A primeira vista – Capítulo 02
Uma das coisas mais legais de um cara te chamar pra sair, é que ele alguém te chamou pra sair. Vocês vão poder desfrutar de horas juntos, conversar, se conhecer, ter a chance de sacar se ele é um mala ou não. O problema de você marcar de sair com estranhos, assim do nada, é que existe uma probabilidade do cara ser – sei lá! – um psicopata assassino!
Só que quando você gosta de alguém não é exatamente nessas coisas que você pensa. E se pensar você quer ir do mesmo jeito porque, sejamos sinceros, isso só deixa as coisas mais interessantes.
Eu marquei um encontro com um desconhecido. Tá, não era um encontro. Ele podia ser um porre, não podia? Mas também podia ser legal. Afinal, ele vai estudar na mesma faculdade que eu.
Fui pra faculdade as 18h em ponto. Eu estava aéreo na matéria, Fernanda comentava os artigos do Código Penal e eu não conseguia me concentrar no caso em questão. Ela se virou irritada e foi fazer a atividade sozinha dizendo que eu não deveria ter vindo pra faculdade. E não deveria mesmo. Quando se está desse jeito o melhor a fazer é fugir da aula, porque não vai ter proveito nenhum. A aula terminou mais cedo, 21:30. Eu fiquei no pátio em uma mesinha checando umas mensagens no celular – Não havia mensagem nenhuma, isso são coisas que fazemos para passar o tempo. Pra todos os efeitos haviam mensagens novas. – e então fui pro portão. Fiquei em pé perto do segurança com a mochila em um ombro. Eu estava como todos os dias: jeans, camiseta e tênis. Afinal, não me lembro de ter marcado pra ir num evento de gala.
Uma hilux preta parou na porta da faculdade. Algumas pessoas olharam. Ele abaixou o vidro com um sorriso lindo. Existem pessoas que se iluminam ao abrir um sorriso, era o caso dele. Por favor, não me julguem tendencioso. Parecia animado. Fez sinal com a cabeça pra eu entrar. Eu entrei e tava tocando baixinho a música Meet Me Halfway do Black Eyed Pies. Coloquei a mochila no colo ele me cumprimentou com um “E ai?!” sem perder o sorriso. Eu disse “Oi!” timidamente. Ele começou a olhar pelo retrovisor pra sair com o carro e quando olho também, pra minha surpresa o irmão dele tava no banco de trás. Esse foi um dos momentos que muito provavelmente meu coração parou por alguns segundos de bater e voltou a bater. Isso foi transparecido com a minha cara de susto ao olhar pra trás.
Ele riu e estendeu a mão, eu a apertei.
- Prazer, Marcos.
- Prazer, Igor.
- Então Igor, eu sou o irmão mais velho do Kaio, ele passou ontem no vestibular da sua faculdade pra Direito. Estuda há muito tempo aqui?
- Sim, dois anos já. Ele vai gostar de estudar aqui, é tranquilo, numa boa área da cidade, a estrutura é legal, os laboratórios e a biblioteca são ótimos. – Falava olhando pelo espelho pra ele, porque eu não ia ficar com o pescoço virado e eu não tinha coragem pra olhar no olho dele a todo instante. Kaio só dirigia atentamente.
- Pois é. Ele sempre quis Direito, nossos pais é que pressionavam ele pra fazer algo de exatas tipo contabilidade que tem aqui também, mas ele nunca se deu bem com números. – falou rindo. Kaio soltou um risinho e fez cara de deboche. – Eu já sou formado em Contabilidade, trabalho na Petrobrás mas nem é na área do meu curso.
- Sei... Já eu não me imagino fazendo algo que não seja relacionado com o Direito. Penso em concurso público no futuro mas sempre na área do Direito. – Ele me observava muito atentamente. Me analisava todo. Eu sou muito suspeito pra falar do curso de Direito, eu realmente amo o que faço.
- Entendo. Isso é muito bom. Você é daqui mesmo?
Foi aí que notei uma certa curiosidade.
