Era fácil ter sonhos bobos com Natasha, ela despertara o mais íntimo e ímpio dos sentimentos dentro de mim. Chegar nela, não sei se era uma de minhas opções. Vê-la com outras pessoas era ruim, horrível! Mas no dia que ela beijou o carinha certificando-se que eu estivesse olhando, ela mostrou uma entre duas coisas: 1 ela nutria algum interesse e ciúmes queria que eu sentisse ou 2 ela estava provando que era problema e pondo fim à minha seção de encará-la, como se o beijo gritasse um “ei, garota! chega!”.
Eu não sabia o que pensar. Na sexta-feira daquela mesma semana era pra recebermos o resultado final, mas fiquei com receio de vê-la de novo, precisava de um tempo pra mim, olhar aquela garota me tirava qualquer senso de equilíbrio. Liguei pra escola e quis saber o resultado por telefone, disse que estava muito doente, que não poderia ir. “Aprovada” o senhor disse do outro lado da linha. Respirei aliviada, tinha resolvido um de meusproblemas. Esse era um, os outrosenvolviam fita adesiva na boca, uma cadeira embaixo de uma luz amarelada e mãos amarradas pra trás.
As férias de 20 e poucos dias que incluíam o natal e o réveillon foram mal aproveitadas, admito. Eu nada fazia, o meu quarto se tornou um castelo enorme (um castelo enorme e sujo) e fiz morada na cama, pulando do notebook pra alguns livros e uma boa e longa pesquisada. Eu queria achar o facebook de Natasha, porém eu não sabia o sobrenome dela. Antes de usar um pouco os neurônios e perguntar pra amiga dela Bianca que também era minha amiga, procurei muito. Uma certa hora parei por que senti uma pontada de perseguição, mas passou um segundo depois. Liguei pra Bianca e perguntei o sobrenome dela.
“Carvalho Rivera” ela disse. Digitei rapidamente no notebook, mas nada apareceu. Bianca, que possivelmente ouviu o som do teclado perguntou:
“facebook?”
“não estou encontrando!”
“é porque ela não tem, Lara”
“como não tem? Todo mundo entre 13 a 45 anos TEM facebook, é quase lei” ela sorriu.
“quer o número dela?”
“você vai ligar e conversar com ela? Por que não sei se consigo”
“vou perguntar aqui pra ela se posso te passar o número dela”
“só não dê nome aos bois, okay?”
Ela desligou sorrindo, alguns minutos depois ela mandou pelo chat do facebook. Salvei no celular e atualizou no whatsapp. A foto de perfil dela estava linda, o coque no cabelo quase caindo e o sorriso dela era tão natural, como se alguém tivesse contado uma piada antes de dar o flash, os olhos passando uma convicção que, queria eu roubar um pouco. O status tinha sido atualizado 4 horas antes e eternizava um “8”, pensei -deve ser o dia de um aniversário- ou pior -deve ser os meses de namoro- ou pior ainda – deve ser a quantidade de filhos que ela quer ter com o tal carinha-. Balancei a cabeça, como se aquilo espantasse o pensamento.
No outro dia, assim que acordei fui olhar a foto dela, pra ver se melhorava meu dia um pouco, pra ver se me tirava da penumbra idiota. Olhei e o sorriso dela me fez sorrir, fechei os olhos pra negar a paranoia. Demorei, mas percebi que onde havia o tal “8” agora era um “7”, contagem regressiva. Contei no pensamento onde aquela conta ia dar, dia 20 de janeiro. O que ia ter dia 20 de janeiro? Dia 20 de janeiro... 20 de janeiroAh! Voltas às aulas! Sorri nervosamente, ela queria rever os amigos. Era isso!
Eu oficialmente passaria a estudar pela tarde, já tinha conversado com a minha mãe (antes de sequer pensar em conhecer Natasha) e ela aceitou na boa. A rematrícula não é feita automaticamente por que é escola particular. No dia designado minha mãe foi e mudou meu turno. Meu coração fez a mesma contagem que Natasha mas sem a mínima intenção de rever amigos. Até por que só tinha Bianca até agora, eu tinha me jogado de cabeça em um novo começo.
