Você já esteve dividido entre o amor de duas pessoas? Se a sua resposta for sim, então você entende perfeitamente o dilema que eu estou vivendo, caso a sua resposta tenha sido não, então prepare-se, leia com atenção para não cair nessa cilada.
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A noite está mais escura que o normal, a ausência da luz do luar e os fortes ventos indicam que uma tempestade está a caminho. Naquele momento uma tempestade era o menor dos meus problemas. Acho até que um pouco de chuva seria bom pra lavar a sujeira que sinto ao lembrar do que acabara de acontecer.
Acelero um pouco mais a minha caminhada em direção a casa dos meus avós na esperança de chegar antes de Vicente. Tenho certeza de que estou perto, fui criado nesse lugar, desde moleque estou acostumado a subir nessas árvores, nadar nesse riacho, correr por esses pastos, mas devido a todos os anos que passei longe e a essa escuridão não consigo achar o caminho de volta pra casa.
Droga! Já estou cansado de andar. Parece que estou andando em círculos! E o pior de tudo é que nessa altura do campeonato Vicente já chegou em casa e já deve ter acabado com minha vida!
Mais uma vez minha vida fora pelas mãos desse monstro que perdi tudo. Mas dessa vez a culpa foi toda minha!
Acredito que você não esteja entendendo muito bem as coisas, né? Desculpe, acabei antecipando muito os fatos. Vamos fazer o seguinte, me dê alguns dos seus minutos e eu vou começar a contar a minha história desde o começo.
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Minha história começa quando o mais novo de dois filhos de um influente fazendeiro deixa sua casa para estudar. Lá ele conhece a filha de um renomado cardiologista curitibano que deixou sua casa e os sonhos de seus pais, de que ela se tornasse uma cardiologista como ele, para viver o próprio sonho de se tornar musicista.
Carlos tinha 24 anos quando deixou a fazendo de seu pai com destino a Belo Horizonte. De pé diante daquele ônibus com destino a Belo Horizonte seu coração apertava no peito, e luta por conter as lágrimas que insistiam em querer cair eram constantes. Carlos sempre estivera acostumado com a vida simples do interior e o medo do desconhecido abalava sua fé em si mesmo.
- Que Nossa Senhora te proteja e te dê forças durante esse tempo que você passar fora meu menino. – disse sua mãe em meio as lágrimas ao abraça-lo e repousar um suave beijo em sua testa.
- Deixa de besteira mulher! Para de chorar! O menino tá indo logo ali em Belo Horizonte! – disse meu pai com seu jeito bruto, mas carregado de emoção que preferia guardar para si.
- Olha só moleque. Chegando lá, seu tio José vai esta te esperando! Você lembra do tio José, não lembra? – perguntou meu pai.
- Sim senhor meu pai. Lembro sim.
- Tudo bem então. Agora entra de uma vez nesse ônibus que ele já vai sair. – disse meu pai dando-me um último abraço. – Estou orgulhoso de você moleque!
E assim Carlos embarcou no ônibus com destino ao seu futuro como engenheiro ambiental, carregando consigo os sonhos daqueles em sua família que não tiveram a oportunidade de se graduar.
Fernanda tinha 18 anos quando anunciou durante uma almoço em família que estava indo para Belo Horizonte estudar música. Fernanda é filha única de um renomado cardiologista curitibano. Desde que era um bebê seu futuro como cardiologista já era planejado por seus pais. O que eles não esperavam era que Fernanda crescesse e sua paixão pela música fosse tão grande ao ponto de fazer a jovem, até então obediente e responsável, sair de casa para morar com uma tia para assim poder viver esse sonho.
- Gostaria de comunicar a vocês que eu estou indo pra Belo Horizonte. – disse Fernanda
- Que ótimo minha filha! Vocês voltam quando das férias? – perguntou sua mãe.
- Bem, acho que em uns 5 ou 6 anos.
- Como assim minha filha? – perguntou meu pai com seu jeito arrogante de sempre. De novo com essa ideia absurda de fazer música? Música não enche barriga Fernanda! Música não compra as roupas caras que você usa! Música não paga o carro que você tem! Já conversamos sobre isso! Você fara medicina e pronto! Será cardiologista assim como eu.
- Não estou pedindo a permissão de vocês. Estou apenas comunicando a minha decisão. – disse Fernanda indiferente as palavras do pai.
- Você está me desafiando jovenzinha? Você sabe que se deixar essa casa para viver essa aventura idiota, você nunca mais colocará os pés nessa casa e nunca verá um só centavo do meu dinheiro? – disse seu pai já alterado, dando um murro na mesa de jantar.
- Como já havia dito anteriormente, não estou pedindo permissão! Estou comunicando a vocês dois a minha decisão! – disse Fernanda deixando a mesa de jantar.
Mais tarde naquele dia Fernanda deixou a casa de seus pais para nunca mais voltar. Em sua cabeça ecoava as últimas palavras de seu pai – “Você é uma vergonha para toda essa família”.
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Meus pais se conheceram em Belo Horizonte depois de alguns meses após a chegada dos dois. Meu pai já havia superado a saudade de casa e já havia feito amigos. Minha mãe já havia colocado para trás toda a difícil história com seus pais e estava seguindo seu sonho em ser uma grande musicista.
