Acordei cedo mais uma vez no outro dia. Eu sempre odiei levantar cedo. Toda vida foi uma novela. Mas a causa era nobre. Entrei no carro.
Eu: Bênção vó.
Vó: Jesus te abençoe, filha.
Eu: Tá bem, vó?
Ela: Tô indo, filha. As vezes dói quando eu tento comer algo.
Eu: Vai ficar tudo bem, vó. Fica tranqüila!
Tia: Mah, quando a quimio for todo dia, como faremos?
Eu: Tia, a senhora vai ter que levar a vó. Eu tenho aula. Agora tá tranqüilo, porque estou de férias.
Vi que vó ficou tristinha. Eu sempre fui desenrolada na vida. Sabia todo o caso da vó, e discutia com os médicos como se tivesse anos de profissão. Sabia suas alergias, havia lido muito sobre o tratamento e a doença. Ela sabia que naquele momento precisava de mim.
Eu: Vó, mas sempre que der, eu vou com a senhora. Prometo!
Ela: Filha, e sua faculdade?
Eu: Vó, eu me viro. A senhora é mais importante que qualquer diploma.
Ela sorriu. E eu sorri por vê-la feliz.
Chegamos no Hospital e sentamos na sala de espera. Era a primeira vez da Vó ali. Ela viu mulheres, homens e crianças. Todos ali pelo mesmo motivo.
Ela: Filha, eu não quero lenços. Quando meu cabelo começar a cair, eu quero uma peruca.
Dei risada.
Eu: Mas é vaidosa, hein vó? Rs... Pode deixar. A senhora vai ficar linda de peruca.
Fiquei mexendo no cabelo dela, até que chegou nossa vez. Entramos na sala.
Médica C: Olha quem está aqui. - Sorriu.
Eu: Hoje ela veio, doutora.
Rimos e nos sentamos.
Médica C: Dona Maria, como a senhora está se sentindo?
Vó: Ah minha filha, as vezes dói e nem consigo comer. Tenho tomado sempre um remédio para aliviar a dor. Esse aqui.
Vó abriu a bolsa e mostrou o medicamento.
Médica: Hummmm.. Ajuda a aliviar as dores sim. Tem tomado 1 por dia?
Vó: As vezes até dois.
Médica C: Nós vamos vendo como o tratamento irá se desenvolver. A senhora vai fazer radio e quimioterapia. Sabe como funciona?
Vó: Minha neta me explicou tudo já.
Apertei sua mão e sorri.
Médica C: E o que foi que sua neta lhe disse? Rs...
Eu: Ah doutora, aí não vale, neh? Rs...
Vó: Ela me disse que essa tal de radioterapia é com raios que vão diretamente no tumor. E a quimio é a medicação que vai matar a doença no corpo.
Medica C: Rs... Ela não lhe explicou mal não, viu? Rs...
Voltamos a sorrir. A médica explicava os detalhes técnicos pra vó e eu ficava pedindo a Deus que aquilo acabasse logo. Não a conversa, mas tudo. Queria ver a vó bem. Ela era doce e gentil. Tinha traços elegantes e porte de quem foi uma mulher linda na juventude. Apesar da idade, continuava sendo. Era branca, tinha os cabelos curtinhos. Tinha as unhas pintadas, assim como o cabelo. Estava sempre bem vestida e cheirosa. A vó tinha cheiro de vó. Cheirinho de almoço de domingo, de fronha que ficou imersa no amaciante, de pão assado e flores de jardim.
Médica: ... e sua neta pode lhe acompanhar na preparação do molde agora.
Eu: Sim. Claro que sim.
Apertei a mão da médica e agradeci mais uma vez.
Vó: Doutora, muito obrigada. Que Deus lhe abençoe.
Médica: Amém, dona Maria. Vai dar tudo certo, viu? Fique tranqüila.
Saímos e fomos direto para uma saleta. Um homem nos esperava. Abri a porta e dei de cara com ele numa escada. A sala estava repleta de moldes.
Ele: Doutora C que enviou, não é isso?
Eu: Exatamente.
Ele: A senhora pode baixar um pouco as mangas do vestido, por favor?
Vó era recatada e tímida. Ficou meio sem graça. Então tomei à frente.
Eu: Vem, vó. Eu te ajudo.
Baixamos e ela deitou na maca. Ele tirou as medidas do corpo e depois o vi pegar uma tela. Algo como um silicone branco. Imergiu a tela numa água e vi um vaporzinho subir. Logo a tela ficou mole, ele levantou com uma espátula e disse: Não se mexa, por favor.
Ele posicionou a tela sobre a face da vó e foi moldando de acordou com o contorno do rosto dela. Segundos depois, havia acabado. Agradeci e saímos. Estava mais tranqüila agora. Segurei a vó pelo braço, e saímos caminhando devagar pelo corredor.
Tia: Deu tudo certo?
Eu: Deu sim. A vó ficou sensualizando lá, com os ombros expostos.
A vó deu uma gargalhada enorme.
Ela: Você é uma graça, filha.
