Abel chegou em sua casa, abriu a porta e percebeu tudo quieto:
- Vó! Ô, vó! A senhora tá aí?
Não recebendo nenhuma resposta, levou a mão ao bolso onde trazia a arma.
O silêncio continuava.
Derrepente ouviu um barulho vindo da cozinha. Correu até lá:
- Não! Meu Deus, não! Vó! Vó! Por favor! Fala comigo, vó! Vó!
Dona Carmem dava seus últimos suspiros quando Abel apoiou a sua cabeça em seu colo. As lágrimas corriam em seu rosto enquanto dizia:
- Vai ficar tudo bem, vó. Por favor, não me deixa! Fica comigo, vó! Fica comigo!
- Eu acho que já é tarde, Abel! - dona Carmem ofegava.
- Shhh! Não! Fica quieta. Não diz nada.
- Eu preciso dizer... Eu te amo.
Abel ficara perplexo. Não era a primeira vez que sua avó lhe dizia isso, mas ali naquele momento que parecia ser o último estas palavras tiveram outro efeito.
- Eu também. Eu também te amo, vó! - Abel sussurrava em seu ouvido. - Me perdoa! Me perdoa, por favor!
- É claro que sim! Meu garotinho! Apesar de nossas brigas e desentendimentos, eu nunca perdi a esperança em você. Eu estou indo agora triste por não ter visto a mudança acontecer, porém feliz pois sei que a semente está aí dentro e mais cedo ou mais tarde ela vai brotar.
- Vó! O que eu vou fazer sem você? - Abel soluçava. - É tudo minha culpa. Eu te matei!
- Não se preocupe comigo, eu vou ficar bem. Cuide-se, você ainda tem muito o que fazer, meu filho. Agora, me prometa que você vai mudar. Que você vai encontrar felicidade sem machucar ninguém. Me prometa que você vai ser um homem livre. Um homem de bem...
- Eu vou, vó! Prometo. - Abel segurava a sua mão que respondia agarrada à sua com força.
- Então agora eu posso ir em paz...
Aos poucos a voz de Dona Carmem foi baixando, se perdendo em sussurros. Seu rosto congelou num esboço de sorriso, os olhos foram se fechando lenta, mas progressivamente. A mão que tinha agarrada à de Abel, por fim foi enfraquecendo até que se soltou totalmente.
Estava morta.
Abel chorava.
***
Cauê encontrou-se com Janaína na praça. Ao se aproximar percebeu que ela estava chorando. Quando o viu ela o abraçou forte.
- Jana, o que aconteceu?
- Me abraça, Cauê. Preciso muito de um abraço agora.
Cauê a abraçou sem entender nada.
Janaína soltou-o, pegou um papel no bolso e entregou para ele. Cauê abriu o papel, leu e chocado perguntou:
- Jana! Você está grávida?
***
Antônio e Felipe finalmente chegaram a casa de Abel. Do lado de fora havia viaturas de polícia e uma ambulância onde um corpo estava sendo colocado.
Antônio saiu correndo do carro enquanto Felipe tentava entender o que estava acontecendo. Sentiu medo de ter causado alguma desgraça. Mas havia.
Antônio se aproximou da ambulância e viu o rosto desesperado de Abel iluminado pelas luzes azuis e vermelhas dos carros. Correu até ele e o abraçou. Sem nem distinguir quem estava o abraçando, Abel respondeu ao abraço com soluços profundos:
- Sinto muito, Abel! Tentei impedir, mas cheguei muito tarde!
- A culpa foi minha! Foi minha!
Felipe vendo aquela cena sentiu um profundo sentimento de culpa. Nem o ódio que sentia de Abel o fez se sentir melhor:
- A culpa foi minha. Desculpa, Abel. - sussurrou para o vento e logo saiu.
***
- Como isso foi acontecer, Jana?
- Eu não sei! Não imaginei que fosse. Meu pai vai me matar...
- Mas e o Joaquim? Ele sabe disso? Ele é o pai, né?
- Claro que sim. Ele é o pai... Tenho certeza disso. Você está duvidando de mim? - Janaína parecia irritada com a pergunta.
- Não. Jamais. Sendo assim, você precisa contar pra ele.
- Eu tentei. Ele mudou o número de telefone, excluiu perfil do Facebook... Está totalmente incomunicável.
- Então você precisa ir atrás dele.
- Eu não quero ir sozinha... Vem comigo?
Cauê não sabia se estava pronto para ver Joaquim novamente.
***
- Tenho que ir em bora daqui. Rápido! - Abel entrou correndo no quarto.
- Ei, o que você está fazendo? - Antônio veio logo em seguida. - Se você for agora eles vão desconfiar.
- E se eu ficar eles vão me prender. - disse colocando algumas roupas numa mochila.
- Por favor, Abel! Não piora as coisas.
- Vem cá, eu mal te conheço, quem é você?
- Fique, vai dar tudo certo.
- Não, não vai! Vou acabar com quem fez isso com ela.
- Você sabe quem foi?
- Sei.
- Então por que não conta pra polícia?
- Porque isso é assunto meu, estranho! Agora sai da minha frente.
- Não vou deixar você sair.
- Sai! - Abel empurrou Antônio e fugiu pulando o muro dos fundos.
Ele lembrava do último pedido de sua avó, mas isso ficaria pra depois. Agora ele tinha problemas muito mais sérios para resolver e muitas pessoas para machucar.