Uma noite a convite de Soraia, namorado de Hugo, um de seus amigos, foram para um lounge bar chamado Destino. No início pensou em dar uma desculpa qualquer para não ir, mas por fim acabou cedendo e indo ao tal bar.
- Que bom que você veio Carlinhos! Achei que ia furar. – disse Soraia ao me cumprimentar com um abraço. – Convidei uma amiga minha pra te conhecer. Já pensou se você não vem? Eu ia ficar fula da vida com você.
- Claro que não, né Soraia. Com amiga ou não eu viria. – disse meio sem graça, lembrando que quase desistira de ir.
- Eu falei pro Hugo que vocês dois ...
Carlos já não ouvia nada do que Soraia dizia. Toda a sua atenção estava voltada para a linda jovem que acabara de subir ao pequeno palco que havia em um canto do bar para que as pessoas pudessem se apresentar. Com um violão em mão e um sorriso tímido e nervoso no rosto, a jovem sentou –se em um banco diante de um microfone e começou a tocar suas primeiras notas.
Foi arrebatador para Carlos. A garota tinha a voz de um anjo. Naquele momento parecia que o mundo havia parado e só havia aquela garota com o violão e a voz angelical. Uma sacodida forte tirou Carlos do transe lançado pela jovem.
- Tá com a cabeça no mundo da lua Carlos? – perguntou Hugo. – Você estava ouvindo o que a gente estava falando?
- Sim, sim. Era alguma coisa sobre a amiga da Soraia, eu acho.
- Não cara. – disse Hugo rindo da minha cara de perdido. – Nós estávamos querendo saber o que você vai beber.
- Ok. Me desculpem. Acho que me distrai. – disse olhando para o cardápio. – Acho que vou querer um refrigerante.
E quando Carlos voltou sua atenção para o palco, a garota do violão já havia sumido. Ele não sabe explicar o motivo, mas aquilo o entristeceu profundamente.
- Carlinhos, essa é a minha amiga Fernanda! – disse Soraia chamando a sua atenção.
O coração de Carlos parecia que ai sair bela boca de tão rápido que batia. Diante dele estava a linda garota com voz de anjo. Vendo mais de perto, Carlos teve a certeza de que se tratava da mulher mais linda do mundo, não precisou conhece-la mais para saber que era amor.
Assim que pisou no pequeno palco com seu violão em mão, Fernanda localizou sua amiga Soraia em uma das mesas que ficava próximo ao bar. Fernanda ia acenar para a amiga como sempre faz, indicando que já havia a encontrado e que em breve iria até ela, mas desta vez foi diferente. Fernanda se viu perdida no olhar de um belo rapaz que estava na companhia de seus amigos.
Com o coração aos saltos e mãos suadas, Fernanda caminhou até o banco que estava posicionado no centro do palco. Para Fernanda, estar em um palco era tão natural quanto respirar, mas algo naquela noite estava diferente, algo a deixava tímida e nervosa.
Fernanda fechou os olhos e deixou que a emoção a guiasse atreves das notas daquela canção. Ela cantou e tocou com todo o seu coração, o que resultou em sua melhor apresentação. Quando ela abriu os olhos, viu que o rapaz não havia prestado muita atenção a sua canção, talvez nem estivesse olhando para ela realmente. E assim deixou o palco para encontrar sua amiga.
Assim que a viu, Soraia levantou-se e abraçou a amiga.
-Carlinhos, essa é a minha amiga Fernanda! - disse Soraia.
Assim que os olhares se encontraram, Fernanda teve a certeza de que era amor. Ela teve a certeza de que ele era o homem da sua vida.
Os dois se casaram anos mais tarde com a benção dos pais de Carlos, que fizeram o possível para acolher Fernanda no seio da família. Carlos e Fernanda decidiram por começar suas vidas em Belo Horizonte. Fernanda já havia conseguido uma disputada vaga na Filarmônica Mineira e Carlos já havia sido contratado para trabalhar em uma multinacional. O que os dois não esperavam é que Fernanda fosse ficar grávida.
Fernanda teve que abrir mão de seu grande sonho de entrar para a Filarmônica Mineira em prol do bem estar de seus bebês. Carlos se demitiu da multinacional por insistência de seus pais, pois queriam que seus primeiros netos estivessem próximos a família quando nascessem.
Nove meses depois, vieram ao mundo Vitória e Gabriel, os primeiros filhos de Carlos e Fernanda. Poucos meses mais tarde nasce Vicente, primeiro filho de Marcos, irmão mais velho de Carlos.
Em poucos anos, o sonho dos pais de Carlos e Marcos estava realizado. Sentados na varanda da grande casa, Jorge e Maria admiram todos os seus cinco netos brincando.
- É meu velho... Quem diria que essa casa um dia estaria cheia dos risos e gritos dessa criançada? – disse Maria.
- É minha velha... Quem diria...
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Eu sei, eu sei! Você deve estar se perguntando – “Nossa! Por que tanta volta? Por que ele não vai direto ao ponto? O que a história desses dois tem a ver com isso tudo?” – A resposta é simples, você precisa conhecer os dois lados da minha família, precisam me conhecer por completo, pra entender o que está me acontecendo.
Agora só peço mais um pouco de paciência e alguns minutos de leitura, prometo que já já chegamos onde interessa.