Alex segurou aquela barra o suficiente para pegar com o doutor as orientaçoes quanto ao meu estado geral, e em relação ao tratamento. Eu os ouvia como que de outro lugar, sem compreender nada, tomado de um entorpecimento estranho, onde apenas me chegavam aos ouvidos palavras e pedaços de frases: "linfócitos", "contagem de células CD4", "novo medicamento", "AZT, ou zidovudina", "testes".
- Quanto tempo ainda vou viver, Alex?_ perguntei enquanto esperávamos um táxi na porta do consultorio.
- Muitos anos, Marquinhos_ disse ele, sorrindo pra mim, coroado pela luz da tarde que descia amarelada_ Vai tomar o remédio direitinho e ficar bem. Deus queira.
Observei-o com curiosidade. Ele tinha ficado esperançoso após a conversa com o médico. Meu estado geral nao estava ruim, e fora os nódulos no pescoço eu nao sentia mais nada. Se iniciassemos o tratamento agora com esse remedio, me manteria bem por um tempo. Mas quanto tempo? O medico nao dissera a Alex ou eu nao ouvira? Fiquei com receio de perguntar.
Em casa tomei um banho frio pois fazia calor e vi Alex mexendo na cozinha. Voltou à sala com dois grandes copos de limonada suiça e bebi tudo, com sede.
- Seus linfócitos estão um pouco reduzidos_ começou ele a dizer, me alisando o joelho lentamente_ Sabe o que sao eles, nao sabe? Lembra das aulas de Biologia? Pois é, são o "exercito" que defende o nosso organismo de intrusos, que seriam virus e bacterias. A Aids destrói uma boa parte desses exercitos, Marquinhos, ficam muito poucos e por isso, sem qualquer defesa, as doenças oportunistas surgem e se instalam facilmente. Você ainda está relativamente bem porque a..."destruição" começou agora, entendeu? Esse remédio, o AZT, ou zidovudina, inibe boa parte da atividade do virus, de modo que a progressão da doença se faz lentamente, e o "exercito" não é aniquilado totalmente e nem tao depressa assim.
- Ele te disse isso tudo? _ perguntei, pensativo.
- Sim. Eu vi que voce nao estava em condiçoes de compreender nada_ disse ele, mexendo na franja dos meus cabelos_ Vou ser franco: eu estava apavorado, cara, nao sabia nada sobre isso. Porem, agora, estou com muita esperança. Essa droga é relativamente nova no tratamento da Aids, começou a ser comercializada ano passado, e os resultados nao são ruins, apesar de ela produzir muitos efeitos colaterais. Infelizmente terá de aguentá-los, meu anjo. Amanhã mesmo vamos providenciar o remédio.
- Será muito caro?
- Não sei_ ele sorriu, me abraçando_ Mas nem pense nisso. Garanto que sem esse remédio voce nao fica.
Sim, ele estava cheio de esperança ao contrario de mim, que ainda duvidava, que nao conseguia crer que haveria um futuro para mim. Veria por exemplo, a virada da década? Aquela década alucinada e maravilhosa, a qual vivi até o limite? Não sabia. Ainda nao me sentia mal, apesar de naquela noite ter voltado a suar muito, molhando o pijama e o travesseiro. Alex acordou e achou aquilo estranho, comentando que podia ser um "sintoma", como as inguas no meu pescoço. Nao achei necessario, porem ele quis me ajudar no banho, de madrugada, dizendo enquanto me enxugava que o contágio só se dava por contato sexual ou sangue contaminado. O resto era inofensivo, e preconceito de gente desinformada.
- Sou tão grato a voce, Alex_ falei, depois de estar limpo e de volta à cama_ Tanto que te humilhei, desprezei, e veja só quem esta do meu lado nesse momento ruim. Todos os outros, se soubessem de mim, iriam querer distancia, todos aqueles caras bonitos e sensuais que me queriam... Acha que fariam isso? Dar banho em mim de madrugada? Só voce mesmo. Por essas e outras que eu te amo tanto.
- Fala de novo_ pediu ele, sorrindo.
- Eu te amo_ sussurrei.
- Esperei dias para ouvir isso, meu anjo - ele sussurrou, com os olhos umidos.
Me deu um sorriso comovido, se inclinou e me beijou na boca lentamente, deitando depois a cabeça em meu peito. Eu custei a dormir, sentindo todo o peso daquele dia agoniado pelo qual passamos.
- Alex? Amanhã voce olha minhas costas? Estou com tanto medo de ter daquelas manchas do Tony...
- Olho, amor_ ele suspirou_ Agora descansa, vai. Voce precisa.
Eu comecei a tomar o AZT dentro de pouco tempo, e eram doses altas, quatro vezes ao dia. Custava caro, era um remedio ainda importado, e Alex bancou aquilo sem pestanejar. Com o tratamento ele era chato, ficava em cima o dia todo, ligava no banco, queria saber se eu tinha tomado o remedio na hora certa, se tinha almoçado direito, se eu me sentia bem. Quando ele me irritava com isso eu era grosseiro, ríspido, mandava que me deixasse em paz e desligava o telefone na cara dele. Uma vez fiquei tao furioso com aquela vigilancia toda dele que o mandei ir para o inferno, quase gritando no telefone. Mas depois me veio uma pena e quando ele ligou de novo (sempre ligava, como se nada tivesse acontecido), eu pedi desculpas e respondi ao questionário dele.
No meu trabalho eu tomava o remedio escondido no banheiro, levando os comprimidos numa caixinha pequena de plastico. Ninguem desconfiava, apesar de vez ou outra perguntarem o que eu tinha no pescoço, e eu respondia que era um problema de pele. Por Alex me ligar muito o dia todo, o gerente começou a chamar minha atençao , pedindo que eu me focasse no serviço. Expliquei isso ao cabeçudo teimoso, que entendeu e passou a vigiar meu tratamento à noite.
Logo os efeitos colaterais surgiram, e eram severos como se esperava: náuseas, dor de cabeça, um cansaço terrivel. Passei a trabalhar no limite, e numa semana faltei dois dias, incapaz de levantar da cama, sem conseguir comer nada tanto era o enjôo.
Aquilo me desanimava tanto! Como garantir uma vida assim, tendo um preço tao alto? Impedindo o avanço da doença, mas me intoxicando o tempo todo de tanto remedio? Era horrivel, de um jeito ou de outro.
Alex sentia pena em me ver assim, porem era severo, nao me permitiu interromper a medicaçao. Voltou ao consultorio do doutor, sozinho, e veio com um remedio anti-enjoo que me aliviou um pouco, e ele logo me obrigou a comer direito. Como faltei dois dias seguidos na faculdade e era final de ano letivo, pedi que ele me pegasse as materias atrasadas com a Milena, que era gente fina e sempre me tratou melhor do que os outros.
Eu estava na sacada, descansando na cadeira reclinavel ,tomando o ar fresco da noite, quando Alex voltou. Percebi que vinha alguem com ele e curioso, me virei para olhar, espantado ao constatar que era Vitor.
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