- Não. Sou de uma cidade vizinha, mas moro sozinho aqui desde que comecei o curso. – quando falei a palavra “sozinho” Marcos deu uma olhada rápida pra o Kaio. Não pensem que estou aqui taxando coisas gays e coisas heteros, mas aparentemente se você está na faculdade e mora sozinho há grandes chances de você ser gay. A sensação de liberdade e ao mesmo tempo de isolamento, a vontade de sair da aba dos pais, o sentimento de deslocamento quando se está morando junto com outras pessoas que muito provavelmente irão implicar com sua sexualidade fazem muitos jovens gays optarem por morar sozinhos. Mais uma vez, isso não é uma regra. Mas foi o meu caso.
- É muita responsabilidade morar sozinho ainda tão novo assim. Seus pais devem confiar muito em você.
- Sim, eles confiam mesmo. Nem se preocupam. Minha mãe liga todo santo dia mas ela mesma já me admitiu que é frescura dela mesmo... – falei rindo e dando os ombros. Chequei o celular pra nada. Porque fazemos tanto isso? Era uma tentativa de me esquivar das perguntas.
Marcos parecia com Kaio, era óbvio pra qualquer um que eram irmãos. Porém Kaio por ser mais novo tinha feições mais delicadas, mais de garoto. Marcos já era mais homem mesmo. Um homem curioso por sinal. Fazia perguntas com frequência mas eu até que estava confortável e respondia todas. Kaio sempre só dirigindo calado.
- Aqui Kaio. – Marcos falou e Kaio parou o carro em frente uma casa com um muro muito alto branco. Marcos abriu a porta – Igor, foi um prazer cara! Divirtam-se.
Vamos a uma balada por acaso?
- Valeu, foi um prazer também.
Kaio acenou com a cabeça pra ele e Marcos acenou de volta do lado de fora. Eles tinham uma espécie de comunicação por gestos que só eles entendiam, sei lá. Saímos então.
- Desculpa se ele perguntou demais, ele é sempre assim...
- Não... Tudo bem. A gente vai pra onde?
- Tava pensando num barzinho bem legal perto da saída da cidade. Sabe onde é?
- Já fui uma vez, o ambiente é agradável mesmo. Eu gosto de ir no fim da aula com uns amigos.
- É, não é? – falou ele rindo e sempre olhando pra frente. Agora ele parecia mais confortável.
Durante o caminho o som passava uma seleção de músicas muito legal pra mim. Até cantava baixinho de vez em quando.
“We can pop bottles all night, baby you can have whatever you like...”
Ele ria. Estava tocando “Whatever You Live” da Anya Marina.
- O que foi? – perguntei vermelho.
Eu tenho um sério problema de não saber apenas escutar, eu preciso cantar junto. Isso ocorre no carro, no fone de ouvido, em qualquer situação.
- Você cantarolando Anya Marina aí.
- Mas é legal cara!
- É, eu sei. – o sorriso dele era tão cativante. Sempre o sorriso.
Chegamos no barzinho. Era muito aconchegante. Haviam mesinhas redondas e rodeadas de estofados. As pessoas ficavam em círculos sempre umas de frente para as outras. Haviam uma boa disposição de mesas e os garçons transitavam com as bandejas sem dificuldade. Escolhemos uma mais pra o canto e nos sentamos. O som ambiente era MPB. Lembro que tocava “Bette Balanço” do Cazuza, algo bem incomum pro Piauí.
- Você bebe o que?
Stop. Parece muito comum beber algo. Mas eu não bebo. Nada. Devo ter experimentado algumas coisas mas nada grudou no meu paladar. Não costumo beber mesmo.
- A coisa com álcool mais forte que bebo é champanhe no réveillon. – eu disse sem jeito. Ele soltou uma risada.
- Eu também não bebo. Só gosto mesmo daqui.
O garçom chegou.
- Sr. Kaio, boa noite. – Me olhou – Boa noite senhor. O menu.
- Alfredo, boa noite. Pode me trazer... – passou os dedos no cardápio – uma porção de batatas fritas – me olhou, eu acenei que sim – e esse especial da casa. Uma coca também.
- Sim senhor, com licença.
