A primeira vista – Capítulo 15.2
Eu fui até o banheiro pensando na loucura que o Kaio acabara de cometer. Eu sou muito bobo pra essas coisas. Eu fico sem saber o que dizer pra ele e eu acho que é justamente disso que ele gosta: me deixar sem palavras. As vezes era chato... Eu não fazia declarações à toa pra ele. Meu jeito de me declarar pro Kaio era diferente. Eu gostava de cuidar dele. Gostava de me preocupar, de fazer ele se sentir bem, esquecer dos problemas. Não queria que quando ele fosse encontrar comigo ele achasse que era “mais um” local pra ir e “mais um” problema pra se pensar. Gostava de mostrar que o amava e que eu era um porto pra ele se ater. Expressar isso tudo num palco, com piano, na frente de centenas de pessoas definitivamente não era pra mim. Kaio se faz de inocente, eu sei que ele não é nada tímido.
Vi o Marcos e a Milena ao longe se curtindo. Eles faziam um bom casal. A fila do banheiro feminino ao lado do meu era enorme. Sorri para algumas meninas e segui pro banheiro. Maldita hora pra se querer ir ao banheiro, eu não disse um simples “Obrigado” pelo o que o Kaio fez. Que droga...
Quando abri a porta vi ao fundo do banheiro o mictório. Eu não uso mictórios. Gay, eu sei. Mas me incomoda aquilo de ficar do lado de outro cara. O que pra alguns é motivo de tesão, pra mim era motivo pra travar e faltar pouco não mijar. Ao lado da porta de entrada havia uma parede de mármore que formava um pequeno corredor que levava ao banheiro de fato onde estava o balcão com três pias, um grande espelho e ao lado do mictório três cabines.
Eu senti um cheiro forte de fumaça. Mais que isso. Eu vi fumaça atrás da parede de mármore. Mas não era qualquer fumaça. Era cigarro. Quando passei pelo mármore e cheguei ao banheiro eu dei de cara com o Klaus. Ele estava fumando muito porque havia muita fumaça alí. Os olhos vermelhos, muito vermelhos. Ele estava encostado na parede de frente para o espelho com a mão na cintura. Quando me viu ele acenou com a cabeça de leve e sorriu. Um sorriso grogue e bêbado. Soprou a fumaça do cigarro que estava entre seus dedos já quase acabando.
Eu senti todo o meu corpo retesar. Um ódio me subiu mas ao mesmo tempo eu tentei manter o controle. Eu não podia explodir alí. Era uma festa de casamento e ainda mais do Marcos e da Milena. A festa estava rolando há horas e apesar de todo mundo estar bebendo tudo estava correndo às mil maravilhas. Eu não ia mudar isso. Tentei disfarçar o susto de vê-lo alí naquele estado e entrei em um box.
- Se eu disse que estava pensando em você agora mesmo, você acreditaria? – apontou pra mim com o cigarro antes que eu entrasse na cabine.
- O que você tá fazendo, cara? Você é o organizador do evento! As pessoas não deveriam te ver assim.
Eu tranquei o box e urinei. Um alívio! Escutei passos do lado de fora até que pararam em frente à minha porta. O cheiro de bebida dele era tão forte que consegui sentir lá de dentro.
- Justamente por isso que estou no banheiro mais afastado.
Eu abri a porta e o encarei sério. Ele ria de leve. Aquele não era o Klaus. Ele não estava afeminado e muito menos fazendo gracinha. Aquele não era um cigarro comum. Eu pedi licença e fui pra pia. Comecei a lavar as mãos.
- Igor, você é um cara interessante... – mais um tragada e ele jogou o cigarro na pia caminhando atrás de mim – Você é bem interessante. Nós dois já sabemos o que está rolando e não tem porque negar. Eu também sou gay... Então me diz? Você tá pegando o irmãozinho do noivo, não é mesmo? – ele sorriu encostado na parede do outro lado do banheiro.
- Você bebeu? – eu olhei sério pro espelho - Como te deixaram entrar assim?
- E alguém aqui pode me barrar, por acaso? – ele ria. – Relaxa, é muito estresse. Eu só bebi algo pra relaxar. Milena não tem me deixado descansar, eu já recusei outros projetos de tão focado que estava nesse casamento. Um evento grande assim sendo programado há meses demanda muito esforço sabe... muitas noites sem dormir... estresse demais. – ele apertou o espaço entre os olhos.
