Quando a grade se abriu e fui praticamente empurrado para dentro, achei que tinha chegado ao fim de tudo: dos sonhos, da esperança, da vida. A cela, no entanto, era relativamente confortável, bem diferente daquelas que os noticiários exploram, alardeando a desumanidade das prisões brasileiras.
Não vou dizer onde fica a penitenciária onde fui cumprir uma pena de um ano e dois meses. Tampouco vou comentar o crime cometido. Só posso adiantar que não foi algo muito grave. Deixando no chão a maleta com alguns livros e mudas de roupas, cumprimentei o outro ocupante da cela, que estava deitado no beliche de cima.
Ele se chamava Humberto. Era um tipo grande, de cabelos cortados à máquina. Tinha tatuagens ao longo dos dois braços. Conforme havia decidido ao saber da condenação, procurei não fazer muitas perguntas. Mas soube que lhe faltavam apenas dois meses para alcançar a liberdade condicional, o que, para ele, significava voltar ao tráfico de drogas.
— É a primeira vez que você é preso? — perguntou.
Confirmei.
— No começo, a gente estranha — disse ele. — Dá até um desespero. Mas depois, a gente se habitua.
Não havia alternativa. O jeito era me habituar com o espaço exíguo, o banheiro aberto e a companhia de desconhecidos. Minha família morava longe e nem imaginava a situação em que eu me encontrava. Por mim, nunca ficariam sabendo.
— Tá com fome? — perguntou ele.
Eram dez da manhã. Eu só tinha tomado um café puro.
— Ali na mesinha — disse ele. — Tem algumas frutas.
Era segunda-feira. Um dia antes, seus visitantes lhe haviam trazido as frutas e uma torta da qual restava ainda um pedaço.
— Pode comer — disse.
Comi. Agradeci.
Deitado no beliche de baixo, cruzei as mãos atrás da cabeça e esperei o tempo passar. E o tempo não passava.
Ao meio-dia, veio o almoço.
— Amanhã — disse ele. — Acho que você já vai poder sair pro “banho de sol”. Vou te apresentar alguns camaradas meus. Eles conseguem qualquer coisa, desde que tenha dinheiro, claro.
Eu não tinha.
O dinheiro, bem como objetos de valor, havia ficado confiscado até o fim da pena. O dinheiro que circulava na prisão provinha de outras fontes.
— Esta ala aqui — explicou — é bem tranquila e confortável. Mas as outras... É melhor não se meter com o pessoal do lado de lá.
Ele tinha razão.
Passado o primeiro dia — almoço, sono da tarde, janta, banho, apagamento das luzes, sono da noite —, a manhã começou com o barulho da entrega do café da manhã, após o qual fomos para o pátio.
Novato é sempre novidade. Alguns se aproximaram, fizeram perguntas; outros vieram com cara de poucos amigos, como se diz nos filmes. Queriam briga.
Eu, magrinho, não era páreo para tais delinquentes. Muito menos em grupo. Foi quando Humberto chegou correndo e impôs sua autoridade.
— Desculpa, Betão — disse um dos mal-encarados. — A gente não sabia que ele era teu amiguinho.
“Amiguinho.” O que será que esse termo queria dizer?
Perguntei, à noite.
Ele riu e explicou com um vocabulário que eu não esperava de alguém do nível que eu supunha ser o seu:
— Amiguinho é aquele que satisfaz o outro sexualmente.
A resposta me deixou num estado de angústia jamais conhecido. Eu sempre ouvira falar em abusos sexuais nas prisões. Humberto, o Betão, até ali me parecera inofensivo. Gentil até. No entanto, o seu ato de “proteção” no pátio começava a tomar outro sentido.
Analisei a situação. Não havia escapatória, caso ele quisesse me fazer realmente de “amiguinho”.
Na noite anterior, eu dormira cedo e não tomara banho; nem durante o dia. Ele observou isso.
— É melhor tomar banho agora — disse. — Daqui a pouco vão apagar as luzes.
Todas as suas palavras convergiam, em minha mente, para a uma explicação que me dava frios na barriga. Ele estava a fim de... Eu não conseguia terminar o pensamento!
Correndo nu da cama para o chuveiro, eu me ensaboei, deixei a água escorrer por meu corpo e saí para me enxugar. E quase esbarrei com ele, que também vinha para o chuveiro, nu.
— Que bundinha, hem! — disse ele passando a mão.
Pronto. Não havia mais dúvidas.
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CONTINUA.
Este relato faz parte do segundo volume da Coletânea "Ele & Ele".
Leia o primeiro volume, seguindo o link
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Leia também a história de Fabinho:
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