No primeiro dia de aula fiquei a pensar e decidi não ir, garotas problemas não vão no primeiro dia de aula, e eu preferia esperar para vê-la assim que colocasse os pés lá. Provavelmente ela e os amigos pegariam a mensalidade dos pais e beberiam. O dia se arrastou, o tempo estava fechado e tocava uma música enjoada em um dos vizinhos. Fechei os olhos e dormi, acordei de madrugada e fui atrás de algo pra comer. Eu ainda acordava cedo pelas manhãs, o costume de vários anos não passaria assim tão rápido. Não fiquei com receio de cair na mesma sala que ela, por que eu seria segundo ano e ela terceiro, (por que caso isso viesse a acontecer, eu não ficaria de final em 3 matérias, mas em todas as matérias já inventadas) tínhamos a mesma idade mas o meu mês é março e o dela outubro (informações sigilosas de Bia) e isso mudava na grade de séries do ano letivo.
Quando cheguei na escola fui direto no mural pra ver em que sala tinha caído. 2º D. Eram 7 turmas pra cada série. Meu dedo percorreu os papéis do terceiro ano procurando você-sabe-quem. 3º G, fim do corredor, andar de cima. Queria esperar por ela no fim da escadaria, queria que ela me olhasse e percebesse que eu estava ali. Mas o sinal soou e uma onda de alunos começou a entrar em suas salas. Passei no banheiro já conhecido. Era igual e não era. Saí. Entrei na sala e fiquei na minha durante as aulas, não tinha visto ninguém ali antes. E não era muito boa em puxar conversas, pra ser sincera eu era péssima. Bateu o intervalo, uma garota que estava sentada na minha frente perguntou se eu era nova ali, disse que não completamente, que tinha mudado de turno apenas. Ela perguntou se eu queria acompanhá-la até na lanchonete, pra não ficar sozinha. Concordei, ela se apresentou como Maria Luíza, ou Malu, que preferia. Ela era bonita mas não fiquei observando nem nada. Ela pediu uma fatia de pizza com refrigerante, pedi um suco de laranja. Fomos pro pátio, e uns 5 minutos se passaram antes de ela aparecer. Começo de ano não íamos fardados, passávamos umas 2 semanas antes de comprar o fardamento. Ela usava uma calça colada, blusa do cruzeiro e botas. Ela desceu uma das escadas da lateral do 2º ano, estava com Marcos, Rauan e a garota loira que eu ainda não sabia o nome. Eles foram na lanchonete, compraram um refrigerante fanta e voltaram pelo mesmo caminho. Como ela estava linda! Acho que Malu percebeu a minha olhada nada discreta, ela tomou mais um gole de refrigerante enquanto eu suspirava.
- Dá de adivinhar que eles vão beber, ou só quem os conhece que sabe?
- Eles vão beber aqui dentro da escola? - perguntei. Ela riu.
- Eles fazem o que querem. A mãe de Natasha, a que é dona dos garotos, é diretora da escola.
- Muda os diretores? Pela manhã era um homem.
- Muda, cada turno é um grupo de profissionais, muda tudo, menos o pessoal da lanchonete, que são fixo.
Continuamos a comer caladas.
Alguns minutos depois o sinal soou novamente. Sala de aula. Entre o quarto e quinto horário saí da sala pra pegar um ar puro, o ar-condicionado estava fazendo meu nariz doer.
Ela estava encostada na parede conversando com a loirinha que também era do segundo ano. Duas salas depois da minha. Ela olhou através da garota e ficou me encarando. Eu encarei até não conseguir mais e pisquei olhando pro lado. Vi de relance a silhueta dela comerçar a andar, virei pensando que ela estava afastando-se, mas quebrei a cara com seu corpo se movendo na minha direção. Ela segurava a mão da garota.
- Oi garota da manhã - ela estava falando comigo. O hálito de vodka atravessava o corredor inteiro.
- O-oi você – respondi e podia jurar que estava ficando vermelha.
- Natasha – ela estava rindo e seus olhos ainda indecifráveis brilhavam como quem quase chora, mas sabia que não era o caso ali – e Taís.
- Lara – eu não sabia conversar e a garota loira, Taís, me deixava menos a vontade do que eu pretendia quando falasse com Natasha pela segunda vez.
- Eu tenho a impressão de ter te visto antes, sem ser daqui da escola.
Pensei em dizer que era da festa do acampamento, mas engoli as palavras na hora.
- Aposto que você está seguindo alguém – ela sorriu e eu não consegui sorrir de volta, ela estava de sarcasmo comigo – que seja, quer sair com a gente? Vamos sair e espairecer um pouco.
Sair e beber, ela quis dizer.
- Não, obrigada – eu não ia dar o braço a torcer assim tão fácil, eu queria ela, mas não nas circunstâncias que ela estava e que pioraria em alguns instantes, não a queria bêbada – vou sair com minha namorada.
Mentira.
Me odiei depois que fechei a boca.
A Taís arregalou os olhos sutilmente, Natasha mordeu os lábios.
- Que seja.
Virou e saiu.