- Então deveria ir embora e deixar o pessoal contratado cuidar de tudo. – comecei a lavar as mãos.
- Quando se quer uma coisa bem feita a gente mesmo é quem tem que fazer. Mas você não me respondeu. – Ele se impulsionou de leve da parede com certa dificuldade e veio caminhando na minha direção. Olhei pelo espelho com cara de quem não sabia o que ele tava falando. Ele riu mais alto. – Eu sabia! Ele é bem gatinho mesmo, pode falar. Tão gostoso...
Não tive como aguentar. “Marcos, me desculpa. O primeiro barraco do seu casamento começa agora.” Eu pensei.
- Gostoso o caralho! Você pensa que eu não sei o que você fez com ele na festa dos pais da Milena? Você devia sentir vergonha! Ele era praticamente uma criança seu idiota! – ele parece que acordou e me olhou com ódio. Veio com tudo pra cima de mim. Agarrou meu blazer e me jogou na parede sem tirar as mãos de mim. Mais que força era aquela? O hálito de bebida e cigarro vieram pra cima de mim.
- E você pensa que eu não me arrependo? Pensa que eu não tentei esquecer aquilo? Você realmente acha que eu durmo com a consciência tranquilo por aquilo? Aquele garoto de 14 anos mexia comigo porra! Ele era lindo Igor, tão lindo! Eu não sei porque, eu me atrai por ele! – empurrei ele na pia.
- Me larga!
- Ou o que? Vai chamar por quem? Eu não tenho como ser preso por isso, nada aconteceu! Eu agora quero você! Você apareceu e agora eu não consigo pensar em mais nada que não seja você! – ele se endireitou e arrancou a gravata com força. – Você e esse seu jeitinho simpático, fofo, educado... Namorando aquele que já foi meu maior desejo, tão próximo da Milena, é excitante só de pensar em pegar uma pessoa assim sem ninguém saber!
Meu Deus, ele era mais louco de pedra do que eu imaginava.
- Você é doente... – eu me recompus – Você ia estuprar um garoto!
Mal terminei e recebi um soco forte do Klaus. Foi o primeiro soco que levei na vida e apesar de mal dado foi o suficiente pra eu cair desorientado do lado do balcão de pias.
- Seu estúpido! Você nem sabe o que é um estupro! Você quer falar em estuprar? Eu vou te mostrar o que é estupro! – ele estava completamente fora de si.
Ele veio pra cima e eu o chutei perto do rosto. Minha bochecha e gengiva doíam muito, e eu tinha gosto de sangue na boca. Ele investiu de novo e me pegou pelos ombros, me jogou na parede com força e colou em mim rindo. Segurou meus pulsos. Aquele homem forte e com veias saltadas não era nem de perto parecido com o Klaus de social rosa e afeminado de dias atrás. Eu solucei um choro e algumas gotas de sangue voaram da minha boca pra camisa dele. Um medo me abateu.
- Nem mais um passo! – ele gritava enquanto me imprensava na parede. Ele cuspia enquanto falava. Coisa de louco mesmo. Tentava levar a boca até o meu pescoço e eu me esquivava. Eu tentava investir com o joelho mas não adiantava. Ele lambeu minha bochecha e eu quase vomito nessa hora.
- Socorro! – eu gritei rouco do lado do seu ouvido.
- Cala a boca!
Ele se desgarrou de mim e me jogou pro outro lado do banheiro. Eu caí de costas encima de balcão e bati a cabeça no mármore. Agora sim havia dor. Muita dor. Eu fui ao chão e levei a mão imediatamente à minha cabeça mas não me lembro de ter visto sangue alí. Ele abriu o zíper e pôs o pênis pra fora. A pancada na cabeça me fez borrar a vista. Eu estava completamente desorientado. Ele escorreguei pra trás até encontrar a parede atrás de mim. Nada me obedecia, todos os meus sentidos ficaram mais lentos pela pancada. Eu não tirava a mão da cabeça porque naquele momento eu achava que se fizesse isso ele iria partir ao meio.
Ele ajoelhou do meu lado e pegou com força do meu maxilar. É claro que a dor na cabeça era muito maior, mas a dor do soco estava lá no meu maxilar. Eu gemi e chorei.
- Eu vou receber o melhor boquete da minha vida, entendeu? – ele falou soletrando cada palavra. Eu só choramingava. Me deu um tapa no rosto, me causando mais cortes.
