Olhando a reforma que estava sendo feita e já gostando do andamento da coisa, sem querer voltei ao passado e uma tristeza misturada a lembranças boas e ruins me assaltou de repente. Eu tive quase certeza, nesse exato momento, de que finalmente tinha conseguido, melhor dizendo, eu tinha vencido.
A cada pincelada que os trabalhadores davam na pintura das portas e janelas, a cada martelada que me fazia fechar os olhos por conta de seu impacto e lembranças infantis nas madeiras do teto, a cada camada de tinta que era colocada nas paredes que um dia foram brancas, a cada nova cerâmica que assentavam naquele que seria o maior bar Gay da cidade, me fazia ter essa certeza... Eu era um vencedor sim, e dessa vez estava pronto pra enfrentar o mundo de cabeça erguida e sem nenhum tipo de medo.
Só que o caminho até aqui, foi totalmente oposto ao que eu imaginava no dia que saí de casa com uma simples mochila nas costas e após ter levado uma surra de meu pai por ser o que ele não gostava ou não queria que eu fosse, com a idade de 18 anos e doze horas. Era filho único, apesar das outras duas irmãs que tinha. Minha mãe já tinha saído de cena quando eu contava com três anos de idade, uma pena não lembar dela e minhas irmãs vieram com a madrasta, D. Auxiliadora, que por incrível que pareça me amava ao extremo e vez ou outra por me defender de meu pai, apanhava no meu lugar.
Sorri meio triste ao lembrar da figura dessa mulher que o destino colocou na minha vida e que graças a Deus até hoje ainda me bota no colo e me chama de filho.
Eu me chamo Heitor Silva Pontes, e sou agora o que chamam de Empresário da Noite. Só que lá atrás eu era apenas um garoto que andava pelas calçadas de uma grande Metrópole do Sul, fazendo coisas que muita gente não imaginaria que eu fosse capaz de fazer, às vezes pra poder comer, outras pra poder ter onde dormir, outras ainda por querer ter grana e continuar sonhando como todo adolescente pobre e sem perspectiva como muitos que tem hoje por aí.
Negro, alto, forte, másculo e muito bonito, esse era eu. A Avenida onde ficava exposto por quase toda a noite, e olha que não interessava as condições climáticas do dia ou da temporada, nunca fizeram eu me esconder de mim mesmo. E podem estar certos de que andei pra lá e pra cá por quilometros intermináveis.
Nunca tive estudo, aquilo nunca entrou na minha cabeça, sabia ler pouco, escrever razoável, assinar o nome completo e quase nada mais. Em compensação falava espanhol, inglês chulo e até um pouco de alemão... Apesar de isso tudo ter sido muito depois de ter chegado a São Paulo e dois anos depois me transferir para o Rio de Janeiro.
Minha madrasta sempre dizia - A VIDA VAI ENSINARSó que estou esperando até hoje. Acho que aprendi tudo isso sozinho e depois de comer o pão que o diabo amassou do meio-dia pra tarde, sendo essa outra frase da D. Auxiliadora, finalmente eu compreendi que mesmo sabendo quem eu era, ou por fazer o que fazia, eu tinha valor, pois uma coisa também era muito certa em mim... QUANDO VOCÊ PASSA PELO INFERNO E SAÍ DE LÁ INTEIRO, NÃO RESTA A MENOR DÚVIDA DE QUE VOCÊ SEMPRE SAÍ QUEIMADO.
De repente fui tirado dos meus devaneios pelo Sr. Diógenes, o mestre de obras...
_ Seu Heitor, dá licença? E esperou pela minha resposta.
_ Claro Seu Diógenes, o que o senhor manda?
_ Como prometi desde a semana passada, tô lhe entregando o prédio todo reformado na próxima sexta-feira.
_ Mais isso é maravilhoso, meu amigo. Vejo que o Senhor é um homem de palavra.
_ Fico feliz em ouvir isso do Senhor. E simplesmente saiu, alegando que faria uma nova vistoria no segundo e terceiro pisos.
Após a sua saída foi inevitável voltar àquele passado que não estava tão distante assim, uma vez que contava atualmente com 32 anos de idade...
NOITE DA DESPEDIDA...
_ Onde ele esta, Auxiliadora? Perguntou meu pai por mim à sua esposa.
