especiais!
Aos meus queridos amigos Luhoff e May Lee minha infinita gratidao! Voces dois moram em meu coraçao, tá? :)
Valeu, gente! Até qualquer dia!