Evidentemente, eu jamais esperava por aquela visita. Permaneci sentado, olhando-os na minha sala, e eles pareciam cordiais um com o outro. Suspeitei do dedo do Alex naquela historia toda.
- Marquinhos,,eu vou lá embaixo comprar uns refrigerantes, certo?_ disse ele pegando a carteira e saindo sem esperar resposta.
Vitor se aproximou, sentou-se na cadeira de plastico perto de mim, e deu um sorriso leve, reparando em volta.
- Bonita essa vista_ disse e me olhou_ Como voce esta? O Alex me contou tudo.
Senti raiva de meu namorado por um momento, porem nao demonstrei. Recostei na cadeira, fatigado, e encarei Vitor.
- Não sabia que era amigo do Alex.
- E nao sou. Ainda. _ disse Vitor, me olhando atentamente_ Mas sem querer ouvi a conversa dele com a Milena, pedindo a matéria em seu nome, falando que voce estava um pouco adoentado. Depois da morte do Mauro eu comecei a suspeitar, porque ele e Tony foram namorados, e ultimamente percebi voce muito cabisbaixo durante as aulas. Nada daquele moleque arrogante do ano passado, aquele que fez tanta coisa ruim aos outros, e a si mesmo...
- Mas voce nao me odiava, Vitor?_ falei, meio consternado_ Fui horrível para voce, para o Rafa... Eu nao me arrependo de ter vivido e experimentado de tudo durante esse tempo, mas me envergonho de ter deixado voce como deixei, de ter te enganado, de ter mandado bater no Rafa... Fui tão egoista, Vitor. Vendo agora a minha vida na corda bamba é que eu penso nisso tudo, e lamento, lamento muito.
- A maioria de nós é egoista aos vinte anos, Marcos. _ disse ele, devagar_ Confesso que odiei voce por muito tempo, por tudo o que fez a mim, ao Rafa. Detestava tambem saber que voce se auto-destruía para nada, que se deixava seduzir pelas piores pessoas. E me chegavam boatos de que voce e seus amigos viviam drogados pelas danceterias. Apesar de tudo, me vinha tanta pena. Onde estava aquele menino timido, de quem fui o primeiro namorado, que me beijava vermelho de vergonha nas primeiras vezes? Que ouvia os Smiths comigo até altas horas, que enfrentou a rejeiçao dos pais por mim? Tinha se perdido, como tantos. Os apelos perigosos da vida desvairada, da vida errada, foram mais fortes do que minha dedicaçao e amor.
Eu o ouvia em silencio, com tristeza, olhando ao longe a noite de estrelas apagadas por uma nebulosidade que ia e vinha.
- Abordei o Alex, hoje_ continuou Vitor_ Me apresentei como seu ex namorado, perguntei sobre sua saude e ele hesitou em falar a verdade. Precisei insinuar que desconfiava do que voce tinha e entao ele se abriu mais, conversamos, fiquei sabendo de que voce esta em tratamento... Ele me deu a idéia de vir aqui, hoje, pois dei a entender de que nao nos davamos bem e eu queria conversar um pouco com voce. Um bom rapaz esse seu namorado, Marcos, cheio de boa intenção.
- Tirei a sorte grande_ sorri _ Em meio a toda essa vida louca, ele foi um achado, um ponto de luz na escuridão. Porque, voce deve ter reparado que nao estou mais com o Tony... E eu gosto do Alex de verdade, Vitor.
- Que bom_ ele deu um sorriso tranquilo_ Acho que voce acertou na escolha, afinal.
- Sim... Mas e o Rafa? Como vai?
- Vai bem. Ainda estamos juntos_ respondeu ele, se ajeitando na cadeira_ Ele conseguiu um emprego melhor, está feliz. Se souber que estive aqui... me mata. Tem um ciúme doido de você, mesmo sabendo que nao há qualquer chance de... voce sabe. Logo que Mauro voltou doente, Rafa e eu fizemos o exame juntos, e estamos limpos, graças a Deus. É importante um parceiro fixo e de confiança ultimamente.
- Que sorte a de voces_ dei um sorriso triste_ Vitor, eu transei com tantos caras... mesmo estando com Tony. Você deve saber de meu apelido lá na faculdade...
- Era dificil de acreditar. Dificil imaginar voce tão fácil, tão promíscuo, Marcos... _ falou ele com pena.
- Mas era verdade_ dei de ombros_ Nao sou moralista. Fiz o que quis, o que tive vontade. O médico que me atendeu perguntou quantos parceiros tive, e eu nao soube responder. Porem, toda semana creio que fazia sexo com três ou quatro caras ,diferentes ou nao. Se essa doença é uma puniçao por ter vivido tanto, que seja. Nao tem volta o que fiz. Nao me arrependo.
- Nao é puniçao, Marcos. Pra quê pensar assim? Entao Mauro foi punido? O que ele fez para merecer aquilo?
- O Tony tambem está com Aids_ falei, olhando-o._ Foi para o exterior, se tratar melhor.
Disso ele nao sabia, e ficou surpreso.
- Como o meu pai profetizou naquele dia em que me expulsou de casa, que seriamos varridos por isso, pela "peste gay", como chamam_ dei um sorriso ironico, meio sem graça_ Só os caretas vão ficar.
- Você vai vencer, cara. Está se tratando, nao é? _ disse ele, me olhando com tristeza.
- Ah, Vitor! Os efeitos do medicamento são tão fortes, tao ruins... Fora isso, estou relativamente bem de saude. Me incomodam essas ínguas no pescoço, e à noite suo tanto que parece que vou desidratar. Mas é só. Ainda nada de gripe, de câncer... O Tony estava cheio de manchas, cara. Aquele tal de sarcoma. Dava medo de ver, parecia uma visão de filme de terror.
Houve um silencio longo entre nós, e olhavamos a noite, mergulhados cada um nos proprios pensamentos. Observei bem o Vitor. Estava tão bonito! Parecia mais forte, mais homem. Perdera os ares de garoto de quando o conheci. Agora deixava crescer uma barba rala, e mais clara do que os cabelos, num alaranjado vivo, chamativo. Era interessante. Que pena nao termos dado certo, que pena que a falta de amor e sede de viver outras coisas tenha me separado dele tão precocemente.
Alex voltou com as bebidas e uns salgados fritos , empapados em gordura. Eu me sentia nauseado, e só quis o refrigerante de limão, porem Alex me obrigou a tomar uma sopa congelada que ele esquentou no fogão pra mim. Vitor lanchou conosco, e percebi que ele observava atentamente os cuidados de Alex comigo.
- Está em excelentes mãos_ ele disse num momento em que o outro se afastou.
- Felizmente_ dei um sorriso tranquilo.
Quando ele se ia embora, dei um disco do The Police que eu tinha ganhado repetido de Natal, pois sabia que ele gostava do som dos caras. Ficou contente com aquele agrado, sorriu, se despediu de nós e foi embora.
- Tudo bem, agora?_ disse Alex, me olhando_ Não precisa detalhar, só diga se está tudo em ordem agora.
- Não sei. Acho que sim...
- Ótimo. Agora é hora de cama, meu anjo. Precisa descansar, já esta tarde_ falou, pegando na minha mão e me levando ao quarto.
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Ah, muito obrigada por seguirem gostando!
Continuem comentando, galera.
Um grande abraço e até a proxima :D