Cap.6
Esfreguei os olhos, e percebi que realmente era ele. Estava com alguns ferimentos, com sangue no rosto, sua camisa rasgada. Olhei ao redor, e vi seu óculos jogado longe, por ironia ou não, inteiro. Pensei, não podia deixa-lo ali. Ele estava ferido, com certeza precisaria de ajuda. Eu poderia deixa-lo ali, afinal, ele havia me causado muito ferimento. Mas acima de tudo, eu sou um ser humano que luta pela vida e que tem princípios, e que nunca deixaria de ajudar qualquer pessoa, não importa o que ela tenha feito contra mim. Peguei seus óculos, guardei, o levantei levemente, e sem muita dificuldade afinal ele era magrinho, e o levei em direção ao meu prédio. Entrei no meu apartamento e o coloquei no sofá. Tirei de uma vez aquela roupa que estava rasgada, e a joguei fora. Fui até a cozinha e peguei o kit de primeiros socorros que eu tinha. Tirei um algodão, embebi em um líquido pra limpar, e comecei a passar no seu rosto. Foi ai que percebi que ele estava com diversas marcas, por todo o corpo. Parecia que ele levava uma surra todo dia. Limpei também alguns ferimentos no seu abdômen, sem nenhuma segunda intenção. Fiquei pensando. E acabei pensando alto.
- Me lembro da época que eu gostava de você. Acho que eu era um idiota completo aquela época. Só eu tinha saco pra ficar horas te observando, vendo você sorrir, prestando atenção em cada gesto seu. Pode se dizer que eu era um bobo apaixonado. Apaixonado pelo garoto mais fofo do colégio. Não tinha como evitar. Desde o dia em que te vi, pela primeira vez naquela sala, te desejei. Com todas as minhas forças. Enquanto em casa eu era fuzilado, na escola eu me sentia feliz. Apenas por poder te ver. Mas ai você fez aquilo. Você me destruiu por completo. Derrubou toda a minha muralha emocional. Podia apenas ter dito que não era gay, mas você, por algum motivo me humilhou- ele se mexeu. Olhei pra ele, parecia estar dormindo. Algumas lágrimas saiam enquanto eu me lembrava daquilo- mas eu até agradeço. Talvez se aquilo não tivesse acontecido eu não seria quem sou hoje. Continuaria um garoto fraco, gordo e apaixonado por você. Pelo menos isso me serviu de alguma coisa. Eu emagreci, agora estou diferente. Só queria saber aonde foi parar aquele garoto fofo que um dia eu conheci- havia terminado. Me levantei, ajeitei melhor o travesseiro. O sofá era grande, então não teria problemas se ele ficasse ali. Fui até o armário, peguei um lençol, o cobri. Peguei novamente minha carteira e sai em direção a pizzaria. Tranquei a porta e sai.
MINUTOS DEPOIS
Já estava abrindo novamente a porta. Entrei e coloquei a pizza sobre a mesa. Tirei um prato e um copo. Coloquei um pedaço no prato, com bastante ketchup e maionese, e comecei a comer. Logo vi ele se mexer. Ele deveria estar acordando. Fui ver se ele estava bem. Cheguei mais perto, e ele estava abrindo os olhos.
- Hum, aonde estou ?- esfregou os olhos e ao focar a visão, arregalou os olhos.
- Você ? O que estou fazendo aqui ? Porque esta aqui ? Cadê minha...- ele olhou pro corpo, e depois pra mim, ficou vermelho- você pode me explicar o que aconteceu ?
- Muito simples Marcos. Eu estava indo em direção a pizzaria e achei você jogado na rua, ferido. Como não podia te deixar lá, te trouxe pro meu apartamento. Não fiz nada com você, apenas cuidei. Tirei aquela camisa rasgada e joguei fora. Limpei tudo o que estava ferido. Você bem que poderia ser menos grosso, eu teria todos os motivos do mundo pra justificar caso te deixasse lá. A propósito, tá aqui seu óculos- falei, dando a ele os óculos. Ele os colocou, e novamente ficou charmoso. Aliás charme ele não tinha perdido.
- Desculpa. Minha vida anda tão ruim nos últimos tempos que eu não sei mais pra onde correr. A propósito, muito obrigado por ter me tirado daquele lugar. Ai !- ele colocou a mãos nas costas.
- Tá doendo muito ?
- Está.
- Porque fizeram isso com você ?- perguntei, indo a cozinha pra pegar um spray refrescante pra ajudar a passar a dor.
- Foi uma dívida que eu não paguei- passei aquele spray naquele lugar, aonde doía. Ele gemeu.
- Sei. Dívida de tráfico né ?- ele se assustou.
- Como você sabe ?
- Já chegou ao meu ouvido que você está usando- entrei no meu quarto e peguei uma camisa minha que cabia nele. Voltei e a entreguei pra ele- você pode usar essa. Me entregue depois. E, olha, é só um conselho que dou pra você, procure ajuda. Não é brincadeira esse negócio. Vai ser o melhor pra você. Eu não queria te dizer, mas você mudou muito desde aquela época pra agora. Perdeu toda a fofura que você tinha- ele não se manifestou- você quer pizza ?? Comprei agorinha, ainda está quente- fui até a cozinha pra continuar a comer. Ele olhava pra mim, perplexo.
- Você não vai me mandar embora ?
- Porque ?
- Bem, como você disse, eu sou um drogado que te fez sofrer muito, acho que isso já é motivo o suficiente.
- Impressionantemente, eu não guardei rancor de você. Senti que aquilo era necessário. Deveria até te agradecer por ter feito aquilo. Na época eu fiquei muito triste, mas depois entendi que foi o melhor. Talvez eu não seria quem sou hoje se aquilo não tivesse ocorrido- ele continuava me olhando, sem acreditar.
- Você está falando sério ?- ele se levantou e veio em minha direção.
- Sim. É de mussarela, você gosta ?-ele balançou a cabeça, concordando.
- Nossa, eu nunca imaginei que seria você a primeira pessoa que não fugiria de mim. Olha, eu queria me desculpar por aquilo. Eu sei, o quão idiota fui.
- Tudo bem. Coma logo, ou vai esfriar- nunca achei que ia ser tão compreensível como fui. Sempre achei que quando o visse, não iria querer nem papo com ele. Mas estava sendo diferente.
MINUTOS DEPOIS
- Nossa, eu estou com muita dor nas costas- ele dizia, se contorcendo.
- Se você quiser dormir aqui, e poupar tempo, você pode, ouviu. E toma o remédio que eu dei pra você !
- Ok- terminei de lavar as coisas e guardei. Me sentei ao seu lado no sofá, e comecei a perguntar.
- Então Marcos. Você vai falar agora. O que aconteceu com você ? Me explica isso, porque até hoje eu não acredito que aquele garoto promissor está desse jeito- ele se ajeitou, olhou ao redor, e pra cima. Vocês podem estar se perguntando, porque diabos eu queria saber disso ? Não é só pra ajudar e mandar embora ? Por algum motivo eu queria saber aquilo.
- Bem, digamos que a beleza das drogas fez isso comigo- ele olhou para os meus olhos. Os seus estavam marejados.
Continua
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