Boate cheia, e ainda eram dez horas da noite. Som fervendo num Baltimora, a pista ja agitada. Puxei Alex pelo braço.
- Vem! Vamos dançar!
Dancei muito, me esbaldando mesmo naquelas musicas um pouco cafonas, mas tao boas de dançar! Era o som do The Human League, Oingo Boingo, Laura Branigan, tudo o que marcava nossa decada gloriosa, que infelizmente acabava. Achei que exagerei na empolgaçao ali na pista, pois logo percebi que meu pique nao era o mesmo de antes: senti um pouco de tontura e cansaço.
- Chega. Nao me sinto muito bem - falei à Alex, suando em bicas.
- Estou vendo! - disse ele contrariado - Nao era pra abusar. Logo agora que esta melhorando...
No bar da boate ele pediu refrigerante de limao com gelo e me fez beber. Ficamos olhando o movimento da pista de dança ,toda aquela juventude saudavel que eu ,como um velho, agora invejava. Pensava nisso, quando senti uma mao em meu ombro.
- Mas vejam se nao e' o meu Marquinhos! - disse Bruno, se sentando ao meu lado - Que fim levou, rapaz?
- Estou na mesma - respondi de mau modo, vendo Alex visivelmente descontente com a chegada do outro.
Bruno sorria de um jeito cinico. Pediu uma vodca ao atendente e ficou me olhando.
- Quase acontece uma desgraça entre o Tony e eu por sua causa, moleque - disse ele - Juro que estive para dar um tiro naquele maldito... Mas agora soube que ele foi embora. Porque sera? Voce sabia?
- Nao. Faz tempo que nao vejo o Tony.
- O Marquinhos agora esta comigo, Bruno - disse Alex fitando -o nos olhos.
Bruno pareceu espantado.
- Com voce? Mas como assim? - ele nos olhou, incredulo - E o que fazem juntos? Brincam de Autorama?
- Deixe de ser ridiculo! - exclamei, irritado, me erguendo - Vamos embora, Alex.
Ele pagou rapidamente a conta e saimos. Na rua, porem, Bruno nos alcançou.
- Espera! Que historia e' essa, Marquinhos? - disse ele parando na nossa frente - Nunca que voce iria deixar de querer um homem de verdade para se amarrar nesse rato de biblioteca...
- E se eu te disser que encontrei esse tal "homem de verdade " nele? - falei, irritado - Um homem como voce e Tony jamais seriam!
- Deixe esse idiota, Marquinhos, vamos embora - disse Alex.
- Que palhaçada! - riu Bruno, nos encarando - E como ele te conquistou? Com coleçoes de insetos? Com poemas em frances? Olha, estou surpreso! Virando um careta, Marquinhos? Daqui a pouco estao morando juntinhos, com cachorrinho, papagaio, jardim... Patetico!
- Cala a boca, cara! - replicou Alex, irritado - Vai la dentro com a sua turma, cheirar sua droga, encontrar um trouxa que te queira...
- Voce me manda calar a boca, moleque? - gritou Bruno,furioso - Ficou valente agora com o namoradinho á tiracolo? Seu corno! Isso ai e' a maior vadia, cansei de encher a boca dele de porra...
Por essa creio que ele nao esperava, e por ser pego de surpresa cambaleou com o soco que Alex lhe deu com toda a força. Logo, porem, revidou com um murro certeiro no garoto, fazendo -o cair na calçada suja, com a boca sangrando.
- Vou quebrar voce todo, imbecil! - vociferou o Bruno, avançando outra vez e eu tentando dete -lo com esforço, mas para nossa sorte os seguranças da boate viram tudo e correram acudir, dando uma chave de braço em Bruno.
- Voce esta bem? - perguntou um deles a Alex.
- Sim. Nos ja vamos embora - disse ele apos se levantar devagar, tocando a boca ferida - Obrigado.
O outro segurança tinha se afastado levando Bruno meio arrastado consigo. Olhei Alex com preocupaçao, porem ele me fez um gesto como quem diz: "nao foi nada". Assim, fomos embora, em total silencio ,procurando um taxi. Começava a garoar quando chegamos em casa. Tomei banho e voltei à sala, onde o namorado me aguardava, vendo televisao, com uma bandejinha de aluminio na mesa de centro.