Até que por um milagre eu escutei uma explosão. Quer dizer, pra mim foi como uma explosão. Na verdade era a porta do banheiro sendo arrombada. Era o Marcos. Ele entrou e pegou o Klaus pelos poucos cabelos dele e o jogou pro outro lado do banheiro.
- Ficou maluco? – Marcos o pegou pela camisa e jogou na parede acertando um soco e logo mais outro. Jogou Klaus na pia e depois na parede contrária de frente ao espelho. Klaus começou a sangrar. Marcos ainda não contente o segurou de novo pela camisa e lhe deu mais um soco jogando-o no fundo do banheiro perto do mictório. Foi tudo muito rápido mas foi uma sequencia de socos e ponta pés que Klaus logo logo ficou de boca aberta e sangrando no chão.
- Marcos... – eu disse por fim. Ele estava prestes a continuar até que largou Klaus imediatamente ao meu chamado e se ajoelhou comigo.
- Igor! Você tá bem? Fala comigo!
- Marcos minha cabeça dói... Tá sangrando?
- Não. O que teve?
- Eu bati a cabeça no mármore. Tá doendo demais...
- Vem cá... – Marcos me ajudou a levantar e eu cuspi um pouco de sangue na pia.
- Meu Deus... Eu vou chamar meu pai.
- Não! Espera aí... não me deixa só com ele não. – Marcos olhou pra trás e Klaus já havia saído.
- Aquele desgraçado já foi.
- Espera... Não faz alarme.
- Você precisa ir pro hospital.
- Calma! Você vai acabar com a festa por minha causa?
Eu lavei o rosto, enxaguei a boca e o sangue parou de correr. Não parecia ser nada grave, mas meu lábio estava inchando. Apesar disso minha cabeça doía muito pela pancada.
- Como você sabia que eu estava aqui?
- As meninas lá fora disseram que ouviram uma conversa estranha aqui e depois gritos de socorro. Desgraçado... Tá melhor?
- Melhor. Não chame seu pai. Não faça alarme, é seu casamento. Chama o Kaio.
Ele saiu e pouco tempo depois voltou com o Kaio.
- O que foi que aconteceu aqui? – Kaio perguntou assim que me viu. Pelo visto Marcos não havia contado tudo.
- O Klaus... ele... tentou ficar comigo a força.
- Eu vou matar aquele filho da puta! – ele gritou e se dirigiu à porta.
- Kaio calma! Ele já deve ter saído do clube. Acabou! – Marcos falou mais alto e o segurou.
Kaio começou a chorar de pouquinho. Eu também. Ele me abraçou.
- Sinto muito... Eu devia ter mantido você longe dele. – ele disse baixinho.
- Ei... Já passou. Marcos já deu uma surra nele... Não vai atrás disso mais não, tá?
- Sua boca... – me soltando e tocando meu lábio.
- Tudo bem. Só bateu um pouco. Nada de mais aconteceu. Eu bati a cabeça também...
- Graças a Deus. Marcos obrigado! – ele disse choroso pro irmão.
- Eu que o diga. Obrigado. Eu já havia começado a pensar o pior...
- Ele não ia tocar em você comigo aqui, Igor. Você quer ir pra casa? Você precisa ir no hospital ver essa cabeça.
- Não. – eu disse.
- Vai sim! – Kaio se adiantou – A gente precisa cuidar disso. Depois vamos na polícia!
- Kaio, deixa esse assunto de polícia comigo...
- Não Igor! Ele poderia ter te... Ah! – ele gritava de raiva.
- Eu vou chamar um carro. – Marcos saiu do banheiro.
Ao sair do banheiro não haviam muitas meninas. Só algumas que ainda estavam na fila. Olhavam pra gente suspeitando do que talvez tivesse acontecido naquele banheiro, mas eu tentei ficar o mais discreto possível. Saímos do clube, eu e Kaio, e entramos no carro que o Marcos chamou. Sentei o banco e ao encostar minha cabeça a dor veio forte. Será que eu estava com traumatismo?
- Kaio minha cabeça... está doendo demais, eu fiquei tonto. É melhor a gente ir no hospital rápido.
Kaio dirigiu pro hospital. Dei entrada na urgência e fiz exames rápidos, fui atendido por um médico que me passou vários anti-inflamatórios para serem tomados ao longo do dia. Apesar do galo que estava no local da pancada não havia traumatismo e bolsas de gelo ajudariam.
