No dia três de janeiro pela manhã, me despedi do meu Loirinho, que viajaria naquele mesmo dia, só que no início da tarde, para a cidade do Rio de Janeiro, e consequentemente seguiria para Resende no interior do Estado, onde comunicaria a toda a maldita, fodida e escrota direção da Academia Militar, que ele nunca que se tornaria um deles pois seus sonhos eram outros e ele poderias então voltar pra mim no mais tardar dia dez...
Foquei nos meus afazeres, uma vez que as aulas começariam também mais cedo devido a nova orientação que o novo Reitor havia designado para toda a Comunidade Universitária, seguindo por sua vez à orientação do novo Ministro da Educação...
Eu fiquei de falar com minha família sobre o que realmente havia me acontecido desde o dia em que encontrara o meu lindo garoto e até lá eu iria viver um dia de cada vez e tentar sobreviver sem sua presença, força, beleza, nobreza, paciência, seu cheiro, desejo, tesão, e o amor do meu Loirinho que sempre me deixaria um vazio enorme, quando ele não estivesse aqui por perto... E podem estar certos de que era muito ruim sem ele por perto... Caralho, nem sei como aguentava ficar longe... Devo dizer que foi horrível não poder vê-lo embarcar...
Por volta de 20:40 h da noite, meu garoto ligou já da casa do Avô materno, Cel Inf. Hermes Mascarenhas de Santana Galvão...
_ Olá meu negão, saudade de você.
_ Então houve um empate, eu também estou me sentindo muito só sem você aqui, Loirinho... Como foi a viagem?
_ Normal, apesar de uma escala um pouco mais demorada em Salvador. Tô aqui na casa do meu avô e amanhã no final da tarde seguirei com ele até Resende, sede da Academia.
_ E você já falou com ele sobre sua decisão ou vai primeiro comunicar aos seus superiores?
_ Por enquanto tô na minha, apesar de quase ter falado... Só que lembrei de você e suas palavras... Momento de cautela...
_ Não se sinta oprimido ou mesmo pressionado pelo que conversamos aqui. Tô com você, já disse isso. Espero que você saia inteiro disso tudo e que volte o mais rapidamente pra mim.
_ Vou voltar, é só o que quero fazer... Voltar pra você o mais rápido possível. Te amo, nego.
_ E pode ficar certo de que eu acredito em você, sim. Sabe amor, eu tô muito feliz que tenha sido você a me mostrar tudo isso, a sentir por você o que sinto e poder te amar do jeito que te amo e sou amado.
Foram quase duas horas ao telefone e por mim passaria mais duzentas tranquilamente, desde que fosse ele do outro lado a falar o que ele quisesse e a sorrir de vez em quando quando me lembrava algo de nós.
COMUNICADO OFICIAL NA ACADEMIA...
No dia seis de janeiro houve a solenidade de abertura do ano Acadêmico na imponente Academia Militar das Agulhas Negras. O Cel Mascarenhas estava a lado do Neto que levava o seu nome e sua emoção era quase palpável.
_ Que você tenha um excelente último ano, meu rapaz. Em você, vejo que meu sonho se tornará realidade. O Chefe do Estado Maior estava me dizendo que você com certeza se forma entre os três primeiros e isso o fará se igualar a mim, apesar de ter sido o terceiro na minha época... Suas chances de ser o numero um é muito grande.
_ Vovô, o senhor acabou de falar dos seu sonho...
_ Sim meu neto, e ele será realizado em você.
_ E o eu sonho, quando será que vou poder realizá-lo?
_ Com certeza assim que esse ano terminar e você for nomeado o melhor aluno do curso e o Oficial mais novo a obter a maior pontuação da história dessa Academia.
Eu nada disse, limitando-me a olhar o grande pátio onde os demais cadetes estavam com seus familiares.
Devo dizer que dormir na noite que antecedeu a minha decisão, foi simplesmente impossível. As palavras de meu avô não saiam da minha mente e o pulsar do meu coração quando pensava em Mauricio Braga, trazia o conforto necessário para o que eu teria que fazer assim que o dia raiasse.
Logo após a alvorada e nos vestirmos com o fardamento de educação física, entramos em forma e fomos levados para a primeira refeição do dia no amplo e arejado refeitório da Academia. O meu pensamento estava focado para a primeira instrução em sala de aulas, quando trocaríamos novamente o uniforme. Eu jamais assisti tal instrução.
