Como conceber a ideia bizarra de que aquele esboço de homem me tinha em suas maos, me moldando de acordo com sua existencia? Eu proprio nao entendia. Apenas sentia que meus pensamentos e sentimentos involuntariamente tomavam a direçao dele, da sua figura alva que parecia uma imagem de sonho, um sonho que me tirava o juizo aos pouquinhos.
Eu era agora um homem completamente absorvido de paixao, desejo e fixaçao por aquele garoto.
Nunca senti tal coisa com Leandro. Com ele era um tipo de sentimento tranquilo, sem travas nem grandes arroubos, um carinho como que alem de uma amizade comum. Amor plano, sem sobressaltos. Isso ate que o "ideal" fosse afastando-o de mim. Quando disse a ele que nossa vida era boa antes disso tudo, era uma verdade, uma certeza que eu tinha. Pensava que viveria a vida toda com ele, como dois homens de ideias divergentes, claro, mas que sobretudo se amavam e se toleravam. Infelizmente nao foi possivel.
Meu sentimento por Guilherme era como um afogamento. A razão deixava de falar mais alto, os sentidos se entusiasmavam numa instintividade animal, numa sede dele insáciavel, e quando ele saia da minha casa e ia embora naquele ar de petulância e superioridade adolescente, me vinha um desespero, uma angústia por pensar que ele nao era inteiramente meu, que decerto se dava àqueles moleques arrogantes que nem sabiam ainda o que fazer em cima de uma cama.
Queria ter a capacidade e a força de me livrar dele, cortar com tudo e retomar o controle de minha vida. Durante o dia eu me obrigava a essa resoluçao, afirmativo, seguro, porem bastava chegar a noitinha e ele aparecer com seus modos sedutores e malignos, seu olhar que era o meu inferno, a minha perdiçao, e eu esquecia tudo num segundo, louco, erguendo-o nos braços enquanto ele ria e me abraçava com força, manhoso feito um menino de colo.
- Ninguem me fode como voce, Edu - dizia ele jà na cama, na sua posiçao de cachorra de rua, de quatro, olhando para tras enquanto eu socava.
- Eu nao quero mais ninguem pondo as maos em voce - eu falava bufando, maluco de ciume, metendo mais forte para castiga-lo, agarrando em sua crina e mandando ver; mas o safado gostava e pedia repetiçao.
Simplesmente incrivel quando ele se metia a cavaleiro e queria aquelas longas cavalgadas desenfreadas sobre mim, sempre me olhando fixamente, me dominando com seu olhar magnetico. Leve, quente, cheirando a sabonete feminino, ele suava; um jovem deus grego vindo de presente para me satisfazer, me enlouquecer. O ceu era branco. E eu era um pobre coitado, afogado num mar de luxuria, de suor, de esporro quente e fresco.
- Nao quero voce com os garotos, jà disse - tornei a falar enquanto ele se arrumava em frente ao espelho apos ter tomado banho; o menino secava seus belos cabelos com as pontas dos dedos, daquele modo meio afeminado que as vezes ele tinha e eu nao gostava.
- E voce acha que manda em mim, professor? - retrucou sem me olhar.
Sentei na cama, ainda nu, tomado por uma onda de irritaçao.
- Voce esta comigo agora, Gui. Precisa haver um certo tipo de respeito entre nos...
- Papinho chato... - murmurou ele consigo, ajeitando a camiseta no corpo e se mirando no espelho.
Levantei furioso, segurando seu braço fino, que ele soltou num gesto raivoso.
- Se eu souber, Gui... - sussurrei entredentes.
- Vai fazer o que, cara? Me bater? Matar? - explodiu ele num frenesi de ira, me olhando com desprezo - Ninguem manda em mim, nem vai mandar! Faço o que quero. E se voce esta todo de quatro por minha causa, saiba que isso nao lhe dà direito algum sobre mim. Sequer me comove...
Minha mao fechou para dar um soco nele, que na certa o desmontaria no ato, mas me segurei e ele percebeu. Nao demonstrou medo ou surpresa, apenas me olhou mais serio do que o habitual.
- Levante essa mao para mim e voce nunca mais vai me ver - sussurrou, frisando a palavra "nunca".
Meu medo parecia um monstro negro, de aparencia insuportavel, querendo me esganar num impeto assassino. Vacilei, olhando o Guilherme em silencio, incapaz de abrir a boca e pedir desculpas. Ele se afastou de costas, ainda me fitando com desconfiança e severidade.
- Estou indo - murmurou, lambendo rapidamente o làbio inferior naquele gesto distraido que me enlouquecia.
- Amanha... na aula, nao se esqueça - falei numa voz fraca - Estudou o que pedi?
- Aula pratica de anatomia? - ele esboçou um sorriso mau - Todos os dias, professor.
- Estou falando serio, Guilherme. Logo sua mae vai querer ver os resultados das liçoes.
Uma piscadinha de olho dele, como quem diz "eu me garanto", e me deu as costas, falando em voz alta là da sala.
- Troca aquele sabonete do seu banheiro. Nao tomo banho com sabonete ordinàrio, nao.
Ouvi a porta batendo, e voltei para a cama. O lençol de algodao esgarçado ainda guardava o cheiro doce dele, vestigios de esporro, umidade de suor. Se ele me deixasse... Esse pensamento era de uma dor que nunca imaginei ser capaz de sentir. Nao dava para suportar. Seriam os comunistas e militares, fanaticos por um ideal avassalador, mais infelizes do que eu? Achei que eramos bem parecidos. Todos beirando à loucura.
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