1987
Sair de casa daquela forma violenta e forçada, nao era algo que valesse o meu perdao. Nao, eu nunca perdoaria meu pai por aquele murro na cara, por aquele grito carregado de odio.
- Se quer ser veado que seja longe daqui! Na minha casa nao!
Eu tinha me levantado cambaleante, olhando para ele com raiva e para minha mae que chorava copiosamente. Nao falei nada, fui para meu quarto, juntei o que era meu e coloquei em duas malas. Liguei para Vitor.
- Acabei de contar sobre a gente -falei, afobado -Ele me bateu, cara!
- Calma. Estou chegando ai. Nao confronta teu velho que fica pior.
Na sala, pronto para ir, tentei falar com minha mae, toca -la ao menos. Mas ela se esquivou, chorando mais ainda.
- Para que voce foi fazer isso? - ela gritava, entre lagrimas - Era por rebeldia? Nos te demos tudo, Marcos, tudo!
- Culpa daquele garoto! - berrou meu pai vindo do quarto - Se eu pego ele... E essa porcaria de faculdade! Começou tudo ali! Voce andando com essas bichas cheias de Aids...
- Meus amigos nao tem Aids! - falei numa indignaçao fervente.
- Se ainda nao tem, vao ter! Todos! Estao sendo varridos por essa peste e voce vai junto, imbecil!
Nao aguentei mais, sai dali, louco de odio, de dor. No elevador nao pude conter o pranto e quando desci, Vitor me encontrou nesse estado de nervos. Ficou abraçado comigo ate eu me acalmar. Entao me conduziu ao taxi com o qual viera.
- Pegou tudo? - perguntou ele.
- Tudo o que comprei com meu dinheiro.
- Certo. Olha, apesar de tudo estou contente por finalmente estarmos juntos, sem preocupaçoes.
- Sim, mas ainda nao sei como vou pagar a faculdade - falei, suspirando - O que ganho no banco nao vai ser suficiente. Decerto precisarei de um segundo emprego.
- Relaxa.Isso veremos depois.
Vitor morava sozinho num apartamento pequeno, alugado, em frente à Paulista. Quando cheguei, por volta das cinco horas, as ruas brilhavam molhadas daquele chuvisco tipico de abril. Guardei minhas coisas no armario dele e tomei um banho, ficando de shorts e camiseta.
- Trouxe todos os discos? - perguntou Vitor, olhando a pilha de LPs na estante - O dos Smiths?
- Claro! Coloca ai!
Enquanto ouviamos "Ask ", Vitor me beijava no sofa, frenetico, levantando minha camiseta para lamber e chupar meus mamilos, me enlouquecendo. Eu me contorcia querendo que ele descesse mais, mas o maldito deu uma risada e me deixou ali, excitado, sem folego.
- O Mauro vem aqui hoje - falou ele, indo buscar um suco na geladeira - Esta de namorado novo, sabia?
- Nao. E quem sera o cara?
- Nao sei. Ainda nao conheço.
Dei de ombros. A cena da briga com meu pai nao me saia da cabeça e Vitor parecia perceber. Ficou em silencio, me fazendo carinhos. Eu gostava muito dele. Alem de bonito, alto e ruivo, era responsavel : bom aluno e otimo empregado num escritorio de despachante. Nao usava drogas, bebia raramente, e tinha tido apenas um namorado antes de mim. Com ele foi minha estreia em tudo : no beijo, no sexo, no amor por um homem. Porque eu me conhecia desde pequeno como "diferente " e quando Vitor surgiu, aquele sentimento de culpa começou a ser apagado, pois era afinal errado eu me rejeitar, me odiar. Eu nao tinha culpa. Ninguem tinha, de fato.
O novo casal chegou às oito horas, com uma pizza e um conhaque. Cumprimentei meu amigo Mauro com alegria, verificando que ele parecia bem de saude, apesar de todos saberem que seu ex namorado estava muito doente. Mas era aquele um assunto proibido ali, algo que nem era bom pensar muito.
- Oi. Eu sou o Tony - anunciou o namorado de Mauro.
Me apertou a mao com firmeza, olhando dentro de meus olhos fixamente e era como se aquele olhar verde me atravessasse feito uma adaga, porque senti frio na barriga, um frio cortante como se estivesse à merce do olhar de um predador.
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Bom, a pedido de amigos, voltei, ne?
Espero que curtam essa nova historia, e deem suas opinioes sinceras. Ela nao sera facil, nao tera a mesma estrutura floreada da outra. Optei por um texto mais conciso, pois creio que a dureza dessa historia pede isso. A "poesia " pretensa de "Antes das seis " nao cabe aqui. Espero que entendam :)
Valeu, gente! Ah, nao vou poder postar todo dia, ta? :D