Após verificar meu uniforme e constatar que estava no padrão, me dirigi com passos firmes ao Pavilhão do Comando e pedi para falar com o Chefe do Estado maior Cel. Raimundo Nonato Negreiros Pena.
Em menos de dez minutos a minha decisão estava comunicada e a cara que o homem fez foi um tanto estranha, pelo menos pra mim. Juro que não sei se ele ria, ou chorava, ou iria gritar ou me espancaria... O cara apenas me olhava sem a menor emoção e me fez apenas uma pergunta seca e impessoal:
_ Você tem certeza disso, Cadete Mascarenhas?
_ Certeza absoluta, Senhor.
Ele me mandou esperar na anti-sala e depois que me dirigi para lá, pude ouvir seus gritos ao telefone:
_ É como estou te dizendo homem, teu neto esta desistindo... Alegou que não era o que ele pretendia fazer até o fim da vida e que tinha outros planos e sonhos pra sua vida... Não que eu saiba Mascarenhas, pois isso também me pegou de surpresa. Há dois dias atrás te disse que ele tinha chances reais de seu o melhor de sua turma... Isso mesmo meu amigo... Espere só um momento que vou mandar chamá-lo...
O ordenança do Sub-comandante abriu a porta e fui chamado novamente à sala do Chefe do Estado maior, o Coronel mais Antigo do lugar.
_ Seu avô deseja lhe falar, Cadete. E ele me passou o aparelho.
_ Meu avô...
Assim que falei essas duas palavras, que foram as últimas nos próximos quinze minutos, eu fiquei espantado com o estranho que por quase 21 anos eu chamara de avô e era um dos homens que mais amara em toda a minha vida.
" Você enlouqueceu, meu rapaz? O que você tem nessa cabeça de vento pra desistir assim de todos os planos que fiz pra você, hein? Não aceitarei essa vergonha no final de minha vida, ouviu bem? Nem que tenha que ir pessoalmente aí... Pode estar certo de que já estarei de partida assim que terminar essa ligação... E falar com o Cel Negreiros para que não aceite essa sua insana decisão, ouviu bem? Você não pode, deve ou vai me envergonhar assim perante os meus pares, seu desgraçado filho da mãe "...
Eu ainda fiquei por quinze minutos ouvindo a voz daquele estranho que pensava ser dono da minha vida e das minhas vontades... Simplesmente coloquei o aparelho no gancho e esperei o Cel. Negreiros me dispensar, coisa que fez imediatamente. Fiquei detido em meu alojamento até a chegada do meu avô no começo da noite. Assim que ele foi levado até onde eu estava:
_ Nada vai mudar, ta entendendo, Hermes Neto?
_ Tudo já mudou, senhor.
_ Você não vai jogar sua vida fora só porque seus planos mudaram.
_ Essa vida que ora eu vivo Vovô, nunca foi a que eu esperei ter que viver até o último dia da minha vida.
_ Que loucura é essa, meu rapaz? Não faça isso comigo...
_ Sinto muito Coronel, é da minha vida que estamos falando. Se o senhor fez da sua o que quis, isso me dá pelo menos o mesmo direito.
_ Não, Seu Maldito Miserável... E ele veio andando em minha direção com passos firmes e decididos.
_ Você leva meu nome, leva a minha história em você, o mesmo sangue, determinação, honra...
_ Não Avô. Eu levo comigo apenas a minha vida, que o senhor e meus pais moldaram do jeito que quiseram até aqui... Esse mundo que o senhor faz questão de preservar em mim, ele não é meu... Na verdade nunca fez parte de mim... Entenda isso, por favor, Vovô.
Sua mão subiu rapidamente e desceu com mais velocidade ainda em meu rosto. O estalo de sua mão aberta no lado direito da minha face ardeu e me fez fechar os olhos... Eu nunca pensei que isso pudesse acontecer comigo, e que meu avô seria a pessoa a me fazer isso... E ele me bateu novamente e de novo e de novo e continuou a bater em minha cara com um mãos enquanto a outra me segurava pela gola da túnica... Eu cai no chão e comecei a ser chutado por ele, que parecia enlouquecido.
_ Seu maldito, miserável. Você não vai desistir, ouviu bem? Eu não vou permitir que você desista, ta me ouvindo seu desgraçado?