Rimos e eu ganhei meu dia. Ela havia sorrido.
Entramos no carro e lembrei de Ci. Dentro de poucos dias ela estaria longe. Se por um lado ficava bem quanto à doença da vó, por outro meu coração estava sangrando. Olhava os carros pelo retrovisor. Tudo passava de maneira desconectada. Eu, obviamente, não tinha condições de associar coisa alguma, para dar um pingo de sentido àquilo tudo.
O carro parou num sinal e uma luz pairou sobre minha cabeça.
Eu: Vó, eu mudei de idéia. Volto pra casa mais tarde. Fique tranqüila que tá tudo certo pro início do tratamento. Bênção vó. Bênção tia.
As duas, em coro: Jesus te abençoe.
Ela: Cuidado, filha.
Eu: Pode deixar, vó.
Me beijou e desci.
Atravessei a faixa e fui a um lugar que eu havia passado a poucos instantes. Peguei o que eu queria. O shopping ficava próximo dali, e fui correndo lá. Eram quase 11h da manhã. Passei numa loja, escolhi e fui a um caixa eletrônico. Liguei pra Ci.
Ela: Booom dia, amor da minha vida
Eu seca e fria: Bom dia.
Ela: Que voz é essa?
Eu: Precisamos conversar.
Ela: O que houve? Tá me assustando.
Eu: Prefiro pessoalmente. Vou sair daqui de 12h. Chego aí por volta das 15h.
Ela: Você vem direto?
Eu: Vou em casa ainda.
Ela: Porque íamos na fazenda de um amigo, desopilar um pouco.
A casa ainda tinha irmãos, sobrinhos e filhos do meu sogro. Então tinha que achar uma ocupação pra eles.
Eu: Gostaria que você ficasse. Precisamos conversar.
Ela: Olha amor, se for pela bri...
Eu: É por tudo. Mas não quero mais falar sobre isso. Só pessoalmente.
Senti que ela estava chorando do outro lado da linha.
Ela: Tá bom. Tô te esperando. Não irei.
Eu: Ótimo.
Desliguei.
Comprei o que precisava e nem quis esperar o ônibus. Peguei um alternativo e fui pra casa. Tinha pressa em fazer aquilo.
Chegando em casa, tomei um banho voado e me vesti. Sentei na cama, ajustei a afinação do meu violão e fiz um A (Lá maior) - muito alto, pensei. Baixei o tom e fiz um G (Sol maior) - um pouco melhor. Mas precisava ficar perfeito. Baixei meio tom e fiz um F# (Fá sustenido maior) - Ótimo. Respirei e comecei a cantar.
Olha aqui
Presta atenção
Essa é nossa canção
Vou cantá-la
Seja onde for
Que é pra nunca esquecer
Do nosso amor
Do nosso amor
Veja bem
Foi você
A razão e o porque
De nascer essa canção
E assim
Pois você é o amor
Que existe em mim
Você partiu
E me deixou
Nunca mais você voltou
Pra me tirar
Da solidão
E até você voltar
Meu bem, eu vou cantar
Essa nossa canção
.
.
.
Terminei chorando. Eu amava muito aquela mulher. Meu coração estava acelerado, sentia borboletas por todos os lados. Eu sabia que estava fazendo a coisa certa.
Joguei umas roupas na mochila, coloquei meu violão na capa, peguei um táxi, outro, e uns 40min depois, estava descendo na rua da casa dela. Andei uns 20m à pé e a vi sentada na varanda. Cheguei perto e não acreditava no que eu via.
Eu: Que raios de roupa é essa?
Ela: kkkkkkkkk ia jogar fora. Mas a vó disse que eu parecia muito com o pai. Que se vestisse isso, ia ficar a cara dele. Coloquei pra ela ficar feliz.
Fiz cara de paisagem. Ela estava com uma bermuda folgadona preta, e uma camiseta branca e azul, que lembrava as de time de futebol. Não sou contra quem se veste de maneira masculina, mas a mim, não atrai. Tanto ela, quanto eu, somos duas meninas. E gosto disso. Nos sentimos bem assim, pois é assim que somos.
Ela: Vem, entra.
Entramos, nos sentamos e ela: Vai. Fala.
Eu: Calma. Que pressa.
Ela: Meu... Fala logo.
Via que ela já tinha os olhos marejados.
Eu: Ci, quando começamos a namorar, eu confesso que não botei muita fé na gente. Você morava do outro lado do país, nem havia previsão de quando nos veríamos, sem contar os meus próprios traumas sobre me envolver com outra mulher.
Ela me olhava atenta, como se esperasse um fim.
Eu continuei: Ai o tempo foi passando e dia após dia você me encantava mais. E veja agora onde estamos. Depois dessa semana, eu tive certeza de algo. Eu não quero namorar você...
Ela começou a chorar.
Eu continuei - já tirando um bouquet de flores vermelhas de uma bolsa -: eu quero você pra vida inteira. Terminei abrindo uma caixinha aveludada azul, com uma aliança de prata, com detalhes em ouro.
