NARRADO POR LUCÃO
(OBS.: Essa parte do Lucão acontece paralelo aos eventos narrados no último capítulo)
Chegamos na casa da minha tia Martha de madrugada.
Tia Martha era uma das melhores pessoas que eu conhecia. Meu tio Francisco, ou Tio Chico, havia falecido de câncer alguns anos antes, quando eu ainda era pequeno. Entretanto ele havia deixado uma generosa aposentadoria do exercito para ela.
Meu primo Fred estudava medicina na USP em São Paulo. Ele era noivo já e eu tinha pouco contato com ele. Mas pelo o que eu lembrava, ele era muito gente boa.
Eu visitava pouca vezes Tia Martha, mas todas vezes que eu ia ver ela ou que eu falava com ela, ela insistia para eu me mudar para BH, para estudar na mesma escola que seu filho, fazer o mesmo cursinho para no fim estudar em uma excelente universidade.
É claro, minha mãe nunca quis isso. Nem eu, para falar a verdade. Eu gostava da minha vida em Poços de Caldas. Gostava de ficar perto de Victor, mas agora, isso não era mais possível.
Assim que chegamos, Tia Martha nos recepcionou com um delicioso jantar. Ela já tinha preparado nossos quartos. Ela me mostrou meu quarto, que na verdade era o quarto de hospedes.
Como eu não conseguia dormir, passei a madrugada arrumando meu novo guarda roupa e deixando meu novo quarto mais no meu estilo. Enquanto eu arrumava, coloquei minha playlist padrão para tocar. A primeira música dela: Nocturno, Chopin.
Comecei a chorar só de escutar a música. Era a musica que ele tinha tocado pra mim antes de eu beijar. Algo me dizia para mudar a música, mas eu não consegui. Sentei na cama e chorei até a música acabar.
Depois levantei, aprumei o corpo, e terminei de arrumar tudo. Fui dormir era mais de 5 da manhã. As primeiras luzes da aurora já apareciam no céu. Minha tia me acordaria em breve para me levar até minha nova escola.
Ela e minha mãe me acordaram 6h. Minha mãe estava voltando para Poços de Caldas. Ela tentaria pedir transferência da empresa que ela trabalhava para Belo Horizonte, mas enquanto isso, deveria continuar em Poços.
Saímos de carro para irmos em direção a escola. Fiquei sentado no banco de espera da secretaria enquanto minha tia conversava com a diretora, que por sinal, era uma das melhores amigas dela.
Blá, blá, blá, eu poderia começar a assistir aula assim que meus documentos na outra escola fossem transferidos para a minha nova escola. Voltamos para casa e eu fiquei lá, vendo a coleção enorme de livros da minha tia.
Demorou dois dias para eu poder assistir aula na escola nova.
Não teve nada de novo. Não fiz amigos, não fui apresentado nem nada, simplesmente cheguei, sentei na última carteira e prestei atenção na aula chata. Durante uma semana foi assim.
No final de semana fiquei em casa vagabundando. Fui num restaurante com a minha tia, do contrário, fiquei apenas em casa. Dei uma volta no condomínio onde ela morava. VI que tinha uma quadra, academia, piscina...
No domingo eu desci para ir na academia, tomar um banho de piscina e tinha uns 3 garotos malhando também. Eles simplesmente me ignoraram. Ele conversavam animadamente sobre a festa do dia anterior.
Fiquei malhando por mais de uma hora. Depois fui até a piscina, tomei uma ducha e fiquei nadando. Nada de mais emocionante aconteceu. Na hora que estava quase escuro, subi para o ap da minha tia.
Segunda feira aconteceu algo muito curioso na escola. Eu cheguei, sentei na minha mesma carteira e fiquei desenhando. Desenhei uma paisagem noturna. Sim, eu sabia desenhar bem.
No fim da aula, eu já estava saindo pelos portões quando uma voz fala perto do meu ouvido:
- Olha só que mundo pequeno. Parece que um certo conhecido meu está estudando na mesma escola que eu... – Levei um susto. Dei um pulo e olhei para trás. Não consegui contar um sorriso. Era Raul.
NARRADO POR VICTOR VILLEFORT
Já fazia mais de um mês que Lucão tinha ido embora.
Nesse tempo, obviamente Bruninha descobrira que eu ficara com outras meninas em BH. Ela ficou brava comigo, mas eu consegui contornar a situação, o que resultou no nosso namoro. Júlia reatara seu namoro com Caio depois de um tempo também.
A parte mais difícil foi explicar por que eu e Lucão tínhamos brigado. Inventei a história de que ele tinha dito baixaria sobre a Júlia e que eu não tinha nem noção do motivo dele ter mudado repentinamente pra ninguém sabe onde.
Nesse mês, eu só saia com Bruninha. Cinema na sexta, açaí no sábado, shopping no domingo... coisas que casais de namorados fazem.
