Me mantive um pouco mais frio com Alex nos dias que se seguiram, apesar de ele vez ou outra tentar me beijar, num momento de distração minha. Me dava raiva quando eu sentia aquela mistura de calor e frio no estômago quando ele chegava perto demais, porem me forcei a que tudo não passasse de uma amizade com limites entre nós.
Voltei ao trabalho no banco em poucos dias, e fiquei contente em ocupar a cabeça com algo que prestasse. Por ter meu dia todo ocupado, não via quase Alex, já que algumas noites eu chamava algum cara para ficar ali comigo e saciar meu intenso apetite de sexo que as vezes nem me deixava dormir à noite caso nao fosse satisfeito. No sábado e domingo, entretanto, Alex vinha e ficava o dia todo, me enchendo a paciência, me mimando, querendo ficar junto o tempo todo.
- Se eu namorasse com você, nao aguentaria cinco minutos do seu lado_ disse um dia, enquanto comíamos pipoca em frente à TV, sentados no chão_ Você é muito grudento, Alex.
Ele tinha aprendido a nao se zangar com minhas criticas. Ria e chegava mais perto, falando no meu ouvido:
- Sou um romântico. Homens como eu são raros.
- E convencido, olha só!
Soube que o primeiro namorado dele se chamava Beto, e tinham quinze anos quando se descobriram um no outro. Namoraram escondido por um ano, mas então o garoto começou a grilar que os pais estavam desconfiando e quis romper com tudo. Ficaram só amigos, e a amizade deles durava até hoje.
- Só amizade?_ perguntei com malicia.
- Mas é claro!_ ele pareceu ofendido_ O Beto namora uma moça, a Ana, mas, coitado, nao sente nada por ela. Ele ainda tem desejos por homens, mas pouca coragem de se arriscar com algum. Muito menos comigo!
- Está cheio de homem assim por aí..._ falei com desprezo, me lembrando daqueles trouxas da minha faculdade que queriam tudo na moita, para ninguem desconfiar.
Na noite de Ano Novo me preparei para ver a queima de fogos sozinho em meu apartamento, bebendo e olhando da sacada o show de luzes que aquela noite prometia. E foi realmente espetacular, quase vinte minutos de fogos coloridos, ao longe e bem pertinho, enchendo o céu estrelado. Lá embaixo buzinas e pessoas faziam algazarra, saudando aquele ano de 1988 que começava com desejos de paz, saúde e felicidade para todos nós.
- Nossa! Vim correndo!_ disse Alex entrando feito um tornado em minha sala, cerca de meia hora depois, sem fôlego; antes que eu dissesse qualquer coisa ele me abraçou com toda a força_ Feliz Ano Novo, meu amor!
- Para você tambem, Alex_ respondi, confuso, retribuindo o abraço dele.
Permanecemos ainda um certo tempo abraçados, e quando nos soltamos, num impulso que julguei ridiculo, beijei-o de leve sobre os lábios, rapidamente. Porem me afastei logo dele, gaguejando que tinha feito um pouco de salada de frutas e se ele queria. Sentia meu rosto queimar e me odiava por isso. Quantos homens eu tinha tido a chance de beijar, de estar próximo naquele ultimo ano? Muitos, e no entanto só com aquele me vinha um constrangimento, um embaraço que me irritava, tomando o lugar do desprezo e do deboche que antes eu sentia por ele.
- Salada? Com quais frutas?_ ele perguntou, vindo atras de mim na cozinha.
- Kiwi, melão, morango... Porque? Nao gosta?_ falei, sem olhar pra ele.
- Se você fez, só pode estar ótimo.
Servi a salada em xicaras, com colherinhas, e entáo, fitando Alex rapidamente, flagrei nele um sorriso bobo na cara, tão alegre que nem escondia, me olhando. Nao falei nada, deixei passar, e fomos comer a salada em frente à televisão, de ventilador ligado. Passava uma reprise do Vigilante Rodoviário, e eu nem prestava atençao.
- Posso beijar você?_ disse Alex junto a mim no sofá.
- Não.
Ele riu e eu me irritei, fitando-o.
- O que foi?
- Nada_ ele se limitou a responder.
O episódio do seriado terminou e o canal fechou. Mudamos a frequencia e ficamos vendo um programa repetido, que era uma entrevista com um cantor nacional cafona.
- Se eu te abraçar de novo, você repete aquilo?_ disse Alex ,sem me olhar.
- Aquilo o quê?
Ele riu baixinho e fiquei olhando-o numa impaciencia crescente.
- Marquinhos, Marquinhos..._ disse ele suspirando_ Somos homens adultos e estamos nos comportando como dois garotos de doze anos. Deixe de coisa e faça logo o que voce quer.
- Exatamente! _ falei, ironico_ Quero um uisque, agora. Está servido?
Levantei e preparei a bebida, tomando tudo em pé, olhando a TV. Alex sorria consigo, e aquele ar de felicidade dele me exasperava. Comecei a contar que Tony estaria de volta naquela semana.
- Acho bom, porque já estou sentindo falta dele_ falei, vendo o sorriso sumir do rosto de Alex.
Após isso ele não demorou muito e já se despediu. Eram quase duas horas, e a familia dele ainda devia estar festejando o novo ano. Queria ainda participar de parte dos festejos.
Me abraçou de novo, desejando boa noite, e após me soltar ficou alisando meu rosto e cabelos com as pontas dos dedos, sorrindo de leve, num olhar sereno.
- Você aperta meu coraçao nas suas mãos, beija-o, aperta, beija de novo..._ disse ele baixinho_ Mas hoje acho que beijou mais... E vou dormir feliz como um menino. Ei, tem ouvido a nossa música? Do Air Supply...
- Nem tanto..._ fiquei totalmente desconcertado, e me odiei por isso_ As vezes coloco, quando enjoo dos outros LPs. Mas nós não temos uma música!
Ele sorriu e nao respondeu. Me beijou no rosto e saiu, fechando a porta, e por muito tempo permaneci sentado em frente à TV, olhando qualquer coisa que passava, sem prestar real atençao em nada.
Dois dias depois, Tony voltou da viagem que fez com a familia. Veio numa noite chuvosa e quente, sozinho, e com uma noticia sinistra: Zeca tinha morrido na virada do ano.
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