Ela chorava muito.
Ela: Meu... Você quer me matar?
Eu segurei sua mão, empurrando a aliança no dedo anelar direito. Ela tremia.
Eu: Nunca. Quero você pra sempre. Quero casar contigo. Quero passar o resto dos meus dias ao seu lado. Talvez seja cedo para isso, mas eu quero que você volte pra lá, consciente dos meus sentimentos por você. De que não estou brincando contigo. E de que vou lhe esperar.
Ela me abraçou forte e nos beijamos. Era um beijo doce e com carinho. Senti o mundo parar. Nossas mãos se entrelaçaram, assim como nossas línguas. Suas mãos apertavam minha nuca, até que o portão abriu.
AFF!
Cortaram o clima. Um a um foram entrando e passando entre nós, rs... Dei risada e ela também. Nem toquei a música, nem nada. Nos despedimos e fui pra casa da minha vó, que morava na mesma cidade dela.
Agradecimentos e respostas.
- sizinha: o bolo não ficou bom, rs... Pior, neh? Na bagunça, esqueci de colocar manteiga. Enfim... Depois fiz outros pra Ci, após ela ficar me enchendo o saco e dizer que eu só enrolava, rs... Quanto aos Xs e não dar muitos detalhes, é pelo fato de não me expor mais do que o necessário. Entende? Falar sobre sua sexualidade e momentos íntimos é algo muito pessoal. Então prefiro fazer as coisas dessa maneira. E geralmente são coisas que não fazem muita diferença pra compreensão da história, de um modo geral. Bjoooo e obrigada por me acompanhar.
- comodizlarissa: Isso isso isso. Escondidinho de charque. Dá no mesmo, neh? Rs... Ci adora. Bjoooo pra ti.
- Mm: A distância é algo complicado sim. Sofri pacas quando ela se foi. Mas nem tudo é pra sempre. Eu tinha em mente que o tempo iria passar, e ia chegar o dia que a teria sempre por perto. Ainda moramos em cidades diferentes, mas no mesmo estado e a apenas 20min de ônibus. Não é o ideal, claro. Mas continuo consciente que o tempo continuará a passar, e logo iremos nos casar. Bjoooo pra vc e pra Natah. Não deixem isso desanimar vocês.
- lella@: A história é minha e muitas vezes até eu me emociono escrevendo. Fico feliz por fazer você sentir a mesma emoção, com as minhas palavras. Bjoooo grande pra vc e comente mais vezes.
- Laila S2 Carol <3 FOREVER: Quando cheguei em casa, minha mãe estava meio desconfiada. Mas deixou de lado, quando disse que o pai de Ci havia acabado de falecer. Ela ainda não sabe sobre nós, porque desejo terminar a faculdade primeiro e ter minha independência pessoal e financeira. Quando isso acontecer, por mais chateação que ela tenha, nada vai poder dizer. Pois eu já poderei ditar o rumo da minha vida. Respondido? Bjoooo grande.
- Baby <3: Agradeço por continuar curtindo minha história. Bjooo
- Duda e Bia: Muito obrigada por não deixar de ler. Bjoooo
- blacklotus: Rs... Meu telefone é meu telefone, rs... Sempre cheio de senhas e proteção de tela, rs.. Hoje não temos mais fotos, mas... A Neura continua. Bjoooo
- jak7: Tem muito segredos num cel de uma mulher, neh? Rs... Bjoooo
- porra_daniz: Vi um comentário antigo seu. Sim. Nós fomos a Pernambuco mesmo. Esse ano, quando ela voltou, fomos novamente. Altas aventuras, dessa vez. Mais pra frente você vai saber. Quem sabe na próxima, não nos esbarramos por lá? Adoro aqueles barzinhos do Centro Histórico e as manifestações culturais nos fins de semana. Bjoooo
- Jaiy: Fico feliz quando você aparece por aqui. Sempre leio teus contos também. Bjooo
- Lara e Júlia: Agradecemos por torcerem por nós. Estamos bem e numa fase mais tranqüila agora. Espero que as coisas com o tio de vocês se resolvam. O melhor, nem sempre é um final feliz. Mas não quer dizer que não foi o melhor. Passei por isso, e mais pra frente vou dividir com vocês. Bjoooo pras duas.
- Ma.lu: Que honra ter vocês acompanhado nossa história. Quando comecei a ler a de vocês, meses atrás, eu sempre falava pra Ci. E ela dizia: Você fala como se as conhecesse, rs... Mas era essa sensação que sentia quando lia. Pois me sentia imersa na história. Obrigada pelos elogios. Bjooo pras duas e melhoras pra Eduarda.
- anacris2915: Desculpa se atrapalhei sua faxina, rs... Me senti honrada quando li que você parou tudo o que estava fazendo para vir ler. Muito obrigada, de coração. Sobre escrever um livro, rs... ainda é cedo. Mas quem sabe um dia? Rs... Bjoooo grande.
Para todos, meus sinceros agradecimentos.
Beijos e queijos.