Mesmo estando com Bruninha eu me sentia muito sozinho. Eu precisava da figura de um melhor amigo. Eu fiquei muito mal acostumado com Lucão sempre do meu lado me dando apoio em tudo o que eu fazia, e, do nada, isso não existia mais.
Na escola agora eu tinha que ralar muito mais. Lucão antes me ensinava tudo de um jeito que eu entendia facilmente, mas agora ele não estava ali para me ensinar, então, eu tinha que aprender sozinho.
Faltava pouco mais de um mês quando a saudade de Lucão bateu forte, mas veio forte mesmo.
Eu passava todos os dias em frente a casa dele. Uma placa de vende-se pendia na porta. A grama crescia alta na frente. O moço da padaria não sabia para onde eles tinha se mudado. Nenhum vizinho sabia.
Fui na escola perguntar para qual escola Lucas tinha se mudado, mas isso era uma informação sigilosa e a escola se recusou a dar essa informação. Nesse tempo, mesmo fora do time, conversava muito com o treinador sobre o que eu sentia.
Eu me recusava a acreditar, mas pelo visto eu amava Lucão. “Não. Eu sou hétero! Eu amo a Bruninha, minha namorada! Eu só estou com saudade do meu melhor amigo... Só isso... nada além disso...” Pensava eu, todas as vezes que lembrava de Lucão.
Meu namoro com Bruninha ficava cada vez mais sério. Ela dormia lá em casa várias vezes na semana. Mas a única coisa que eu sentia por ela, era tesão. Confesso que ela dava muito bem e até liberava o cuzinho para mim, mas meus sentimentos por ela não passavam disso...
O tempo corria lentamente para mim. Uma quinta feira qualquer, eu estava na sala com Bruninha, assistindo um filme que ela havia escolhido quando toca a campainha. Era um homem de terno, educado e sorridente:
- Boa tarde! Aqui é a residência de Lílian Villefort?
- Sim, é sim! O senhor, quem é? – Ele sorriu e me respondeu:
- Sou presidente do Conselho de Arte e Cultura de Belo Horizonte. Ela está, preciso falar com ela, urgente – Ele me abriu um largo sorriso.
- Claro, entre! Já vou chamá-la! – Ele entrou e foi direto ver o piano na sala.
Sai correndo para o quarto da minha mãe. Falei quem estava no andar de baixo e ela desceu depressa.
Eles conversaram por bastante tempo perto do piano. Minha mãe tocou umas três músicas para ele. Ele tocou uma música também. Ele entregou uma pasta para minha mãe. Ela acompanhou ele até a porta. Depois que ele foi embora, minha mãe superanimada nos disse:
- Filho, querido. Esse cara me convidou para tocar em BH daqui duas semanas, para substituir a pianista de uma orquestra que está internada, vitima de um atropelamento... Bem. Estou partindo amanhã. Na quarta que vem seu pai chega, ai vocês vão lá me ver, certo?
Me assustei com a ida repentina da minha mãe. Ela estava superfeliz e eu fiquei contente por ela. Ela ligou para o meu pai e contou tudo o que tinha acontecido. Meu pai ficou contente também.
No outro dia logo cedo um carro veio buscar ela. Até na quarta antes do meu pai chegar, Bruninha praticamente morou lá em casa. Ela ia comigo depois da aula, dormia lá e tals. Transamos na casa inteira.
Vi Júlia só na escola. Ela ficou muito mais na casa do Caio do que em outro lugar.
Na sexta, fomos para BH. Nos hospedamos e fomos ao shopping. De noite, nos aprontamos e fomos para o local onde minha mãe ia tocar. Sentamos nos lugares que foram reservados para nós e aguardamos o inicio.
A orquestra foi linda. Minha mãe estava linda. Toda produzida, um sorriso radiante, um vestido muito bonito... Todos aplaudiram de pé ao fim da apresentação. Eles tocaram todas as minhas musicas preferidas, inclusive Nocturno.
Mas o pior de tudo foi na hora de ir embora. Fui ao banheiro assim que acabou. Na hora que saio do banheiro eu vi um rosto muito conhecido por mim. Era Lucão.
Pensei em correr em sua direção, mas na hora que eu do o primeiro passo, vi que ele estava acompanhado. Não simplesmente acompanhado. Ele estava de mãos dadas com um cara que me era familiar...
“Ele merece ser feliz” as palavras do treinador vieram à minha mente. Pensei em um instante. Me coloquei no lugar dele. Ele estava ali, com um sorriso de felicidade sincero. Ele estava feliz. Se eu chegasse e falasse com ele, talvez eu estragaria isso... Então, simplesmente fui por outro caminho.
Foi nesse momento que eu percebi que estava de fato perdidamente apaixonado por ele, quando você coloca a felicidade do outro acima, bem acima da sua. Naquele momento eu percebi que não conseguia viver sem ele mais.