_ Quem homem?
_ O papa... Jesus Cristo, o Buda, o diabo que a parta... Claro que tô falando do Heitor, mulher.
_ Ele foi ao cinema com alguns amigos, parece que tá passando um filme que eles queria muito assistir e saíram por volta das 16:00 h da tarde. Não sei se você lembra, Juarez Pontes, o menino tá fazendo 18 anos hoje.
_ Nesse caso, vamos esperar... Ele vai receber um presente surpresa.
O relógio da sala de jantar que era conjugada à sala de visitas da pequena e confortável casa da família Pontes, parecia zombar da cara do pai de Heitor, um Sargento da PM que era considerado o próprio Ministro da Justiça da pequena e pacata cidade onde moravam próxima a Fortaleza.
Os passos apressados do garoto finalmente ecoaram no batente alto da porta e após ele entrar na sala com duas sacolas de presentes, que os amigos deram lá na lanchonete que ficava em frente a Igreja Matriz, a primeira pessoa que ele viu foi o pai sentado na velha cadeira de balanço...
Juarez levantou e após andar apenas três passos, agarrou a camiseta do filho logo abaixo do pescoço.
_ Olha bem dentro dos meus olhos Heitor e me diz o que você tá vendo. Gritou o pai, bafejando em seu rosto.
O medo me assomou de um jeito que sou capaz de jurar que tive vontade de mijar ali mesmo.
_ Não sei não pai, aconteceu alguma coisa? Perguntei com a voz muito baixa.
_ Quantas vezes eu disse a você, que não queria a sua amizade com aquele bando de viadinhos que estavam com você hoje na sua comemoração de aniversário? E o primeiro tapa na cara foi dado. Heitor não respondeu.
_ Quantas vezes já lhe disse, que não quero nem sonhar ou mesmo desconfiar que meu filho único é um baitola? E o segundo tapa, foi mais forte que o primeiro. Heitor já estava marejando os olhos e novamente nada respondeu.
_ Quantas vezes eu terei que aguentar isso, hein rapaz? E dessa vez o joelho do pai foi de encontro aos órgão genitais do filho. E Heitor soube que estava totalmente perdido, melhor dizendo, fodido.
_ Você me dá nojo, tá me ouvindo? E novos tapas eram dados em seu belo e másculo rosto.
A camiseta de Heitor que era colada ao seu belo corpo foi rasgada em várias partes, o seu nariz sangrava muito por contas dos três murros que levou no meio da cara e quando o pai terminou, ele não teve tempo nem de se encolher no frio chão da sala...
_ Hoje eu tive a confirmação do que você era. Dezesseis ligações que atendi num espaço de meia hora falavam a mesma coisa... Você é um maldito Viado. Não quero sua permanência nessa casa e não quero saber das suas andanças por aqui. Tome muito cuidado com o que vai fazer daqui por diante, pois a cidade é pequena e se eu souber de mais uma coisa seu respeito, prometo que darei um jeito de fazer você sumir de vez, entendeu seu vagabundo?
Heitor nada falou, levantou do chão do jeito que deu, foi até o quarto, se olhou no pequeno espelho da parede, pegou a mochila preta onde guardava os cadernos e livros do supletivo do Fundamental I que fazia, e jogou algumas coisas dentro da mesma, pegou o dinheiro que estava economizando dentro da caixa de sapatos, limpou o sangue do rosto, lavou bem o rosto e antes de sair de casa disse:
_ Esse foi o melhor aniversário que eu tive nos últimos 18 anos.
Auxiliadora chorava sentada na cadeira da sala de jantar e não pôde se despedir do garoto que tinha por filho. mentalmente rezou uma prece por ele que a olhou uma última vez e sorriu em sua direção...
_ Tchau mãe... Amo a senhora.
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Meu boa noite a todos vocês.
Como sempre faço, quero começar agradecendo a cada um pelo carinho e admiração que sentem por mim e poder dizer mais uma vez que sem vocês, não dá.
A jornada anterior foi muito gratificante, podem ter certeza... Ela me fez ver o quanto que a gente se ama e preocupa com o outro... O quanto se é forte, quando somos muitos... E o quanto valerá a pena insistir em fazer a diferença, sempre que houver uma oportunidade ...
Amo vocês... Nando Mota.