1h da manhã Kaio estacionou em frente ao meu prédio. Me ajudou a descer do carro já que eu não conseguia fazer movimentos bruscos. Subir as escadas do prédio foi uma dificuldade tremenda. Principalmente porque a cada degrau eu ficava mais tonto e parece que havia peso dentro da minha cabeça a puxando pra baixo, me impedindo de subir. Passei o braço no ombro do Kaio e subi mais alguns degraus. Não deu, ele me carregou os demais até a porta de casa. Enfim chegamos ao meu apartamento que ele fazendo algum malabarismo conseguiu abrir sem me tirar dos braços. Me levou pro quarto e me pôs na cama.
- Que casamento, hein? – tentava rir olhando pro teto. Comecei a desabotoar minha camisa e tirar a gravata.
- Isso foi sério! – ele disso limpando o suor da testa – Tem que fazer um B.O.
- Não podemos. A surra que ele levou não foi legítima defesa... Só ia sobrar pra o Marcos no fim de tudo.
- Foi tão ruim assim?
- Você não faz ideia... Marcos bateu muito nele. Muito mais do que ele me bateu. Muito mesmo! Já tá bom assim...
Ele se despiu e procurou no meu guarda roupas algo pra ele vestir. A única coisa minha que serve no Kaio, além de cuecas, são alguns shortes se eles forem elásticos. Ele vestiu um. Ele me ajudou a tirar a roupa com esforço pra não movimentar muito a cabeça. Eu tentava não rir dele vestindo meu shorte, porque não havia ficado nada bem nele.
- Eu não sei o que eu teria feito se algo acontecesse contigo. – ele pegou outro short no guarda roupas e eu vesti.
- Tudo bem. Agora só minha cabeça dói. Minha boca deve terminar de inchar até de manhã. Vai ficar do tamanho de uma abóbora e desinchar em uns três dias. – eu ri do que eu mesmo havia falado.
Kaio ficou calado. Logo estava chorando.
- Isso tudo tá acontecendo hoje por fraqueza minha. Se eu tivesse falado antes, se eu tivesse denunciado isso não estaria acontecendo com você.
- Kaio por favor. Já chega disso meu amor... Nada aconteceu.
- Por muito pouco. – ele deitou do meu lado chorando.
- Mas não aconteceu. Não se culpe... Só você sabe a posição em que estava há anos atrás. Você ficou assustado, não quis contar uma coisa dessa pra ninguém. Não adianta pensar nisso hoje.
O celular dele tocou. Ele engoliu o choro rápido, teclou algo e desligou.
- Meu pai procurando a gente... Parece que vão cortar o bolo agora. Respondi que você não passou bem após comer e dançar. – ele riu e me deu um selinho. – A cabeça ainda dói?
- Só se eu mexer com ela.
- Então vem...
Ele colei no corpo dele.
Eu mal podia acreditar o quão perto aquele lá chegou de mim... Só o pensamento já me fez agarrar o braço do Kaio. Adormeci respirando o cheiro do ombro dele.
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MikePedroB: Eu acho essa música intocável! Eu não canto nem no chuveiro!
JoLi: Obrigado! Há leitores que não gostam disso. Dizem que dá raiva ter que parar na melhor parte pra esperar outro conto ser postado. Eu gosto dos contistas que fazem isso, por isso decidir fazer, incentiva o leitor a ler o próximo.
Takahashi: Olha, depois que comecei a namorar o Kaio eu passei a creditar em muita coisa sobre amor. Uma delas é que eu acho que quando é amor mesmo não tem como você não reconhecer. Então não ache que seu amor já chegou e você nem notou. Eu não acho que seja o caso... Quanto ao conto, calma! Eu vou lançar uma prévia dele. Me deixa só terminar esse.
Drica (Drikita): Ficou um pedaço de um mais que ótimo caminho! kkkk Ele nunca mais usou mas ficou lindo, eu achei. Mas eu gosto do cabelo dele natural mesmo, só não pode deixar crescer muito.
Alê8: Três palavras: hora de dormir. Cara, dormir abraçando alguém é bom demais. Se bem que na maioria das vezes ele é quem me abraça e me usa de travesseiro e eu que me vire... mas dormir assim com alguém é bom demais!
André Cardoso _stm_, Ru/Ruanito, esperança, Geomateus, LUCKASs, kelly24, Agatha28, obrigado pelos comentários!
Pessoal, eu estou viajando. Só que dessa vez sem o Kaio. Aqui onde estou internet é uma coisa muito tensa então pode ser que demora o próximo capítulo sair. Mas vou ver como faço.
Abraço a todos.