_ Eu não posso continuar a viver uma mentira...
_ Então fale a verdade... O que será que você esconde de todos nós? Fale, seu fracassado... FALE.
_ Eu não te devo satisfação nenhuma...
_ Você me deve muito mais que isso, seu maldito desgraçado... E haja muro, tapas, chutes... Eu tinha que acabar com isso e por não mais aguentar, falei:
_ Volto a dizer, apesar de não lhe dever satisfação nenhuma, quero que você seja o primeiro a saber que eu amo um outro homem e quero viver com ele o resto da minha vida.
E deu certo, pelo menos ele deixou de me bater. Eu tive meu uniforme finalmente largado por ele, que se afastou de mim com repugnância, como se não mais quisesse nem me ver. Ele apenas arfava e me olhava como se não me conhecesse...
_ O que você disse?
_ Isso mesmo que você ouviu, vovô. Eu estou completamente apaixonado por outro homem e não quero mais ficar longe dele se eu puder evitar.
Ele simplesmente parou e ficou me olhando por um longo período. Acho que estava reordenando as ideias na cabeça. Ele se recompôs, apertou um pouco mais a gravata do seu uniforme, já que também estava usando uma túnica militar, pegou o quepe que estava no chão do alojamento em que eu estava detido e saiu sem me dizer nenhuma palavra.
Quatro dias depois, eu assinei um monte de papel que nada mais era que minha baixa do curso de Oficiais do Exército Brasileiro, o soldo que teria direito a receber, o que deveria fazer ainda como um reservista por um período de cinco anos e a certeza de que nunca mais voltaria a prestar qualquer concurso para ingressar nas Forças Armadas do País.
Cheguei na madrugada do dia treze de janeiro e apesar de ter avisado o numero do voo e o horário em que chegaria a meus pais, nenhum dos dois estava a minha espera. Liguei para Mauricio que me atendeu com a voz sonolenta...
_ Mauricio falando...
_ Amor, você pode vir me buscar? E não aguentei mais tanta amargura... Comecei a chorar.
_ Ei meu loirinho, calma... Onde você esta? Não chora, meu amor... E ele também chorava muito... Tô indo.
Uma hora e vinte minutos depois, estava na segurança do seu abraço e chorei dessa vez de felicidade...
Mauricio dirigiu com minha cabeça em seu ombro e com minha mão esquerda sobre sua perna direita, por todo o trajeto. Esse contato foi muito importante pra mim... Acho que tava meio fragilizado com tudo.
Meu avô não mais me recebeu em sua casa e gastei parte do meu dinheiro num hotel do centro do Rio. Liguei para meus pais que não me atenderam e ainda por cima, mandaram meus irmãos não mais falarem comigo. Alguns amigos que poderiam ter me dado a mãos, parece que esqueceram quem eu era e me negaram qualquer tipo de ajuda... Era muita negação. Não entendi e nunca entenderei tal reação deles... As pessoas que sempre estiveram a meu lado, foram as primeiras a me virarem às costas... Por que? Será que um dia teria alguma resposta.
Foi por tudo isso que chorei ao ligar para Mauricio no dia em que cheguei e me vi sozinho no mundo. Só que ele me fez ver que sozinho eu não estaria, pois veio ao meu encontro sem mais se importar com nada... Nossa vida estaria interligada pra sempre, pelo menos foi essa certeza que ele me deu ao longo da vida...
Assim que chegamos em seu apartamento, ele largou tudo e me abraçou me beijando e me confortando...
_ Por isso que quero estar sempre junto de você, meu loirinho... Tem muita gente má lá fora... Por Deus, tenho vontade de matar quem fez algo com você... Ah, não! Olha seu rosto, quem te fez isso? E ele chorou muito abraçado a mim...Me diz e eu juro que mato... Seus braços se fecharam sobre mim, como se quisesse me fazer entender de uma vez por todas que eu estaria protegido a seu lado e nada de ruim me aconteceria... Covardes... Malditos covardes, todos eles...
Quando finalmente adormecemos, meu último pensamento foi... " Finalmente estou em casa ".
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Meus queridos, um grande abraço e com certeza a gente se fala logo mais... Boa noite e Bom Dia... POVO do LADO ESQUERDO, o meu eterno agradecimento por vocês estarem sempre por perto... Nando Mota.