O garçom saiu e eu ri. Era engraçado ver o garçom o chamando de senhor e realmente parecia que ele já era cliente de longa data do local. Eu sempre fiz questão do garçom não precisar me chamar de senhor, mas naquela noite outro garçom nos atendeu.
Começamos a conversar enquanto os pedidos chegavam.
- Então, Igor? As aulas já estão acabando, logo o ano acaba também e no início do próximo eu entro lá.
- É sim, você vai gostar eu já disse. Tem matérias chatinhas no início, tipo filosofia, sociologia, mas são importantes pra te ensinar a pensar no Direito.
- Já me disseram isso mesmo.
- Mas todo mundo sobrevive a essa fase. Depois o negócio começa a pegar com as disciplinas mais específicas. Aí fica excitante e deprimente. Porque as notas caem, você começa a passar sono, olheiras surgem... Essas coisas. Não que eu queira por pressão...
Rimos.
Papo vai papo vem, eis que os pedidos chegam. O especial da casa era um preparado com um pouco de macaxeira frita (em algumas regiões chamam de aipim), carne seca e feijão tropeiro. Começamos a comer e logo paramos de falar do curso. Afinal, aquele nunca foi o assunto principal a se discutir na noite e nós sabemos disso.
Daí começamos a falar da vida pessoal de cada um. Descobri que ele gosta de artes e é bom de história, a banda favorita era Florence and The Machine, mas curtia uma música eletrônica de vez em quando com os amigos. Eu simpatizei bastante, até porque eu adorava Florence, e ia de vez em quando em baladas. Apesar de ser estudante de Direito eu tinha vida social haha! Saia sempre que dava. Mentira, eu não saia muito...
Falou que seu irmão fez perguntas porque sempre, desde pequeno, já o protegia. Contou situações engraçadas onde o irmão mais velho saia nas carteiras dos garotos da sala dele na escola e dizia que se mexessem com o Kaio iam se ver com ele.
Riamos muito. Até que perdemos noção do tempo e já era mais de 1h da manhã.
- Acho melhor irmos não? – Perguntei.
- Espera. Banheiro. Rapidinho. – Ele piscou o olho.
Ele estava flertando comigo com aquele piscar de olho. Tenho certeza que estava!
Voltou rápido demais.
- Vamos.
- E a conta?
- Relaxa. Eu já acertei.
- O que? Você tá brincando...
- Que tem? Eu te chamei pra sair. – Pôs a mão no peito. Falava com a maior naturalidade do mundo.
Saímos, pegamos o carro e voltamos em direção à cidade. Expliquei onde era minha casa. Ele me levou e no caminho tocava Black Eyed Pies de novo, a música era “The Best One Yet”. Pelo visto ele tinha o CD todo.
- This is the best one yet... and I’m so happy… - ele dirigia prendendo o riso. – Desculpa, é incontrolável. – ele finalmente soltou um riso mais alto.
Chegamos em meu prédio. Eu agradeci pela noite, pelo bar. Ele só sorriu me derretendo. Putz, manter as aparências nessas horas é muito difícil.
- Foi um prazer, Igor. Vamos marcar de novo. – piscou pra mim e riu de canto de boca.
- Claro. – Era melhor descer logo do carro porque eu sentia que estava corando. Sorri e quando ia abrindo a porta ele me segura pelo braço. Eu olhei assustado.
- Calma, seu número? – Trocamos os números e eu saí do carro. Fui para o prédio. Ele ficou lá parado do outro lado da rua. Eu não entendi. Entrei. Ele só deu partida e saiu depois que fechei a porta do prédio.
Eu entrei rindo sozinho... Ta bom, aquilo já estava bobo demais. Uma mensagem chegou no meu celular.
“Desculpe, meu irmão que me ensinou isso de esperar as pessoas entrarem pra sair no carro. Ele mesmo diz que é um meio de ter certeza que deixou a pessoa segura. Boa noite :)”
Mas vejam só.
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A os que estão relendo, espero que esteja ficando bom.
Amanhã eu libero mais um capítulo. Abraço a todos.