- Hora do seu remedio - disse Alex com meus comprimidos e um copo de leite - Depois descanse, viu? Esta tarde.
Deitamos em silencio. Alex tinha colocado um pedaço de bandagem no canto ferido da boca e agora olhava quieto para o teto, pensativo.
- Ele ia te moer inteiro, Alex. Provocar aquele louco... Olha o tamanho dele - falei, afinal.
- Ouviu o que ele falou de voce? Nao podia deixar barato - disse ele, indignado - Que canalha! Como considerei caras feito ele e Tony como amigos? Nao prestam! Sabe, acho que o que me seduzia neles era aquela aura de onipotencia, a extroversao deles, tao diferentes de mim... Por muito tempo eu os admirei, Marquinhos.
- Sei. Sao sedutores, mesmo. Mas nao valem nada - disse e fiquei pensativo - Acha que o Bruno possa estar infectado?
- Talvez. Nao apenas por ter... transado com voce. Mas por sempre ter sido promiscuo - disse ele e suspirou - Quem sabe isso nao o torne mas humano, mais humilde?
Fiquei pensando se isso era possivel. Alguem muda o carater em funçao de uma doença? Mudei o meu? Meu genio ruim ainda era o mesmo, Alex via isso todo dia, nas minhas impaciencas com ele, nas minhas chatices de mimado. Varias vezes ocorria de eu brigar com ele por ser forçado a comer quando estava nauseado, chegando ao ponto de xinga-lo, de gritar e manda -lo para os piores lugares, furioso, ao passo que ele apenas ficava me olhando, inabalavel, comentando as vezes que eu nao era mais criança e que estava apenas tornando as coisas mais dificeis para mim mesmo. Entao eu me sentia culpado, relutava em dar o braço a torcer, mas afinal ia procura -lo là na cozinha onde ele ja fazia uma limonada ,outra das especialidades dele. " Desculpa, amor", eu dizia, abraçando -o por tras. " Eu sei que sou insuportavel algumas vezes... Mas voce me ama assim mesmo, Alex! ". Eu via que ele sorria consigo, encostava o rosto no meu e fechava os olhos. " Estou com voce para tudo o que vier. Tudo", ele sussurrava. "Agora beba essa limonada aqui. Vai, cara. Faça uma forcinha, por favor ", ele completava e eu bebia, fazendo careta de enjoo. Se meu carater havia melhorado? Nao sei. Mas meu genio dificil ainda era o mesmo. De todo jeito, era uma teoria de Alex. Devia ser verdade, senao ele nao teria levantado essa questao.
Minha dura rotina seguiu, trabalhando e estudando com esforço, aguentando bravamente o AZT, indo ao medico a cada dois meses, contando os linfocitos que nao aumentavam e nem diminuiam, medindo minha carga viral ainda estavel... Nao era uma vida plena, eu deixava de fazer muita coisa, mas era a minha vida e eu a levava com muito amor á ela e muito cuidado.
No inverno, porem, comecei a tossir seco e a ter uma dorzinha chata nas costas. Isso nao durou mais do que dois dias e Alex, aflito, começou a falar em procurar um medico, para meu terror e negaçao. "E se for apenas uma tosse alergica? O clima anda muito seco, sem chuva...", era o que eu pensava. Mas em uma tarde a febre alta me tirou do trabalho mais cedo, e telefonei para Alex que veio muito preocupado me buscar de taxi.
- Ja arrumei suas coisas e falei com o medico. Vamos direto ao hospital - disse ele.
Eu nao queria ser internado. Tinha um medo terrivel de nao voltar de la, porem nao houve outro jeito. Naquela quarta - feira gelada dei entrada no hospital com uma pneumonia causada por um fungo que meu organismo nao conseguiu impedir de se instalar. Começava entao uma grande luta para mim, talvez a maior de todas.
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Valeu, galera! Estamos acabando. Comentem! :)
Beijao em todos!